Recife, 15 de novembro de 2015.
Querida Teresa,
hoje eu quero te contar um pouco sobre como se deu a minha
chegada à Igreja Católica
23. Tudo começou com a minha
23 Também conhecida por Igreja Católica Apostólica Romana sua doutrina se baseia na doutrina
participação na catequese
24, com aulas aos sábados. Ali, os
princípios da doutrina da igreja juntamente com os
ensinamentos bíblicos eram partilhados com as crianças, ao
longo de 1 hora de encontro. Sob a orientação e cuidado de
minha avó, que era catequista há muito tempo, fiz dois anos
de formação que culminaram com o momento tão esperado
da primeira comunhão
25.
Para, finalmente, o meu tão esperado encontro com Jesus na Eucaristia26
precisei, no dia anterior, fazer uma confissão auricular27. Minha avó dizia que
devíamos contar tudo de errado que fizemos ao padre. Todavia, a minha cabeça de criança não compreendia bem o que, de fato, se configurava como o errado. Não me lembro o que confessei, mas recordo bem que a penitência foi rezar a Ave-Maria e o Pai Nosso de joelhos. Além disso, era necessário ficar vigilante para não pecar até o dia seguinte, caso contrário, eu não poderia receber a primeira comunhão. Acho que eu nunca fiquei com tanto medo de fazer algo errado.
Querida Teresa, na tarde seguinte, vestida de branco e
com uma rosa vermelha nas mãos, segui para a igreja. Eu já
estava de saída quando lhe recebi, querida Teresa, vestida com
pétalas bem aveludadas. Segui! Seguimos! Foi uma emoção
como nunca havia sentido. Minhas mãos suavam e minhas
pernas tremiam. Fui visivelmente tomada por uma força
24 Ensino da doutrina católica para crianças e adolescentes. Espécie de curso de formação para o
recebimento da Eucaristia.
25 Ritual católico onde o fiel se encontra com Jesus na hóstia consagrada. 26 Partícula onde a igreja simboliza o corpo de Cristo.
27 É uma doutrina da Igreja Católica onde o fiel deve confessar os seus pecados, pelo menos uma
indescritível. Isso me fez recordar à tua experiência: “Ah!
Como foi doce o primeiro beijo de Jesus à minha alma! [...]
foi um beijo de amor. Sentia-me amada e, por minha vez,
dizia: Eu vos amo, dou-me a vós para sempre” (TERESA
DO MENINO JESUS, 2002, p. 92). As tuas palavras
revelam a inundação do amor por Jesus em tua alma, uma
fusão tão singular do humano com o divino na hóstia
consagrada. Recordo os teus escritos em forma de poesia:
Tu que conheces minha pequenez extrema
Não temes te abaixar até a mim!
Vem ao meu coração, Hóstia branca que amo!
Vem ao meu coração! Ele suspira por ti!
Ah! Quisera que a tua bondade me deixasse
Morrer de amor, depois desta graça.
Jesus, escuta o grito da minha ternura.
Vem ao meu coração!
(TERESA DO MENINO JESUS, 2002, p.
650).
Todo o ritual previsto para a Missa da Primeira Comunhão foi realizado. Tudo começou com uma pequena procissão de entrada e seguiu até o momento tão esperando do primeiro encontro com Jesus.
No meu coração de menina, a comunhão atuou como uma forte iluminação, um verdadeiro impulso para um maior compromisso com os ritos da igreja. Comecei a participar de quase todos os grupos da igreja (Pia União das Filhas de Maria, Movimento Eucarístico Jovem, Grupo de Acólitos...) e os meus horários livres passaram a ser preenchidos por compromissos religiosos. Em meio a este fluxo intenso de atividades, esbarrei em um menino, mais ou menos da minha altura, chamado Valmir Assis. Ele era tão esperto e inteligente. Erámos tão grudados, que só você vendo. “Unha e carne”, diziam todos. Erámos dois pequenos muito responsáveis com as coisas de Deus e, por consequência disso, os mais velhos nos enchiam de mimos. Nossa assiduidade e participação dentro dos rituais da missa, da Matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Tejipió28, eram de se admirar.
Na mesma época, fundei o meu Grupo de Teatro e Dança Agnus Dei, que tinha, aproximadamente, 20 meninas, entre 10 e 13 anos de idade. Com elas, dirigi pequenas encenações de teatro e dança para as festividades da igreja e muitas atividades que tinham o objetivo de catequizar através da arte. Foi uma fase muito importante para minha formação religiosa e artística. Descobri um Sagrado possível de tocar e compartilhar com a comunidade. Mas, somente deu muito certo graças ao apoio das lideranças dos outros grupos da igreja e da minha avó, que tinha o seu pé na arte. Cantava divinamente. Vendo a neta empolgada com a igreja, de imediato, disponibilizou o seu micro system para os ensaios, costurou figurinos e tudo que era possível ela fazia pelo grupo. O nosso primeiro espetáculo foi O nascimento de
Jesus, na noite Natal.
Querida Teresa, não sei se te contei, mas o padre lá
da comunidade era cenógrafo e figurinista profissional,
acreditas? Ele tinha as suas criações assinadas em diversos
espetáculos de teatro do Recife. Assim como você, eu também
demorei a compreender que os padres eram humanos de
carne e osso, sabia? Para a minha alegria, o Padre Aníbal
Santiago sempre foi um grande incentivador da arte na
Igreja.
De pouco em pouco, a igreja se transformou na minha segunda casa e os membros dela uma grande família. Eu vivia dia e noite cuidando das coisas sagradas. Nada mais me chamava tanto a atenção do que estar ali.
Com o passar dos anos, a minha amizade com Valmir se tornou ainda maior. A nossa união era tanta que me vi sem chão, quando ele anunciou que iria para o seminário. “Sou fera ferida, no corpo, na alma e no coração”29, ele escreveu um
bilhetinho e me deu com o trecho dessa música n’outro tempo, e era a primeira vez que me senti tão machucada pela partida de alguém. Valmir era o menino-homem que via o mundo em música e isso me completava. Quando sua ida para a Congregação Salesiana de Dom Bosco30 se confirmou, só me restou dizer um adeus
engasgado e lhe presentear com uma homenagem sobre a história de sua vida, por meio de uma curta encenação. Apresentamos no altar principal da igreja, que garantia boa visualização de todos que estavam naquela missa da despedida. E, como era de se esperar, o tempo passou e o seminário, por vezes, o silenciou. Ficaram, nos meus dias, o vazio.