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“HABEAS CORPUS CRIME DE DESOBEDIÊNCIA ATIPICIDADE MOTORISTA QUE SE RECUSA A ENTREGAR DOCUMENTOS À AUTORIDADE DE TRÂNSITO INFRAÇÃO

4. CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4.4 CRIMES DE CORRUPÇÃO: DOS CRIMES FUNCIONAIS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4.4.3 Corrupção passiva (art 317 do Código Penal)

O conteúdo do art. 317 do Código Penal revela a noção estrita, tradicional e limitada daquilo que se chama de corrupção. Nada mais é que a prática do agente público em solicitar, receber ou aceitar vantagem de qualquer natureza, como paga por conduta       

58  “Bem por isso, não se caracteriza o delito de concussão na conduta do mero assessor da prefeitura desapropriante, que se vale dessa qualidade para obter do expropriado determinada pecúnia, atemorizando de converter em judicial o procedimento expropriatório amigável, posto não ter agido em razão da função, revelando-se totalmente inócua a exigência, já que ao agente faltava o poder de decidir a respeito de desapropriações.” (FAZZIO JUNIOR, 2002, p.139)  

funcional indevida59. O agente público busca ou consente ser retribuído por outrem, que não o Estado, para desviar sua função, a fim de atender interesse diverso do coletivo. (FAZZIO JUNIOR, 2002, p.167)

Constitui, por sua vez, um manifesto descumprimento ao que estabelecem as regras de conduta ética destinadas aos servidores públicos civis federais, por exemplo, contidas no Decreto nº 1.171/94, o qual regula o dever fundamental de exercer a atividade administrativa sempre em prol do bem comum, sem que haja prevalência de qualquer interesse de outra natureza distinta da coletiva.

É a representação de mais uma afronta aos valores basilares da boa Administração, uma vez que o desvio de poder doloso dirigido à garantia de vantagem particular despreza por completo os deveres/poderes da competência administrativa, ao retratar uma deformação ética e, conseqüentemente, infringir a imparcialidade necessária na relação entre agente público e cidadão.

A feição corruptiva do delito do art. 317 revela-se essencialmente no abuso da função pública que foi competida ao funcionário público, de modo que a exerce irregularmente, desviando-a da sua finalidade legal, qual seja o interesse comum. É criada uma disfunção, na medida em que o ato por ele praticado, objeto do comportamento ilícito, se relaciona irremediavelmente com o exercício do seu cargo, emprego ou função. Preciosa a lição de Fazzio Junior (2002, p.171):

“Claro que a configuração do tipo não reivindica a precisão de um ato de ofício, mas apenas que o agente público recebe vantagem em razão da função; qualquer comportamento que traduza o desvio de poder pode traduzir ato de corrupção, se derivado da retribuição particular.”

Praticada a função pública, nos moldes da lei, a retribuição deve advir do Estado. Feita por particulares, perfaz-se a figura da vantagem indevida, a qual pode ser configurada como dinheiro ou qualquer outra utilidade. De fato, o que se pretende com a tipificação       

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“Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”  

dos crimes de corrupção é justamente impedir que os atos funcionais, contrários ou conforme a seus deveres, sejam objeto de uma compra e venda privada. (PAGLIARO, 2009, p.106)

4.4.4. Prevaricação (art. 319 do Código Penal)

Delito integrante do fenômeno da corrupção pública, a noção de prevaricação é manifestamente distinta dos crimes tratados até aqui, no que tange ao aspecto objetivo, de modo que não há suborno, sequer apropriação de bens públicos ou qualquer ato intimidatório. Ocorre a mera disfunção da atividade administrativa pública em prol do atendimento de um interesse ou sentimento pessoal60. (FAZZIO JUNIOR, 2002, p.197) Consiste basicamente em não exercitar o poder, quando deveria ser exercitado; ou em exercitá-lo segundo critérios diversos daqueles impostos em lei, como uma espécie de “autocorrupção própria”, uma vez que o funcionário se deixa levar por alguma vantagem indevida que pretende obter para si, violando, por isso, seus próprios deveres funcionais. (PAGLIARO, 2009, p.135)

O móvel da conduta ilícita, qual seja o desvio de poder, reside justamente no injusto subjetivo, na medida em que o agente público desgarra-se do sentido da finalidade pública para dirigir seus atos em seu benefício. Coloca, portanto, a satisfação do seu interesse ou sentimento acima do interesse coletivo.

Embora não haja o desfrute de qualquer vantagem material, a conduta descrita recebe tratamento penal, em virtude da necessária tutela à função pública, já que a regularidade da atividade administrativa revela-se incompatível com a omissão funcional, bem como com a violação expressa da lei por ato administrativo. É um delito caracterizado pela negação da função pública, pela infidelidade ao dever funcional e pela parcialidade em seu desempenho. (FAZZIO JUNIOR, 2002, p.199)

Em face da conduta vacilante do funcionário público, movido pelo sentimento íntimo, alheio ao dever de lealdade e fidelidade ao Poder Público que gravitam em torno da

      

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“Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.”  

função que exerce, busca-se a tutela do normal funcionamento da Administração Pública, no que tange à consecução dos seus fins. (PRADO, 2010, p.453)

O sujeito ativo age necessariamente de má-fé no descumprimento do dever funcional, de modo que o erro ou a negligência não integram o tipo penal. Não há que se falar em ocorrência do crime do art. 319 se ausente a intenção de satisfazer a interesse egoístico, em vez de cumprir os ditames legais que orientam a atividade administrativa. (FAZZIO JUNIOR, 2002, p.205)

Por isso, se o agente público age de forma indolente ou desleixada, sem que esteja motivado pela intenção de satisfazer seu próprio interesse ou sentimento, afasta-se qualquer possibilidade de configuração deste delito, uma vez inexistente a previsão legal da modalidade culposa, restando apenas, neste caso, uma possível sanção disciplinar. (GRECO, 2011, p.70)