• Nenhum resultado encontrado

Formação profissional para o cuidado e a educação da criança em creches

2 REVISÃO DE LITERATURA: A INFÂNCIA DE VELADA A

2.3 Formação profissional para o cuidado e a educação da criança em creches

O cuidado e a educação das crianças em creches, após a promulgação da LDBEN/96, vêm sendo apontados como dimensões indispensáveis e indissociáveis que devem complementar as ações da família e da comunidade. A fusão dos conceitos de cuidado e educação, na tentativa de criar um novo enfoque para a educação infantil, vem sendo abordada tanto explicitamente, através de documentos oficiais como o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998) e artigos publicados em periódicos especializados como os de Machado (2000), Osteto (2000), Kuhlmann Júnior (2001), quanto implicitamente, conforme Bondioli (1998) e Campos (1999).

No entanto, apesar dos avanços teóricos, a cisão entre o cuidar e o educar é um fato presente em nosso país. Referindo-se a essa dicotomia, Cerisara (1999) comenta que a menção aos termos cuidar e educar como indissociáveis está sendo efetuada na tentativa de sinalizar com algum avanço na compreensão do lugar, do valor e do status que as práticas de cuidado precisam assumir na educação infantil. Cruz (1996) refere que essa cisão pode ser identificada por meio da tendência, ainda dominante, de relacionar creches com cuidado e pré-escola com educação. Nesse sentido, Campos (1999, p. 125-126) esclarece:

Muitas vezes, as novas concepções são absorvidas superficialmente pelo discurso, mas nem por isso integram a prática adotada por órgãos locais de supervisão e pelos profissionais que se ocupam diretamente de crianças. Talvez uma das razões que contribuam para essa dificuldade seja o fato de que as prescrições legais, assim como as pedagógicas, apareçam para a maioria das pessoas como destituídas de história, deduzidas de princípios abstratos e não como conquistas que decorrem de longas e penosas disputas na sociedade, vividas por pessoas de carne e osso. No caso da educação da criança pequena, a inclusão das creches no sistema educacional não garante, por si só, a superação de uma tradição que sempre considerou esse atendimento como ‘mal menor’ justificável somente para as crianças da pobreza. [...] Não há nada mais revelador dessa mentalidade do que os currículos geralmente adotados nas escolas de formação de professores para a educação infantil.

No que se refere a esses profissionais, a LDBEN/96 estabelece, em seu artigo n. 62, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal; estabelece, ainda, em suas disposições transitórias, que as creches e pré-escolas existentes, ou que venham a existir, deverão, no prazo de três anos, integrar-se a esse sistema de ensino. O impacto real dessa legislação na educação infantil é difícil de ser dimensionado, mesmo considerando-se que ela está em vigor há oito anos. Na maioria das creches, “não há exigências com relação à qualificação profissional do pessoal que cuida e interage com as crianças, e a ênfase é colocada nas atividades de higiene, sono e alimentação, distanciando-se da proposta pedagógica que se espera para promover o desenvolvimento infantil” (CARMO, 1996, p. 44-45). A autora enfatiza ainda que, frente à atual concepção de creche, torna-se necessário um programa multidisciplinar de formação de recursos humanos, que busque desenvolver todas as potencialidades da criança. Dados divulgados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF (2001) evidenciam que, no Brasil, as matrículas das crianças em creches só começaram a ser coletadas no Censo Escolar de 1997 e que tanto o número quanto a escolaridade de docentes só começaram a ser apurados em 1999. Dessa forma, ficam inviabilizados os estudos comparativos entre o período anterior e o posterior à legislação vigente.

Abordando a escassez de trabalhos referentes à educação infantil, Strenzel (2000) afirma que, das trezentos e oitenta e sete pesquisas desenvolvidas no período compreendido entre 1983 e 1998, apenas catorze tinham como sujeitos crianças com idade entre zero e três anos. Constatação semelhante é feita por Campos (1997, p. 120), ao declarar que “as pesquisas sobre o impacto das creches são em número muito menor do que aquelas sobre pré-escola”. Além disso, a autora destaca que, enquanto as pesquisas referentes à pré-escola procuram medir seus efeitos positivos, as referentes às creches procuram constatar os efeitos negativos que elas poderiam provocar nas crianças. Dessa forma, fica evidente a carência de estudos que subsidiem a educação infantil na faixa etária de zero a três anos. Outro vazio de conhecimento é detectado quando tentamos identificar a adequação das profissionais às funções de cuidar e

educar crianças em creches. Nesse sentido, alguns aspectos precisam ser analisados: quem são ou deveriam ser as cuidadoras? Quais funções deveriam ser desempenhadas pelas cuidadoras? Qual deveria ser a formação das cuidadoras? Esses aspectos são de fundamental importância no sentido de garantir à criança de zero a três anos de idade o direito a um atendimento de qualidade, que possibilite o despertar de suas potencialidades e que fundamentalmente reconheça a criança como agente social a ser respeitado desde o início de sua existência e, portanto, com direito a participação.

Com relação à formação das cuidadoras, as autoras apresentam diferentes abordagens, enquanto Rossetti-Ferreira (1998) defende a formação continuada do educador como um elemento essencial para proporcionar cuidado e educação com qualidade à criança, Ostetto (2000, p. 20) menciona que “seria muito complicado defender, prioritariamente, o nível universitário para o educador de creches e pré- escolas quando, no Brasil, nem o ensino médio é uma realidade para tais educadores”. A autora segue expondo sua crença de que, se houvesse um mínimo comum para atuação em pré-escolas, este seria a formação em magistério de ensino médio. Delineando o perfil da profissional de educação infantil, Campos (1994) comenta que a opinião de autores converge para que a formação mínima seja o ensino médio, acompanhada por permanente educação em serviço. Minha experiência com educação infantil, em instituições públicas ou filantrópicas, demonstra que há poucas profissionais habilitadas com esse nível de ensino, que se dedicam à pré-escola. Nas creches, essa escassez é mais evidente. Nas raras ocasiões em que estagiárias ou professoras com formação em magistério ou pedagogia atuam, elas se dedicam às crianças com dois ou três anos de idade, ficando @s recém-nascid@s6 e lactentes7 sob responsabilidade de outras profissionais. Frente a essas situações, são pertinentes e oportunos os questionamentos de Ostetto (2000, p. 17) ao indagar: “quem é o profissional de educação infantil? É a pajem, a babá, a atendente, o monitor, o professor, é outra coisa...? Quem é esse sujeito? [...] Que jeito deverá ter sua formação”?

6

Recém-nascidos – crianças de 0 a 28 dias.

7

Ao abordar o aspecto referente às funções que precisam ser desempenhadas pelas cuidadoras nas creches, é necessário considerar que, durante os três primeiros anos de vida, a criança passa por um fantástico processo de crescimento e de desenvolvimento. É inquestionável que, desde o nascimento, a criança é capaz de interagir no meio em que se encontra. Inicialmente, essa interação é evidenciada por manifestações inespecíficas de conforto e desconforto que gradativamente vão sendo identificadas pelos adultos, como fome, dor, saciedade, fralda suja entre outros. Assim, em decorrência do acelerado desenvolvimento neuromotor, as crianças vão evoluindo da total dependência, evidenciada por reações quase exclusivamente reflexas, comunicação através do choro inarticulado e pequenos períodos de vigília, que caracterizam o viver d@ recém-nascid@, à intensa atividade manifestada através da desenvoltura motora, de linguagem e aptidões sociais, que caracterizam a criança aos três anos. Como conseqüência, é evidente que os conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para cuidar de um@ recém-nascid@ divergem completamente dos conhecimentos necessários para cuidar de uma criança com três anos de idade.

Estranhamente, textos sobre educação infantil referem-se às crianças de zero a três anos, como se elas constituíssem um grupo homogêneo. Nesse sentido, essa faixa etária é citada, como se as crianças nela inseridas estivessem no mesmo estágio de desenvolvimento. Assim, inúmeras são as atividades adequadas especificamente às crianças com dois ou três anos que são descritas como apropriadas à faixa de zero a três. Além disso, a maioria dos projetos realizados em creches elege como sujeito as crianças com dois ou três anos, ficando a descoberto crianças de menor idade. Ainda mais, a terminologia utilizada em trabalhos científicos referentes às creches e na própria LDBEN/96 não está adequada ao grupo de recém-nascid@s e lactentes. Assim, as expressões professor, docente e até atendimento escolar são freqüentes. Mas como imaginar uma criança com poucos meses de vida sob os cuidados de um@ docente, de um@ professor@ ou recebendo atendimento escolar? Como imaginar que quem atua junto a crianças com poucos meses de idade está no exercício do magistério? Em conseqüência desses questionamentos, outros se tornam necessários, como por exemplo: Como está ocorrendo o processo de capacitação d@s profissionais

legalmente habilitad@s a cuidar e educar essas crianças? O que significa educar, quando se fala em crianças recém-nascidas e lactentes?