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5. Análise dos dados

5.1 Movimento Tradicionalista Gaúcho

5.1.3 Coordenadoria de Indumentária

A relação entre a indumentária e o tradicionalismo é destacada por Brum (2008, p.11) como sendo um caso peculiar na “construção da alma regional”, visto as dimensões que este elemento ocupa dentro do movimento tradicionalista. Em muitos momentos estar pilchado transparece a identificação com um projeto cultural de afirmação do gauchismo, traria um sentimento de pertencimento dentro do universo tradicionalista e o reconhecimento pessoal de fazer parte da identidade coletiva (BRUM, 2008).

E nessa busca por identificação através da indumentária, o MTG passou a controlar as representações e apropriações realizadas pelos tradicionalistas de maneira a desenvolver uma significação única do que seria ser gaúcho tradicionalista. Brum (2008, p.14) destaca que “não é a falsidade ou a veracidade das

31 Dentre as iniciativas pensadas pelo MTG está a criação de um conselho de músicos para a construção de diretrizes que aproximem os artistas das entidades tradicionalistas, tendo a possibilidade de inclusão de novas modalidades musicais no ENART e maior número de eventos voltados para a música considerada autêntica pelo movimento (ECO DA TRADIÇÃO, 2018).

representações, mas a relação estabelecida com o passado e as delimitações simbólicas de sua recriação no presente, que são significativas”.

O regramento sobre indumentária reúne diretrizes obrigatórias sobre o que seria a correta utilização da pilcha gaúcha. A vestimenta do gaúcho é considerada elemento distintivo da identidade do gaúcho, tendo sido oficializada como traje de honra e de uso preferencial no Rio Grande do Sul pela Lei nº 8.813/89. Contudo, sua admissibilidade está condicionada a correta observância de regras extremamente detalhas estabelecidas pelo MTG.

Assim, como forma de estabelecer os limites considerados aceitáveis para a indumentária, o MTG editou o livro “Indumentária Gaúcha” (ABREU, 2003), obra resultante da compilação de diversas fontes de conhecimento e adotado como principal referência dentro do movimento tradicionalista. O livro é complementado por diretrizes e notas oficiais emitidas pela vice-presidência de cultura, que reúnem orientações sobre elementos específicos dos trajes.

De acordo com o MTG, a indumentária deve refletir o patrimônio sociocultural gaúcho baseado na origem pastoril do movimento, assim, a disciplina no uso das pilchas tem como principal função preservar os costumes, os hábitos e a cultura do gaúcho rural. Contudo, conforme ressalta Oliven (2006), muitos dos elementos construídos como tradição não condizem com a realidade vivida pelos povos ora representados. E dentro do âmbito da indumentária, a figura da prenda é o elemento de maior destaque.

Segundo afirma Dutra (2002), a invenção da prenda surgiu com a fundação do “35 CTG”. Os elementos que a compõe foram criados de acordo com a representatividade que os tradicionalistas imaginavam ser condizente com uma “mulher gaúcha do passado”.

E como é que é o vestido das moças? Como modelo, aproximado, só havia os vestidos caipiras, das festas juninas de São Paulo, ou as “folhinhas” anuais distribuídas pela Cia. Alpargatas na Argentina. Paixão encasquetou que deviam ser vestidos compridos até os tornozelos; eu argumentei que se nós, rapazes, estávamos trajando nossas costumeiras bombachas, não carecia que as moças se voltassem para tão longe nos antigamente; isto não chegou

a ser posto em votação, mas o bigodudo Paixão nos venceu pelo cansaço (LESSA, 2008, p. 66)

E nesse mesmo sentido, Fagundes (1992, p. 28) confirma a invenção do traje ao escrever em seu livro sobre Indumentária Gaúcha que “assim, consultando fotos antigas das próprias famílias e inspirados no ‘traje de china’ das tradicionalistas uruguaias e até mesmo – forçoso é reconhecer – no vestido caipira que eles combatiam, criaram o hoje famoso ‘vestido de prenda’”. A indumentária da prenda é elemento essencial da simbologia gaúcha inventada e apropriada pelo movimento tradicionalista. De acordo com Dutra (2002, p.67), “o vestido deveria enfeitar a mulher, valorizar sues movimento nas danças e, especialmente, traduzir a ideia da mulher romântica, ‘naturalmente’ delicada, dócil e dependente do homem forte e independente”.

O MTG, através da coordenadoria de indumentárias, regulamentou o uso “adequado” das pilchas, determinando o comprimento do vestido, as estampas, a textura e as cores dos vestidos, além dos enfeites e do estilo de mangas permitidos, o tipo e as cores de meias e sapados. As diretrizes que tratam da indumentária feminina são voltadas para montar mulheres idealizadas pelo movimento, personificando uma “mulher ‘enfeite’, submissa, porém, portadora de um grande ‘destino social’, o de ‘guardiã da moral, dos bons costumes e do zelo cívico’” (DUTRA, 2002, p.70). As diretrizes da Indumentária da Prenda Atual32 ilustram como os trajes

femininos são essenciais na manutenção da prenda criada pelo movimento.

1. O TRAJE: vestido, saia e casaquinho, de uma ou duas peças, com a barra da saia no meio do pé, podendo ser godê, meio godê, em panos, em babados ou evasês, com cortes na cintura, cadeirão ou corte princesa, atentando para a idade e estrutura física

2. MANGAS: longas, três quartos ou até o cotovelo, admitindo-se pequenos babados nos punhos, sendo vedado o uso de “mangas boca de sino” ou “morcego”.

3. DECOTE: pequeno, sem expor ombros e seios.

32 Os trajes são classificados como Primitivo, Farroupilha, Estanceiro e Atual, cada um representando uma época da história do Rio Grande do Sul. Os trajes de época não restritos a momentos como: desfiles, mostras e concursos artísticos sendo aceito o uso apenas pelo grupo de danças (ABREU, 2003).

4. ENFEITES: de rendas, bordados, fitas, passa-fitas, gregas, viés, transelim, crochê, nervuras, plisses, favos. É permitida pintura miúda, com tintas para tecidos. Não usar pérolas e pedrarias, bem como, os dourados ou prateados e pintura a óleo ou purpurinas.

5. TECIDOS: lisos ou com estampas miúdas e delicadas, de flores, listras, petit-poa e xadrez delicado e discreto. Podem ser usados tecidos de microfibra, crepes, oxford. Não serão permitidos os tecidos brilhosos, fosforescentes, transparentes, slinck, lurex, rendão e similares.

6. Cores: devem ser harmoniosas, sóbrias ou neutras, evitando-se contrastes chocantes. Não usar preto, as cores da bandeira do Brasil e do RS

7. SAIA DE ARMAÇÃO: deve ser discreta e leve, na cor branca. Se tiver babados, estes devem concentrar-se no rodado da saia, evitando-se o excesso de armação. Comprimento inferior ao do vestido.

8. BOMBACHINHA: branca, de tecido leve com enfeites de rendas discretas, comprimento abaixo do joelho.

10. MEIAS: devem ser longas o suficiente para não permitir a nudez das pernas, brancas ou beges.

11. SAPATOS: pretos, marrom ou bege, salto até 5 centímetros, com tira sobre o peito do pé, que abotoe do lado de fora.

12. CABELOS: podem ser soltos, presos, semi-presos ou em tranças. Para prendas adultas e veteranas é permitido o coque. Enfeites com flores naturais ou artificiais, ou pequeno passador. Vedado os brilhos, purpurinas e peças de plástico.

13. MAQUIAGENS: discreta e de acordo com a idade e o momento social. 14. JOIAS: devem ser sempre discretas, de acordo com a idade, a classe e o momento social. São permitidas as joias e semi-joias com uso de pérolas, nas cores branco, rosado, creme e champanhe, nos brincos, anéis e camafeus.

(MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO, 2014b)

Os elementos constitutivos da diretriz de indumentária atual feminina demonstram a rigidez construída e instituída pelo MTG. E de acordo com Brum (2008), os trajes gaúchos compõe um conjunto de signos que concorrem e reafirmam elementos do considerado gauchismo. A pilcha, tanto feminina quanto a masculina, reveste-se de significados de aceitação e submissão à normas e comportamentos que constituem o tradicionalismo tido como correta representação cultural do gaúcho.

No ano de 2015 durante o 63º Congresso Tradicionalista foi aprovado e criado o grupo de estudos sobre indumentária, com o objetivo de revisar as regras referentes aos trajes históricos de forma a uniformizar o entendimento entre tradicionalistas. A

relevância atribuída a correta utilização de indumentárias, assim como o desconto pela inadequação em eventos competitivos, ampliou o escopo de atuação do grupo, tornando esta equipe responsável por dirimir dúvidas não só referente a trajes folclóricos, julgando a aceitabilidade de qualquer categoria de indumentárias a serem utilizadas em eventos competitivos oficiais.

De acordo com o relatório de atividades do MTG do ano de 2016, foram realizados vinte e três atendimentos presenciais individuais aos grupos de entidades tradicionalistas, além de atendimentos via e-mail de cerca de cinquenta grupos no período anterior as etapas inter-regionais e outros sessenta grupos no período anterior ao ENART.

Estes atendimentos são realizados com o intuito de alinhar as interpretações realizadas pelos grupos sobre as regras de indumentária, visto existir avaliação de indumentárias ao longo dos eventos competitivos oficiais (MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO, 2016). No ano de 2016 foram avaliados os seguintes eventos: FestMirim33, Juvenart34, FestXirú35, Etapas regionais e inter-regionais do

ENART, Etapa final do ENART e FEDAGAN36.