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CAPÍTULO II RELAÇÃO JURÍDICA DE TRABALHO E RELAÇÃO JURÍDICA PREVIDENCIÁRIA

2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMUNS AO TRABALHO E À PREVIDÊN CIA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA

2.1.2 Correlações entre a relação jurídica trabalhista e a relação previdenciária

A doutrina142, quando se vincula à interpretação positiva da Lei Complementar nº 108/2001 e da Lei Complementar nº 109/2001, costuma colocar em campos bem distintos a relação jurídica trabalhista e a relação jurídica previdenciária143.

Não fazendo correlação neoconstitucional entre ambas, a doutrina positivista acaba por configurar para a relação jurídica trabalhista-previdenciária uma natureza estritamente previdenciária, sem considerar que, por exemplo, a filiação obrigatória e 142 A título exemplificativo, citam-se: BALERA (2006, p.25-35): “O vínculo, no plano previdenciário, de-

corre do especial esquema de proteção criado pela Lei”. Por sua vez, sobre o contrato previdenciá - rio privado GAZETTA (2006, p.120) afirma: “[…] conquanto constitua, de fato, elemento de altera- ção da forma pura de exceção ao princípio da vinculação exclusiva das partes contratantes (res in- ter ditos acta), a que corresponde a estipulação em favor de terceiros, a condição de adesão ao re - gime contratual contributivo perante a entidade fechada não descaracteriza a gratuidade assumi - das pelo patrocinador em benefício dos participantes”. De seu lado, WÂNIA ALICE F. LIMA CAM- POS (2010, p.61-64), sobre a previdência privada, destaca que a mesma possui natureza privada, com características voltadas para o âmbito individual, porque advém de natureza contratual, que admite a rescisão, possuindo um regime de capitalização. A respeito do Regime Geral, afirma que ele agrega todas as regras, normas e princípios de previdência de um trabalhador não vinculado ao regime próprio, sendo regido especialmente pelas leis 8.213/91 e 8.212/91.

143 Quando se tratam das relações entre a Previdência Social e o contrato de trabalho, MARLY A

CARDONE assim as distinguem: “I – Relações de gênese: aquelas ligadas à origem do seguro so - cial, com sua história; II – relações de coexistência: aquelas que dizem respeito às ligações entre os sujeitos e os objetos do contrato de trabalho e aqueles da relação de previdência social, en - quanto ambos estão se desenvolvendo no tempo; III – relações de extinção: aquelas repercussões que a morte de uma dessas relações jurídicas tem sobre a outra” (2011, p. 34-35).

compulsória do trabalhador ao Regime Geral de Previdência Social decorre, antes de qualquer outro fenômeno jurídico, por exemplo, da elementar configuração da rela- ção de emprego.

Não desconhecemos a existência de teorias144 que tomam o trabalho e a pre- vidência como disciplinas autônomas. A Previdência Social tem princípios e regras próprias que fazem distinguir a relação jurídica puramente previdenciária da relação jurídica trabalhista. Contudo, em nosso entendimento, isso se aplica apenas aos ca- sos em que a relação jurídica é demarcada por vínculos jurídicos não derivados e nem conexos à relação de emprego ou à relação de trabalho.

Para a tese de competência da Justiça do Trabalho às causas de natureza jurí- dica trabalhista-previdenciária, estamos construindo um caminho interpretativo dife- rente. Partimos da afirmação vigorosa de que a relação jurídica trabalhista e a rela- ção jurídica previdenciária têm um núcleo atrativo comum, um nexo comum, a rela- ção de trabalho ou a relação empregatícia.

Por esse específico sentido, compreendemos que a relação jurídica previden- ciária é um derivado da relação jurídica trabalhista. Isto é, nasce o Direito à percep- ção dos benefícios previdenciários porque, antes, preexiste uma prestação de servi - ço humano, sob a natureza de uma relação de trabalho ou de uma relação emprega - tícia.

A correlação entre ambas é marcada por uma natureza especial ou atípica, que não pode ser definida unicamente pelo vínculo estritamente previdenciário entre Instituto e o segurado, mas relação de trabalho ou pela configurada do contrato de trabalho subordinado.

Assim, essa questão tem embrião no contrato de trabalho, do qual nasce uma obrigação tributária145 – recolher as contribuições previdenciárias decorrentes do con- 144 SÉRGIO PINTO MARTINS (2011, p.9) descreve a Seguridade Social como gênero e a Previdência

Social como espécie. Relata que a teoria monista entende que a Seguridade Social pertence ao Direito do Trabalho, sendo mero apêndice deste. Já a teoria dualista considera que há autonomia do Direito de Seguridade Social, diferenciando que esse ramo não se confunde com o Direito do Trabalho. Enfatiza que a Constituição de 1988, nos artigos 201 e 202, mostra que a Previdência Social está totalmente desvinculada do Direito do Trabalho, que teve suas determinações incluídas no Capítulo II (Dos Direitos Sociais) do Título II (Dos direitos e das garantias fundamentais), no art. 7º. Sem embargo à classificação, não nos interessa essa polêmica, tendo em vista o problema teó- rico da tese prescinde dessa divisão, pois seu foco é a relação jurídica trabalhista com os consec - tários previdenciários. Portanto, por esse sentido, o Direito à previdência decorre da relação de tra - balho ou da relação empregatícias, o que está longe de configurar-se, esse posicionamento, em concepção monista ou dualista.

145 O Supremo Tribunal Federal, ao editar a súmula vinculante nº 8, conferiu às contribuições previ -

trato de trabalho. Como bem observa Teixeira Manus (2009, p.29) “Envolvendo a existência de um contrato de trabalho, decorre o pagamento de tributo, e constata-se uma relação entre o Direito Tributário e o do Trabalho”. Isso ocorre no âmbito do Re- gime Geral Básico.

No âmbito específico do Regime Privado Fechado, observemos bem o que afirma Gazetta (2006, p. 111), “A essência jurídica e o regime de sua execução são indissociáveis do fator econômico a que dizem respeito, que lhes informa o conteúdo e o alcance jurídico”.

O fator econômico, inerente ao Regime de Previdência Fechada, também tem como pressuposto uma relação de trabalho ou uma relação empregatícia, à medida que os planos de benefícios devem ser obrigatoriamente oferecidos a todos os em- pregados dos patrocinadores (LC nº 109/2001, Art. 16).

Juridicamente, portanto, é em razão da real existência de uma relação de em - prego que os benefícios previdenciários são instituídos aos empregados pelas em- presas (patrocinadores).

Por outras palavras, a relação empregatícia é a força atrativa que, juridica- mente, obriga a empresa a oferecer os planos de benefícios a todos os seus empre - gados.

É por isso que, na forma do artigo 31 da Lei Complementar nº 109/2001, por exemplo, as entidades fechadas146 são acessíveis “aos empregados de uma empre- sa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Fede- ral e dos Municípios, entes denominados patrocinadores” (LC nº 109/2001, Inciso I, Art. 31).

brança de crédito tributário ao artigo 174 do Código Tributário Nacional. (OJC, MORAIS, 2010, p.61-74). Eis a súmula: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do decreto-lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”. O artigo 174 do CTN assim dispõe: “Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva”.

146 Note-se que, conforme o parágrafo 2º do artigo 31 da LC nº 109/2001, as entidades de previdên -

cia fechada são constituídas e organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, sem fins lucrativos. Disso se deduzia que não poderiam exercer atividade lucrativa, no sentido do empreen- dimento empresarial. Apesar disso, essas entidades previdenciárias realizavam operações finan- ceiras no mercado de capitais “das reservas garantidoras dos planos de benefícios previdenciários […] com o intuito de obter resultado positivo com vistas à cobertura das metas atuariais, de modo a manter o equilíbrio financeiro e atuarial de tais planos de benefícios” (Comentários à Lei de Previ- dência Privada– LC 109/2001, 2205, p. 207). Mas, o novo Código Civil extinguiu as sociedades sem fins lucrativos. Por não existir mais a sociedade civil sem fins lucrativos, a entidade de previ - dência fechada deve promover alteração estatutária para Associação, consoante o artigo 44 e 53, do novo Código Civil. Na interpretação de FLÁVIO ARNS (2004), “Se a entidade que foi criada sob a forma de sociedade civil não alterar este registro, ainda que não tenha fins lucrativos, será consi - derada empresa”.

Com efeito, é correto afirmar que a relação jurídica previdenciária no âmbito da entidade de previdência fechada147 – que resulta na contratação dos planos de benefícios previdenciários – tem origem na relação de emprego e/ou no contrato de trabalho, no caso das empesas privadas. Portanto, os artigos 16 e 31 da LC nº 109/2001 dão o contorno jurídico da relação jurídica trabalhista-previdenciária aos contratos privados entre empregados-participantes e empresas-patrocinadoras.

No que diz respeito à relação jurídica do trabalhador com o Regime Geral, o pressuposto também é a configuração da relação de trabalho ou o vínculo emprega- tício.

Por certo que, nesse caso, a relação jurídica previdenciária também comporta “normas jurídicas de vinculação” (FEIJÓ COIMBRA, 1996, p.75) do trabalhador-segu- rado com o Regime Geral de Previdência Social. Mas em nosso entendimento não é essa “[...] vinculação abstrata do sujeito jurídico ao sistema previdenciário”, que defi- ne a natureza jurídica da relação trabalhista-previdenciária. (VILELA, 2004, p. 115).

Compreendemos que a vinculação jurídica do trabalhador ao regime básico de previdência é apenas uma consequência de sua filiação obrigatória, a partir da qual passa a ser sujeito de direitos (a proteção previdenciária) e de obrigações (contribuir ao custeio do regime).

Parece lógico que, mesmo considerando a filiação obrigatória e a contribuição compulsória, a natureza jurídica da relação previdenciária entre trabalhador-segura- do com o Regime Geral não é demarcada substancialmente pelo aspecto formal

147 Trata o artigo 16, da Lei Complementar nº 109/2001, da obrigatoriedade quanto ao oferecimen-

to dos panos de benefícios aos trabalhadores. ”Art. 16. Os planos de benefícios devem ser, obrigatoriamente, oferecidos a todos os empregados dos patrocinadores ou associados dos insti - tuidores”. O Art. 31, da mesma Lei, cuida da acessibilidade dos trabalhadores aos planos de benefícios administrados pelas entidades fechadas de previdência: “Art. 31. As entidades fecha- das são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusi- vamente: I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e II - aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denomi- nadas instituidores. § 1o As entidades fechadas organizar-se-ão sob a forma de fundação ou soci- edade civil, sem fins lucrativos. Já o artigo 32 disciplina a forma de administração e de execu- ção dos planos de benefícios previdenciários: “Art. 32. As entidades fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária”.. O artigo 34 cuida da qualificação das entidades fechadas, conforme os planos de benefícios. “Art. 34. As entida- des fechadas podem ser qualificadas da seguinte forma, além de outras que possam ser definidas pelo órgão regulador e fiscalizador: I - de acordo com os planos que administram: a) de plano comum, quando administram plano ou conjunto de planos acessíveis ao universo de participantes; b) com multiplano, quando administram plano ou conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial; II - de acordo com seus patrocinadores ou instituidores: a) singulares, quando estiverem vinculadas a apenas um patrocinador ou institui- dor; e b) multipatrocinadas, quando congregarem mais de um patrocinador ou instituidor.

(abstrato) desta vinculação, mas sim pelo aspecto finalístico ou substancial que a vinculação jurídica gera, uma vez que o conteúdo finalístico é definido pelo aspecto

material da Constituição.

O aspecto finalístico da relação jurídica previdenciária do trabalhador-segura- do com o Regime Geral de Previdência Social é a proteção social diante dos riscos laborais que provocam a indigência social do trabalhador. Pelo sentido que estamos empregando, a proteção social, com efeito, tem como pressuposto uma relação de

trabalho ou relação empregatícia, o que deduz, em última análise, que o trabalho hu-

mano é o fato jurídico previdenciário.

É precisamente no trabalho humano, enquanto fato jurídico previdenciário, que Berbel Vilela (2004, p.118-119) relaciona o direito previdenciário com o trabalho. Observa o autor que

O direito previdenciário gira em torno do trabalho. Todos os fatos jurí- dicos previdenciários, indistintamente, mantém relação direta ou indi- reta, com o fenômeno do trabalho. Isso se dá porque o objeto da prestação previdenciária é a perda da capacidade laboral que, pela presunção normativa, leva o indivíduo à indigência e, por conseguin- te, indignidade humana. […]. A análise da filiação, da proteção, da cotização e da manutenção pressupõe a compreensão do fenômeno social do trabalho. O trabalho ao mesmo tempo em que enseja a filia- ção – fato jurídico filiatório – impõe, em certos casos, o dever de coti- zar. […] Várias são os fatos jurídicos previdenciários , todos, porém, direta ou indiretamente, vinculação com o fenômeno do trabalho, porque o direito previdenciário, forma de ação da seguridade social, tem como escopo a proteção, através da prevenção, da indigência social provocada pela perda da capacidade de trabalho.

Por outro lado, quando se trata de relação empregatícia, não há objeção quanto ao fato de que a obrigação jurídica da previdência básica para com o traba- lhador-segurado nasce com a filiação deste.

Porém, vamos além disso. Analisamos a caracterização da natureza jurídica da relação previdenciária pelo conteúdo finalístico, que tem por pressuposto a contri- buição obrigatória, a qual, antes, tem como matriz uma relação jurídica trabalhista no âmbito de um contrato de trabalho ou da relação de trabalho.

Portanto, no pressuposto geral da proteção social previdenciária encontram-se os “princípios (jurídicos)”148 que caracterizam a relação jurídica previdenciária em es- 148 Expressão usada por EROS GRAU (2008, p. 43-44; 59-65), no livre “Direito Posto e Direito Pres -

suposto”. O autor estabelece diferença entre o direito posto e o direito pressuposto. Com relação àquele, refere-se ao direito positivado emanado do Estado. “O direito que o legislador não pode criar arbitrariamente”. Nas relações sociais, localiza-se o direito pressuposto, assim ele preexiste ao direito posto. “O direito pressuposto condiciona a elaboração do direito posto (direito positivo),

pecífico. Por isso é que a relação jurídica previdenciária conexa à relação jurídica tra- balhista tem por forma de expressão (ou razão substantiva) a relação de emprego.

Desse modo, em última análise, é a relação jurídica trabalhista a modeladora da natureza da relação jurídica previdenciária ante o vínculo entre trabalhador-segu- rado e o Regime Geral – relação que não tem natureza jurídica tipicamente previden- ciária, mas, natureza jurídica trabalhista-previdenciária, por forma de expressão, o contrato de trabalho ou a relação de trabalho.

Sob um viés econômico, mas que serve bem para a perspectiva de nossa abordagem, Grau (2008a, p.61-62) explica este tipo de relação jurídica como forma de expressão um contrato,

A relação jurídica - que tem como forma de expressão o contrato - compõe o direito pressuposto e nela 'está refletida a relação econômica'; o seu contra- to 'é determinado pela própria relação econômica'. A relação jurídica, pois, já está na base econômica.

Esta acepção, ao interesse específico de nossa abordagem, feita pelo viés da relação jurídica trabalhista-previdenciária, pode ser assim adaptada e ampliada: a re- lação jurídica – que tem como forma de expressão um contrato de trabalho ou uma relação de trabalho – compõe o pressuposto do vínculo jurídico entre trabalhador-se- gurado e o Regime Geral de Previdência. Portanto, o contrato de trabalho, como espécie, ou a relação de trabalho, como gênero, são os pressupostos fáticos básicos que demarcam fática e juridicamente as relações típicas de trabalho e previdencial porque, como também observa Marly A Cardone,

O contrato de trabalho é pressuposto fático para a existência da rela- ção de previdência social (2001, p. 37). […] é o elemento a que a lei dá for- ça propulsora da relação de seguro social ou, na expressão de LIONELLO R. LEVI149

, é o fato jurídico objetivo que provoca o surgimento daquela rela - ção desde que se esteja analisando o segurado como empregado (2011, p. 42-54). (grifo nosso).

Este vínculo é determinado pela natureza da relação jurídica da trabalhista-

mas este modifica o direito pressuposto”, afirma GRAU.

149 Citado por MARLY A. CARDONE (I2011, p. 37 e 42), LIONELLO R. LEVI discorre sobre a teoria ju-

rídica da previdência social, na obra “Linee di una teoria giuridica della previdenza sociale” (Giuf- frè, Milão, 1953, 47). No que se refere às relações entre o contrato de trabalho e a previdência so - cial, o autor teoriza que a previdência social tem como pressuposto fático e jurídico o contrato de trabalho, o qual, por força de lei, faz surgir direitos e obrigações às partes previdenciárias às partes do contrato.

previdenciária. A relação jurídica trabalhista é, nesse sentido, o pressuposto da rela- ção jurídica previdenciária.

Por essa construção teórica afirma-se que o vínculo jurídico existente entre o trabalhador-segurado e o Regime Geral dá-se a partir da sua filiação compulsória e obrigatória como consequência do contrato de trabalho.

Em suma, sob esse enfoque, afirma-se que a relação jurídica de natureza trabalhista-previdenciária – no âmbito do Regime Geral ou no âmbito do Regime Privado Fechado – é típica e específica da competência da Justiça Federal do Trabalho, quando definida pela natureza da matéria, como melhor se verá mais adiante.

Por enquanto, cumpre demonstrar o direito à previdência social decorrente da relação empregatícia, pois o esteio da tese da competência jurisdicional à matéria de natureza trabalhista-previdenciária é vinculado ao direito à previdência social, quan- do este é derivado da relação de emprego.