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2. Enquadramento Teórico da Problemática do Estágio

2.2. Correntes teóricas de suporte à investigação

As correntes teóricas que foram usadas como suporte para a realização desta investigação podem ser divididas em duas dimensões: uma dimensão operacional (níveis de avaliação) e uma dimensão conceitual (avaliação da formação).

Em termos operacionais recorremos a dois autores com teorizações muito idênticas: Alain Meignant (2003) e Donald Kirkpatrick e Jim Kirkpatrick (2013). Contudo a teoria de Alain Meignant (2003) foca-se sobretudo na formação dentro de empresas de trabalho (formação interna) e este estudo desenvolve-se numa empresa de formação externa ao contexto de trabalho, visto isto, somente algumas ilações dele foram utilizadas.

Em termos conceituais (sustentação teórica do questionário) recorremos a Le Boterf (2001), Estevão (2001), Rocha & Silva (2015). Nestes estudos abordam-se aspetos atinentes às mudanças organizacionais e às mudanças que o indivíduo pode sentir (a nível pessoal, a nível cultural e a nível profissional) e atende-se a critérios ou aspetos que devem ser tidos em consideração quando se fala em avaliação da formação, mais especificamente em “impactos”, “transferências”, “competências”, “aprendizagens”, “conhecimentos”.

2.2.1. Os 4 níveis de avaliação

Este tópico baseou-se profundamente na obra de Donald Kirkpatrick e Jim Kirkpatrick (2013, pp. 6 - 25) e em algumas ideias de Alain Meignant (2004). Segundo estes autores existem 4 níveis de avaliação.

O nível 1 consiste em analisar o grau de reação favorável dos participantes em relação ao processo de aprendizagem, sendo esta avaliação feita imediatamente após o processo formativo

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(a quente) normalmente através de uma folha de reação (comummente chamada de avaliação da satisfação), ou através da realização de entrevistas ou de um focus group no patamar executivo.

O nível 2, denominado por Alain Meignant (2003, p. 256) como avaliação de conhecimentos pedagógicos, visa medir o grau de conhecimentos, habilidades e/ou atitudes pré- estabelecidas e que foram adquiridas. Para tal, deve ser aplicado um pré-teste e um pós-teste do evento formativo. Isto também pode ser feito através de um focus group onde o formador aborda os formandos acerca de quais as informações que os participantes se recordam melhor da formação total. Contudo devem ser medidas as aprendizagens ao longo do programa, seja através de técnicas de observação dos formandos, seja através do questionamento dos saberes adquiridos pelos alunos ao longo do evento formativo, entre outras técnicas.

Os dois níveis seguintes precisam “dar tempo” após o processo formativo de modo a poder fazer-se a avaliação. Os dois primeiros níveis são atingidos logo a seguir ao término da formação e os dois seguintes devem ser verificados passados seis meses. Segundo Meignant (2003, p. 262), devem ser aplicados num período entre “algumas semanas a seis meses após a formação”. O nível 3 pretende medir o grau da aplicação das aprendizagens no local de trabalho, isto implica diversas atitudes comportamentais tais como o desejo de mudar e a posse de conhecimentos e habilidades necessárias para que tal aconteça, aspetos estes que vão ao encontro da teorização do saber agir seguidamente abordado por Le Boterf (2001, p. 367). A motivação e a ajuda para a aplicação do conhecimento e a esperança de possíveis recompensas pela mudança, sejam estas materiais ou emocionais, são aspetos que vão ao encontro do seguidamente descrito no querer agir de Le Boterf (2001, p. 368). Este nível é rico em técnicas de recolha de dados, sendo apontada como técnica ideal a observação dos comportamentos dos indivíduos, outras técnicas prendem-se com o focus group, ou com os inquéritos por questionário ou os inquéritos por entrevista, sendo que estes devem ser aplicados ou aos formandos, ou aos superiores hierárquicos, ou aos subordinados destes quando existir esta possibilidade, ou ainda a outros colaboradores que convivam e conheçam os comportamentos normais dos formandos. Meignant (2003, p. 262) aborda mais uma técnica de recolha de dados que consiste no levantamento estatístico, seja este de acidentes de trabalho, de níveis de produção, etc.

No último nível, no nível 4, a intenção é determinar o grau de como os objetivos previamente definidos se tornaram em resultados. Para isto, propõe-se que se recolham informações métricas e informações de desempenho através da observação direta dos

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desempenhos coletivos, do desenvolvimento da adaptabilidade e da evolução da cultura da empresa (Meignant, 2003, pp. 265 - 266).

No nosso caso focamos o estudo nos níveis 3 e 4 pretendendo analisar os efeitos visíveis da formação.

2.2.2. Conceitos abordados

O inquérito elaborado assenta sobretudo em duas ideias fundamentais: mudanças aos níveis pessoal, cultural e profissional e pré-requisitos para a aplicação de conhecimentos da formação.

O primeiro tópico é referido por Carlos Estevão (2001) quando explica que a formação tem capacidade para desenvolver os sujeitos a nível pessoal, profissional e cultural, deste modo é possível estudar a mudança global do sujeito, porque nenhuma esfera do ser humano pode ser isolada, todas se influenciam mutuamente. Outras autoras que também teorizaram sobre estes conceitos foram Rocha & Silva (2015). Estas criticam a designada “formação para o trabalho” considerando que “o campo da educação de adultos em Portugal (…) valoriza mais a lógica da formação profissional para/no trabalho do que a dimensão heurística da aprendizagem ao longo da vida” (Rocha & Silva, 2015, p. 99) e que se tem “valorizado a aprendizagem ao longo da vida quando esta (re)significa trabalho, competitividade e produtividade, em suma, economia do conhecimento” (Rocha & Silva, 2015, p. 99), por outras palavras, perceciona-se que a formação em Portugal, tendo sobretudo uma expressão e utilidade para a vida profissional dos sujeitos, desprezando as vertentes social e cultural dos mesmos.

Voltando à pergunta inicial deste capítulo: porque será que só cerca de 10% das aprendizagens são transferidas? Guy Le Boterf (2001, pp. 367-368) explica que há três eixos importantes em torno dos quais gravita a aquisição e aplicação do conhecimento:

 O saber agir refere-se à formação que leva à ampliação do saber e do saber fazer, isto requer vontade para mobilizar, combinar e, posteriormente, desejo de transpor esses conhecimentos. Este ponto prevê a consolidação dos diversos patamares dos contruídos aprendidos, de modo a utilizar qualquer nível sem necessidade de aceder aos níveis mais básicos, conceito que o autor refere como “metaconhecimentos, metacognição”, através da “construção de representações operatórias, que orientarão a seleção e a combinação dos recursos a serem

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mobilizados para as competências”. De uma forma resumida, é mais do que saber os conteúdos, é interiorizá-los.

 O querer agir necessita que o sujeito possua uma representação coerente e positiva de si, pois só assim terá vontade de criar e desenvolver as suas competências e o seu percurso profissional. Após as condições intrínsecas ao sujeito estarem preenchidas, é necessário que o contexto onde este se encontra inserido seja favorável à mudança, reconhecendo o potencial do indivíduo e dando a este a confiança para agir com os seus novos conhecimentos, conhecimentos estes que envolvem risco de falhar na sua aplicação e por isso é tão importante que o contexto apoie o sujeito. O contexto também deve ser excitante de modo a que o sujeito se sinta incentivado a intervir nele. De um modo resumido, este eixo dá muita importância aos colegas do sujeito e ao resto das pessoas com que este se relaciona no quotidiano.

 O poder agir diz respeito ao contexto profissional do sujeito, isto é, se a organização onde este trabalha permite a aquisição de competências, se o sujeito está num ambiente profissional facilitador, com os meios e recursos apropriados para a aplicação dos conhecimentos. Trata-se de uma organização que ajude a transpor os saberes para o contexto real, dando-lhe poder para tal. Veja-se que “a capacidade para agir supõe a autoridade para agir”. Por último também é importante que o sujeito possua redes tanto relacionais como de informação, redes que poderão “aumentar o equipamento em recursos que o profissional pode utilizar para constituir as suas competências e o seu profissionalismo”. Em suma, neste eixo intervém os superiores hierárquicos do sujeito-ator, pois este só consegue aplicar os seus conhecimentos no ambiente profissional caso tenha possibilidade de o fazer.

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