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Coordenadas de uma ética ambiental

No documento GloriaMeloDEF (páginas 91-94)

Parte II – Enquadramento teórico

3. Supervisão e sustentabilidade ecológica

3.3. Dimensão ética da sustentabilidade: a legitimidade de educar

3.3.2. Coordenadas de uma ética ambiental

As práticas concretas de atenção aos problemas ambientais e de preocupação com as implicações que daí possam advir, sobretudo no médio e longo prazo para as gerações futuras, constituem o que Varandas (2009) considera serem repercussões políticas da reflexão filosófi- ca no âmbito da ética. E a autora aponta mesmo algumas marcas desasa influência em seis preocupações ambientais que se fizeram presentes nas ‘políticas verdes’ desenvolvidas a par- tir dos anos sessenta:

“A preocupação com a crise ecológica

A promoção do respeito pela biodiversidade e pela integridade ecológica O reconhecimento da interdependência social e ecológica

A afirmação da necessidade de estabelecer limites ao crescimento

A divulgação da noção de sustentabilidade, mediante apoio a alterações sociais, tecnológicas e económicas tendo em vista o desenvolvimento de uma sociedade ecologicamente sustentável

A promoção dos valores da justiça intergeracional (gerações futuras)” (Varandas, 2009, pp. 92-93).

O enquadramento ético do tema tem hoje uma grande expressão, desde logo pelo posicionamento filosófico que pretende sustentar uma ética ambiental radicada em si mesma, como vimos no subtema anterior. Também a dimensão religiosa da relação do Homem com a Natureza interfere no modo como o ser humano se situa face ao uso dos recursos naturais, e de modo especial à justiça da sua utilização.

Com uma perspetiva mais crítica do que a narrativa de Varandas, encontram-se outros autores que situam a reflexão ética sobre o tema na procura de coordenadas de atuação que responsabilizam não só as organizações e instituições, mas também cada cidadão em par- ticular. Um dos exemplos é fornecido por Giuliano Pontara (1996, 179-183). O autor apresen- ta quatro coordenadas de uma ética ambiental, a que chama medidas morais: “não efectuar escolhas que tenham consequências irreversíveis, ou cuja reversibilidade seja muito difícil ou extremamente custosa”; “maximizar o nível de vida sustentável”; “proteger a biodiversidade”; e “proteger o património artístico, científico e cultural”. Estas medidas terão de ser interiori- zadas em grande escala e esbarram, como é evidente, com interesses imediatos e com formas de organização global que, em si mesmos, se podem justificar por necessidade ou por um espírito de relacionamento universalista, que também são inerentes ao Homem.

83 Soromenho Marques (2005) enquadra a crise ambiental num contexto mais antropo- lógico de debate sobre a ‘condição humana’. Os padrões religiosos, morais, materiais e técni- cos de situação do Homem sofreram profundas alterações. O sentido final da vida para uma felicidade pós-mundo deixou de comandar a existência e a valorização das condições de bem estar; por outro lado, o que parecia ser a dependência incontornável do homem (e da cultura) em relação à natureza transformou-se na relação inversa. Diz o autor (2005):

“Durante milénios o problema principal da humanidade consistia na escassez e desproporção do seu poder perante as forças transbordantes de uma natureza esma- gadora. Hoje, na era da crise do ambiente, o nosso principal, problema reside na desmesura do nosso poder, . . ., na falta de um princípio interno ou externo de con- tenção do imenso poder acumulado pela cultura humana.” (p. 176)

De algum modo, a questão da sustentabilidade orientada para a responsabilidade pelas gerações futuras remete também para o conflito de interesses que se poderia representar entre as pessoas de hoje e as pessoas de amanhã. Se nos colocarmos como partes da mesma humanidade, esse conflito parece esbater-se; mas permanece o conflito de interesses entre a determinação da vida coletiva e os interesses particulares. Assim sendo, uma ética ambiental tem de situar-se no respeito pela dignidade de cada pessoa singular, implicando isso também o reconhecimento de que a satisfação dos interesses particulares depende em parte da satisfação coletiva. Numa tentativa de conjugar esses ‘interesses’ que, pelo menos aparentemente, se apresentam como antagónicos, Soromenho Marques (2005, 180-181) adverte que “temos de avaliar a nossa acção pela bondade dos princípios aos quais ela se deve subsumir, como temos, igualmente, de medir os efeitos mundanos a longo prazo das nossas decisões”. Este, como muitos outros autores, chama atenção para a componente ética de responsabilização em relação às consequências das decisões de hoje e não só para as possibilidades que uma res- ponsabilidade liberal proporciona.

O conceito de sustentabilidade ética, como procura de princípios de responsabilidade e responsabilização numa perspetiva de aperfeiçoamento pessoal e coletivo, pode ser um con- tributo para superar a ética de convicções abstratas e construir uma ética de convicções inteli- gentes, isto é, aplicáveis ao Homem de hoje e com perspetiva de futuro. E há um risco de ‘camuflar’ o problema da sustentabilidade que não podemos ignorar: facilmente o interesse particular se dissimula em interesse coletivo ao tornar-se mero interesse de ‘classe’. O próprio problema da sustentabilidade ética pode resumir-se a uma mudança de valores ou padrões de vida que só a alguns interessa; e a questão ambiental serve facilmente para uns países impo-

84 rem a outros limites à poluição de que os próprios não estão dispostos a abdicar. Este risco é bem apresentado por Thomas (1994) quando refere:

“os interesses pessoais acabam sempre por se transformar, a despeito das pessoas, em interesses de classe, interesses comuns, os quais, diante de pessoas individuais, se tornam autónomos e, sob esse aspecto autónomo, tomam a forma de interesses gerais, já que, nessa qualidade, entram em conflito com os interesses reais . . . “ (p. 76)

Conceber programas e aplicar uma ética ambiental nos conteúdos letivos e nas fun- ções didáticas de supervisão na escola é um valor moral e um dever, quer do projeto formati- vo do professor quer de uma postura ativa de cidadania.

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No documento GloriaMeloDEF (páginas 91-94)