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Correlação da produção científica com os pressupostos que regem o campo da

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES: APREENSÃO, COMPREENSÃO E

5.2 CORRELAÇÃO DAS CATEGORIAS ANALÍTICAS CAMPO, HABITUS E

5.2.1 O campo da Enfermagem e a produção científica acerca do cuidado à criança em

5.2.1.1 Correlação da produção científica com os pressupostos que regem o campo da

fundamentaram a produção científica analisada.

5.2.1.1 Correlação da produção científica com os pressupostos que regem o campo da Enfermagem

De uma maneira geral, a cada campo científico corresponde um capital científico específico que lhe confere identidade social. Nesse sentido, Leopardi (1999) afirma que aceitemos ou não os conteúdos das Teorias de Enfermagem, elas representam o saber d@s enfermeir@s assim como as Teorias da Sociologia representam o saber d@s sociólog@s e as Teorias da Física o saber d@s físic@s. A autora ilustra sua afirmação referindo que não se concebe a formação de físic@s sem o estudo das Teorias de Newton e Einsten, não se concebe a formação de sociólog@s sem o estudo das Teorias de Weber, Durkhein e Marx; por analogia, não se pode conceber a formação de enfermeir@s sem o estudo das Teorias de Enfermagem. No entanto, no campo da Enfermagem, as teorias são pouco conhecidas e raramente empregadas como fundamento da prática. Dessa forma, o reconhecimento das Teorias

de Enfermagem, como parte do capital científico e simbólico, limita-se quase que exclusivamente à academia e aos hospitais universitários. Esse fato dificulta ou mesmo impossibilita tanto a testagem das teorias quanto o desenvolvimento de um debate que tenha como base argumentos oriundos do cotidiano d@s profissionais.

É necessário considerar que as teorias da ciência se predispõem a cumprir funções ideológicas tanto nos campos reconhecidamente científicos quanto naqueles que buscam a cientificidade como é o caso do campo das Ciências Sociais. Tais teorias “universalizam as propriedades ligadas a estados particulares desses campos” (BOURDIEU, 1994, p. 141, grifo do autor). Assim, é pertinente a efetivação de uma crítica dialética acerca dos interesses, dos valores, da identificação do que confere e do que não confere capital e poder em um determinado campo científico; entre eles, as teorias e os objetos de pesquisa que requerem investimento, entre outros interesses que movem um campo.

Nesse sentido, procurei inicialmente caracterizar o campo da Enfermagem e, a partir daí, correlacionar os valores, interesses e capital, com a produção científica em estudo. Na caracterização do campo da Enfermagem, listei os pressupostos que nortearam as discussões incitadas por Neves e Vargens na “Primera Reunión de Programas de Doctorado en Enfermería para América Latina”, realizada no México, em novembro de 2001. Abordando o tema Los programas de doctorado en enfermería ante los avances científicos y tecnológicos: Desafíos y perspectivas. Estudio de caso de Brasil, @s autor@s esclarecem que, embora respeitem a diversidade de concepções, acreditam que:

− a Enfermagem, é uma disciplina profissional que adota uma perspectiva teórico-filosófica característica das ciências humanas, que tem uma finalidade prática e social;

− a Enfermagem, ao manter coerência com os valores filosóficos de uma profissão de ajuda, interessa-se em buscar o conhecimento de aspectos-não materiais e

não-observáveis, tanto do que existe no mundo, quanto do que devemos fazer em relação à vida humana;

− a Enfermagem é uma ciência humana e prática, que emprega tanto conhecimentos e tecnologias de outros campos quanto desenvolve seu próprio conhecimento e tecnologia;

− na Enfermagem, o processo de trabalho é compartilhado entre os agentes da profissão e ocorre em um sistema de saúde de natureza multiprofissional;

− a Enfermagem é uma prática social (concepção apoiada na posição adotada pela Associação Brasileira de Enfermagem);

− sendo a Enfermagem uma prática social, entendemos que suas investigações combinam o concreto e o subjetivo de uma prática, ao dar-lhe caráter também social e conseqüentemente humano;

− a questão de gênero é um fator importante na produção do conhecimento e das tecnologias da Enfermagem. Por ela o feminino estará presente na forma, na definição dos problemas e objetos de estudo, na escolha temática, na linguagem, nas opções metodológicas, na interpretação dos resultados e nas estratégias propostas para incorporação dos achados à realidade da prática.

Discorrendo sobre os pólos da produção filosófica, Pinto (2000, p. 18) comenta a alusão feita por Michel Foucault a uma “linha divisória separando uma filosofia da experiência, do sentido, do sujeito, de uma filosofia do saber, da racionalidade e do conceito”. Clivagem semelhante é apresentada por Moreira (2002); para ele, as ciências humanas e sociais têm mediado entre duas correntes praticamente opostas, que são a positivista e a interpretacionista. Aqueles que adotam a corrente positivista, ou seja, a filosofia da experiência, entendem que o comportamento humano resulta de forças, fatores ou estruturas, sejam elas internas ou externas, que agem sobre os seres humanos para gerar determinados resultados. Tais forças podem ser estudadas tanto por estudos experimentais quanto por levantamentos amostrais. O termo interpretacionismo, que corresponde à filosofia do saber, é utilizado para designar a

abordagem epistemológica que se serve dos estudos qualitativos para estudar o ser humano. Nela é indispensável o emprego de “um conjunto metodológico diferente que leve em conta que o homem não é um organismo passivo, mas sim que interpreta continuamente o mundo em que vive” (MOREIRA, 2002. p. 44). Para os interpretacionistas, a vida humana é ativamente construída pelo contato de umas pessoas com as outras. Dessa forma o comportamento humano é considerado interativo e interpretativo.

Ao articular os conceitos de hermenêutica e de dialética, Minayo (2002) apresentou um método de análise das ciências humanas e sociais, que atenua a polaridade acima referida, por meio da qual, do ponto de vista metodológico, os problemas da prática científica costumam ser reduzidos às relações entre qualitativo e quantitativo. Em suas concepções, a superação desse dualismo se expressa no fato de que toda a qualidade comporta certos limites quantitativos, da mesma forma que a quantidade comporta certos limites qualitativos. É por intermédio da subjetivação do objeto e da objetivação do sujeito que a autora pretende alcançar "um caminho de possibilidades de construção teórico-metodológica de base empírica e documental" (MINAYO, 2002, p. 83).

Investigando as bases epistemológicas utilizadas nas pesquisas referentes ao cuidado de Enfermagem à criança em creches, percebi que em dois estudos as autoras adotaram a corrente positivista e em oito, a interpretacionista. No entanto, em somente uma tese a autora explicitou a fundamentação adotada, identificando-a como fenomenológica. Nos demais estudos, foi a análise do referencial teórico, do referencial metodológico, da técnica de coleta de dados e a forma de apresentação dos resultados, com enfoque qualitativo e/ou quantitativo que me permitiram inferir acerca da corrente filosófica empregada.

A predominância da corrente interpretacionista reafirma as considerações tecidas por Prado e Gelbcke (2001) ao analisarem a produção do conhecimento de Enfermagem no Brasil. As autoras referem que atualmente o conhecimento de Enfermagem está mais fundamentado nas Ciências Sociais e do Comportamento

Humano, conseqüentemente, mais distanciado da área biomédica, cujo interesse continua quase que exclusivamente direcionado aos estudos quantitativos, exceto os que desenvolvem trabalhos de medicina social (TURATO, 2003). Dando continuidade a sua argumentação, Prado e Gelbeke (2001, p. 39) expressam a tendência a uma nova percepção do homem no mundo, relacionando-a com a possibilidade de uma assistência mais integral e complementam suas considerações servindo-se das idéias de Almeida (1995), que menciona que “a aproximação com as ciências sociais e metodologias qualitativas tem possibilitado à Enfermagem uma melhoria na qualidade de assistência prestada”. Dessa forma, a Enfermagem caracteriza-se como uma Disciplina profissional que adota uma perspectiva teórico-filosófica das ciências humanas, que tem como finalidade a prática social.

Como prática social, que busca o conhecimento de aspectos não-materiais e não-observáveis, tanto do que existe no mundo, quanto do que devemos fazer em relação à vida humana, a Enfermagem tem procurado delinear novos e promissores caminhos, nos quais o cuidado humano tenha como função primordial à promoção de saúde. Esse pressuposto ficou evidenciado nos seguintes escritos:

A idéia de superar os enfoques médico-higienista e assistencialista suscita o desafio de construir uma nova visão, um novo referencial de atendimento da criança. É falar de cuidado à criança sadia, e de creche como um direito da criança, como um espaço de vida e saúde, de interações, de descobertas e aprendizagem, de desenvolvimento de suas potencialidades e cidadania. Esse enfoque responde à função de promover saúde à criança usuária do serviço, numa perspectiva de superar a noção de que a creche seja um ‘mal necessário’, um risco ao desenvolvimento infantil (VERÍSSIMO, 2001, p.

20, T).

Neste processo de me fazer aos poucos, pude pensar e viver uma

enfermagem dinâmica, que busca suas relações com o todo na promoção,

manutenção, recuperação e reabilitação da qualidade de vida do ser humano. Sob meu olhar profissional e pessoal considero a enfermagem como uma disciplina que possibilita (ao profissional da área da saúde) uma gama de variações no foco de atenção, sem deixar de preocupar-se com a saúde e bem-estar dos seres humanos convivendo em determinado ambiente. Entendo também que é uma profissão que amplia e busca consolidar-se formando o corpo próprio de conhecimentos e a sua essência, que tem como objetivo a integralidade do ser humano, compreensão e intervenção na realidade, envolvendo processos educativos e/ou terapêuticos (FARIAS,

As investigações no campo da Enfermagem combinam o concreto e o subjetivo de uma prática social. Nesse mesmo sentido, Neves e Vargem (2001) explicam que sendo a Enfermagem uma ciência humana e prática, tem características distintas daquela ciência que enfatiza a objetividade e a demonstratividade concreta dos fenômenos, assim se ocupa muito mais com os processos humanos do que com os produtos estudados. Ao ocupar-se dos processos, a Enfermagem busca conhecer como os fenômenos ocorrem naturalmente, pois lhe importa as relações estabelecidas entre eles. Conhecer o processo significa “conhecer como é sua dinâmica interna, como cursa e como se transforma, levando o pesquisador qualitativista a penetrar na estrutura íntima e latente do objeto de estudo” (TURATO, 2003, p. 262). Essa modalidade de investigação, adotada pela Enfermagem como prática social, auxilia a “quebrar a imagem comum, admitida, adquirida, natural, [..pois..] cada vez que se diz é natural, há manipulação, dominação (BOURDIEU, 2002b, p. 50, grifo meu).

5.2.1.2 Correlação da produção científica com os referenciais teóricos que a