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4. ANÁLISE DE DADOS

4.1.2. Correlatores de base verbal

Alguns correlatores espelhados (seja...seja e quer...quer) são de base verbal, pois tiveram como origem os verbos ser e querer, respectivamente. Esses correlatores, assim como os já citados, também apresentaram um traço persistente de sua palavra de origem, ou seja, preservaram características verbais que atuam no comportamento sintático e semântico dessas construções, como veremos a seguir.

4.1.2.1. As construções com seja...seja

O primeiro type espelhado de base verbal a ser analisado é o seja..seja. Esse type aparece em segundo lugar na preferência de uso entre os usuários da língua. Dos 146 types espelhados apresentados na análise de dados, 42 types foram de seja...seja.

O correlator seja...seja, de acordo com Pezzatti e Longhin-Thomazi (2008, p.898), “manifesta, na realidade, uma forma de repetição do predicado verbal, que parece estar se gramaticalizando como conjunção”. Sendo assim, as autoras afirmam que a conjunção ainda se encontra em processo de gramaticalização. Vejamos um dos tokens encontrados na análise de dados:

PRÓTASE APÓDASE

(21) O direito de ir e vir é sagrado,

seja para pobre, seja para rico, inclusive nos shoppings. Mas precisa ir em bando de 500, 1000, 2000?

Revista Veja on-line, ed. 29/01/2014, pág. 27.

No token (21), observamos que o type seja...seja estabelece a correlação alternativa entre dois termos, ou seja, correlaciona estruturas não-oracionais e apresenta a alternância típica da construção alternativa. Observamos, ainda, que o fato de seja...seja correlacionar, com maior frequência, termos não-oracionais configura- se, em nossa pesquisa, como uma característica particular desse correlator. Vejamos:

Tabela 8 - Padrão oracional de seja...seja

Padrão oracional Qnt. %

não-oracional 32 75,7%

oracional 10 24,3

Total 42 100%

A preferência de seja...seja pelas construções não-oracionais é uma constatação de que o correlator, por si só, já preserva características de seu estatuto verbal. Dos 42 tokens instanciados, 32 correlacionavam termos não-oracionais.

Alguns autores comentam sobre os resquícios verbais preservados por seja...seja. Por exemplo, Bosque y Demonte (1999, p. 2687) ressaltam a distribuição sintática diferenciada apresentada por este correlator em relação aos outros types de construção correlata alternativa, na língua espanhola. Os autores afirmaram que seja...seja coordena orações e sintagmas preposicionados, mas sua distribuição é bem mais limitada com argumentos do verbo”17. Sendo assim, apresenta a preferência por sintagmas preposicionados, como também constatamos em nossos dados.

Notamos que, das 32 construções de seja...seja não-oracionais encontradas em nossos dados, 19 eram compostas por sintagmas preposicionados, confirmando, assim, a afirmativa dos autores também com dados do português.

Os autores salientaram, ainda, que por preservar o seu caráter verbal, o correlator seja...seja bloqueia a proximidade de outros verbos, e daí a sua preferência por correlacionar termos não-oracionais. Um fator ainda mais saliente desse resquício verbal é o aparecimento, em alguns dados, do seja flexionado. Vejamos o token a seguir:

PRÓTASE APÓDASE

17 Sea...sea coordina oraciones y SSPP, pero su distrubución es bastante más limitada com argumentos

(22) Suíços fazem ótimos chocolates, fabricam esplêndidos relógios e, alpinos que são adoram

montanhas.

sejam aquelas de cumes

gelados,

sejam as nem tão

metafóricas assim, compostas de euros e

dólares convertidos em francos nativos.

Revista Veja on-line, ed. 15/05/2013, pág. 102

No token (22), o seja...seja aparece flexionado (sejam... sejam), apresentando mais um indício de que o correlator ainda preserva traços verbais, já que as conjunções tradicionalmente, por definição, não recebem o traço da flexão.

De acordo com Bechara (1999, p. 321), assim como outros autores mencionaram, isso se deve ao fato de a conjunção seja...seja não estar totalmente gramaticalizada, indicando que esse conector teria nascido do verbo ser e que ainda guardaria traços de sua origem.

A seguir, observamos outro token, apresentando o correlator seja...seja flexionado. Observemos:

PRÓTASE APÓDASE

(23) Prada tem um quarto só seu, decorado com borboletas na

parede, e adora enfeites

sejam as bijuterias da

dona,

seja sua própria

gargantilha de pérolas verdadeiras.

Revista Veja on-line, ed. 14/08/2013, pág. 97

Nesse token, observamos que apenas o primeiro correlator é flexionado, pois acompanha a flexão do sintagma da prótase (as bijuterias da dona) ao qual faz referência. O segundo correlator mantém-se em uma forma não-marcada, justamente por combinar-se com um sintagma singular.

Como citamos, as construções com seja...seja apresentam preferência por estruturas não-oracionais, no entanto, observamos, com base na tabela 7, que 9 tokens apresentaram-se em estruturas oracionais, como o exemplo seguinte. Vejamos:

(24) Muitas não acreditam que a doação possa fazer grande

diferenças

seja porque não podem

doar muito,

seja porque estão

convencidas de que os esforços para mudar as condições de vida de

outras pessoas são inúteis.

Revista Veja on-line, ed. 27/03/2013, pág. 90

Podemos observar no token (24) que o correlator seja...seja correlaciona estruturas oracionais. No entanto, observamos também que há a presença de um segundo conector (porque) logo após ambos os correlatores, acrescentando um outro matiz semântico que se adjunge à noção de alternância. A presença desse outro conector junto ao correlator pode ser observada em quase todos os tokens que se apresentam em estruturas oracionais. Dos 9 encontrados, em apenas 1 dado não foi observada a presença de um segundo conector.

Vejamos outra ocorrência de seja...seja correlacionando estruturas oracionais:

PRÓTASE APÓDASE

(25) Suas aparições públicas noticiadas pelos meios de comunicação desertavam em

mim um misto de euforia, otimismo e orgulho,

seja porque elas traziam

ínsita a certeza de boas venturanças (premiações

por trabalhos desenvolvidos, anúncios

de projetos virtuosos),

seja porque eu gostava

de vê-lo como pessoa mesmo, admirava seu semblante, sua feição.

Revista Veja on-line, ed. 12/06/2013, pág.32

Verificamos, no token (25), que os correlatores estão introduzindo duas orações causais. Sendo assim, concluímos que, nestes casos, a função da correlação alternativa oracional com seja...seja é normalmente correlacionar orações causais. Afinal, a coocorrência de porque com seja foi quase categórica.

A análise dos dados de seja...seja revelou-nos também que, em todas as ocorrências, a disjunção apresentada é inclusiva. Vejamos:

PRÓTASE APÓDASE (26) Os autômatos tomam suas próprias decisões seja em situações de policiamento

Seja em zonas de intervenção

militar.

Notamos que os autômatos tomam suas próprias decisões tanto em situações de policiamento quanto em zonas de intervenção militar. Há, portanto, uma ideia de inclusão, e não exclusão, como comumente ocorre com o correlator ou...ou. Sendo assim, a disjunção existe, mas é tipicamente inclusiva.

Alguns autores, em trabalhos anteriores, ressaltaram o caráter diferenciado apresentado pelo correlator seja...seja. Bosque y Demonte (1999), por exemplo, afirmaram que a conjunção seja...seja é diferenciada por ser compatível com a conjunção ou, mas incompatível com a conjunção ou..ou, pois apresenta a disjunção somente inclusiva, assim como constatamos em nossos dados.

A análise das sequências tipológicas demonstrou a predominância das construções com seja...seja em sequências argumentativas. Vejamos:

Tabela 9 - Sequências tipológicas das construções com seja...seja

Sequências tipológicas Qnt. %

Argumentativas 25 67,5

Expositivas 12 32,5

Total 37 100%

Observamos que, dos 37 tokens instanciados por seja...seja, 12 se apresentaram em sequências expositivas. Vejamos um exemplo deste caso:

PRÓTASE APÓDASE

(27) Depois da divulgação das investigações, que ainda devem continuar nos próximos

meses, a FIFA se viu obrigada a criar um canal exclusivo para o recebimento de

denúncias, Seja sobre violações de código de ética, Seja sobre a manipulação de resultados.

Notamos que a reportagem expõe atitudes tomadas pela Fifa para o esclarecimento de dúvidas. Assim, a sequência é expositiva. Já no token (26), observamos uma sequência argumentativa. Vejamos.

PRÓTASE APÓDASE

(28) Esse amadurecimento ao longo da vida — fortemente influenciado pela nossa Educação formal prévia — metamorfoseia-se em maior

produtividade. Eis a mágica da Educação! Visto de outra maneira, o que aprendemos na

Escola e tem uso imediato aumenta os salários, mas não tanto. Conta mais o que

aprendemos depois. Logo,

seja do ponto de

vista individual,

seja do da

empresa.

Revista Veja on-line, ed. 06/03/2013, pág. 20

Na sequência anterior, verificamos que o autor apresenta argumentos para explicitar sua opinião de que o aprendizado mais valorizado economicamente é aquele que se dá durante a vida profissional, não antes, sendo assim, estamos diante de uma sequência argumentativa.

Ressaltamos que nenhum caso de construções com seja...seja apresentou sobreposição de valores semânticos como ocorreu com as construções com ou...ou.

4.1.2.2 As construções com quer...quer

Outro correlator de base verbal encontrado nos dados foi o quer...quer. De acordo com Barreto (1999), a conjunção quer é derivada do verbo querer de 3ª pessoa do presente do indicativo que, por sua vez é “oriundo do latim quaerere, ‘buscar’, ‘aspirar’, ‘desejar’.” Ainda segundo a autora, a conjunção correlativa quer...quer originou-se a partir de um processo de recategorização: verbo > conjunção e foi acompanhada, em alguns casos, por uma mudança de conteúdo semântico, pois pode indicar, em alguns contextos, um valor concessivo-condicional como observado no exemplo seguinte:

Quer eu faça isto, quer eu faça aquilo, ela sempre reclama comigo.

No exemplo citado, Barreto (1999) demonstra que, neste caso, poderíamos facilmente substituir a conjunção quer pela conjunção condicional se. Outros autores

como Garcia (1972) também ressaltaram o caráter concessivo-condicional de quer...quer, no entanto, a autora ressalta que em outros casos a conjunção apresenta seu valor primitivo, o alternativo, e segue o valor semântico de ou...ou como no exemplo a seguir:

Quer chova quer faça sol, irei à praia.18

Em nossos dados, foram encontrados apenas 4 tokens de quer...quer, demonstrando ser este o correlator alternativo menos prototípico entre os que veiculam a noção de alternância. Em 2 tokens instanciados, o correlator quer...quer apresentou sobreposição de valores semânticos, pois além da alternância típica das construções alternativas, apresentou valores condicionais-concessivos, assim como foi observado por Garcia (1972) e Barreto (1999). Vejamos a seguir um desses tokens encontrados:

PRÓTASE APÓDASE

(29)

Não importa o destino do projeto de lei, é evidente que prostitutas,

por necessidade, gosto ou as duas coisas, continuarão a

vender seus serviços,

quer você queira, quer não.

Revista Veja on-line, ed.19/02/2014, pág. 23

Verificamos também que, apesar de o correlator quer...quer apresentar uma base verbal como seja...seja, em nenhum caso admite a flexão. De acordo com Kury (2003), isso ocorre porque, diferentemente do que acontece com seja...seja, a conjunção quer..quer já está totalmente gramaticalizada, permanecendo, assim, sempre invariável.

Em relação ao padrão oracional, observamos que os 4 tokens instanciados por quer...quer apresentaram-se em estruturas oracionais, demonstrando que ele não bloqueia a presença de outros verbos como ocorre com seja...seja. Certamente, isso

ocorre pelo fato de o correlator quer...quer não preservar mais as suas características verbais como ocorre com seja...seja, pois está totalmente invariável.

Observamos que, em todos os tokens instanciados pelo type quer...quer, a disjunção apresentada foi também inclusiva, assim como aconteceu com o type seja...seja.

PRÓTASE APÓDASE

(30) A vida pode nos passar uma bela rasteira,

quer sejamos pobres, quer tenhamos

abundância à nossa disposição.

Revista Veja on-line, ed. 04/12/2013, pág. 26

Verificamos que a vida pode nos passar uma bela rasteira tanto sendo pobre quanto sendo rico. O conteúdo da prótase, portanto, não exclui o que é afirmado na apódose.

Em relação à ordem, observamos que todas as ocorrências de quer...quer apresentaram maior possibilidade de inversão, pois a comutação não traria grande prejuízo para a primeira informação que se deseja obter. Vejamos:

PRÓTASE APÓDASE

(31) Não sei que estado de delírio (usando um termo brando) as excelências cometeram tão

vergonhoso ato,

quer votando

protegidos pelo torpe voto secreto,

quer se omitindo de

votar,

Revista Veja on-line, ed. 11/09/2013, pág 20

Verificamos que a inversão das cláusulas, que geraria a sequência quer se omitindo de votar, quer votando protegidos pelo torpe voto secreto não traz uma alteração substancial para a primeira informação.

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