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CAPÍTULO 4. UMA TRAJETÓRIA DE APRENDIZAGEM EM DANÇA

4.2. Corpo e Espaço: a disciplina

A disciplina Corpo e Espaço é optativa para o curso de Licenciatura em Dança e obrigatória para o de Bacharelado em Dança. É uma disciplina sem pré- requisitos, mas observamos que a maioria dos/as estudantes que a cursou no segundo semestre de 2013 – período no qual éramos responsáveis em ministrá-la –

estava no sexto semestre dos cursos supracitados. Contou com 22 alunos/as matriculados/as, mas constituiu-se com 16 estudantes que a cursaram do início ao fim do semestre.

Possui uma carga horária total de 48 horas e foi ofertada pelas manhãs, no horário de 09 às 12 horas, na sala 18 do Instituto de Cultura e Arte (ICA), da Universidade Federal do Ceará (UFC).

De acordo com o formulário de criação dessa disciplina, o qual consta nos Projetos Políticos Pedagógicos dos Cursos de Licenciatura e Bacharelado em Dança, sua criação tem o seguinte texto como justificativa:

A tematização das relações entre corpo e espaço permite experimentar aspectos como direção, percurso, projeção e nível espacial. Tal experiência esclarece e potencializa tanto a análise quanto a performance e a pesquisa de movimento.

Segundo o já mencionado formulário de criação, seus objetivos são ―estabelecer elementos para a compreensão das relações entre o corpo em movimento e o espaço; experimentar o corpo em movimento como produtor do espaço, desdobrando ações através do trânsito articulado entre as dimensões vertical, horizontal e sagital.‖ A ementa prevê a ―investigação das inscrições do corpo em movimento no espaço. Percepção das linhas de força do movimento como parâmetros geométricos do espaço; análise do movimento.‖

Nesta tese, optamos por escrever Corpo/Espaço – procedimento que expusemos para os/as estudantes que cursaram esta disciplina, durante o segundo semestre de 2013 – no intuito de provocar pensamentos e discussões sobre os limites entre corpo e espaço. O uso da barra inclinada tende a favorecer que corpo possa ser pensado/vivido como espaço e vice-versa, desestabilizando o entendimento que um contém o outro e incitando o de que ambos estão em processo de constituição mútua. Para fortalecer esse procedimento no que tange a escrever/pensar/viver corpo e espaço, lembramos que, segundo Kastrup, o que parece comum a todas as concepções psicológicas de aprendizagem ―é considerar a aprendizagem como aprendizagem acerca de algo exterior ao organismo e como processo de solução de problemas‖ (2007, p. 171, grifos nossos). No entanto, a autora nos lembra que, como asseguram Maturana e Varela, a aprendizagem coincide com a plasticidade estrutural do sistema nervoso e se dá ―num sistema que

não distingue perturbações internas e externas‖ (KASTRUP, 2007, p. 171). Daí que ―a aprendizagem, como a adaptação, é compatibilidade com o meio, e não adequação ao meio ou representação do meio‖ (KASTRUP, 2007, p. 172, grifo nosso); a aprendizagem se consuma quando a relação simbólica é transformada em acoplamento direto e o intermediário da representação é eliminado por meio de um agenciar-se com o meio. Ainda para Kastrup, há que se fazer a reformulação de todo quadro topográfico pautado nas noções de interior e exterior (2007, p. 111).

Em Corpo/Espaço propusemo-nos a trabalhar com um dançar que não ocorre com um adequar-se a padrões dados de movimento corporal e a determinados espaços e figuras já estabilizados, mas provocamos situações em que fôssemos forçados a encontrarmo-nos com os resíduos, com o que ainda permanece instável, com a ―memória cósmica‖, o húmus, que pode abrir possibilidades de invenção com corpos e com espaços (onde haja a invenção de ambos) e que pode constituir-se como solução parcial e relativa – como um produto de dança e também como uma trajetória de aprendizagem em dança.

Guiamo-nos pela ementa, justificativa e objetivos previstos para a disciplina, reescrevendo-os no intuito de encontrar o que poderíamos ―inventar‖ neles e com eles. Nesse sentido a ementa reescrita que nos serviu como guia foi:

A partir da noção de ação (LABAN; LATOUR), o que se propõe é a investigação das inscrições dos/nos corpos em movimento com o espaço, analisado como ―um conjunto inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações‖ (SANTOS, 2012, p. 103). Percepção das linhas de força do/no movimento, experimentando possíveis geometrias espaciais, pesquisa e composição de movimentos e danças.

Os objetivos passaram a ser:

Compor situações com as mais diversas materialidades/socialidades para favorecer a experimentação e o acompanhamento de relações entre corpos em movimento com o espaço. Experimentar corpos em movimento como produtores de espaço e espaços como produtores de corpos.

A tematização das relações entre corpo e espaço permite experimentar aspectos como direção, percurso, projeção, nível espacial, além do uso do espaço e de tudo que o compõe como parceiros na composição de dança. Dançar com o espaço. Chão, paredes, humanos, revestimentos, teto, cadeiras, entre outros elementos, passam a ser considerados mediadores que performam ações conjuntas que engendram danças. Tal experiência pode potencializar tanto a pesquisa de movimento, quanto a performance e a composição de dança e de corpos em dança.

A metodologia foi pensada com a realização de aulas práticas que se abrem à improvisação em dança; às diversas interferências promovidas por leituras e discussões de textos; à exibição de vídeos e fotos; aos relatos de experiências, entre outros.

No que tange à avaliação, esta foi processual, considerando que o/a aluno/a aprende ao mesmo tempo em que realiza as atividades propostas. Foi critério de avaliação, o comprometimento dos/as discentes com a constituição da proposição que estávamos a expor, onde cada estudante foi avaliado/a em relação ao desdobramento de seu trabalho no decorrer das aulas, bem como em relação à dedicação à investigação, experimentação e composição de dança que incluíram relatos textuais.

É importante ressaltar que não tiramos fotos ou filmamos as nossas aulas realizadas na sala 18 do Instituto de Cultura e Arte - ICA, pois, a princípio, não tínhamos a intenção de tornar nosso trabalho com Corpo/Espaço parte de nossa pesquisa de doutorado, mas como a intenção – voltaremos a esse assunto neste capítulo – é partilhada, não partindo unicamente de nós, as proposições de Corpo/Espaço fizeram-se parte de nossa investigação, imbricado que está, em nosso caso, o trabalho de pesquisa com o trabalho de docência artista176 em dança.

176

Um dos objetivos do ensino-aprendizagem em dança hoje é formar profissionais como artistas e docentes, integrando teorias e práticas, ensino e fazer artístico. Essa proposta encontra-se evidenciada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)/Artes (1997, p. 72 e 73), que nos dão referências sobre a produção do professor de arte. Entendemos que, em muitos pontos, a produção docente proposta nos PCNs se articula com a do artista, possibilitando e tornando promissora a figura do artista-docente. Propõe-se ―uma integração do ensino com a criação artística, pressupõe-se, assim, a efetividade das relações educacionais implícitas e explícitas nos processos artísticos‖ (Trecho do Projeto Político Pedagógico do curso de Licenciatura em Dança da Universidade Federal do Ceará, 2010, p. 17).

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