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A proporcionalidade stricto sensu como proibição de excesso e insuficiência Além do seu tradicional desdobramento, através dos seus subelementos apontados em

2.2 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

2.2.3 A proporcionalidade stricto sensu como proibição de excesso e insuficiência Além do seu tradicional desdobramento, através dos seus subelementos apontados em

linhas anteriores, a proporcionalidade apresenta dupla acepção necessária à orientação e cumprimento das atividades estatais desenvolvidas, qual seja a proibição de excesso e a proibição de insuficiência.

O que se pretende, em verdade, com a manifestação da dupla face da proporcionalidade é trazer à tona a concepção sobre o papel do Estado frente à sociedade, isto é definir o alcance interpretativo dado aos dispositivos constitucionais que garantem os direitos fundamentais, ponto crucial da nova dogmática constitucional.

Embora estejam posicionadas como dimensões distintas de um mesmo princípio, isto não significa que cada uma delas exerça função contrária e concorrente em relação à outra, senão desempenham atividades complementares, conjugando esforços na consecução de um objetivo comum, qual seja a efetividade dos direitos e garantias fundamentais.

Neste primeiro momento, o trabalho se reservará ao tratamento da dupla acepção da proporcionalidade – proibição de excesso e proibição de insuficiência- apenas sob um ponto de vista amplo e genérico, destacando, especialmente, o contexto em que ambas foram desenvolvidas, suas principais características e finalidades traçadas.

Mais adiante, no capítulo seguinte, será procedido um exame mais detalhado acerca da incidência da proporcionalidade, tanto por meio dos seus subelementos quanto através da sua dupla face, no âmbito penal, tendo em vista a íntima relação que guarda a matéria com a tutela e concretização dos direitos fundamentais.

2.2.3.1 Da proibição de excesso

Abordar a proporcionalidade sob a ótica da proibição de excesso é remontar, necessariamente, aos ideais básicos do liberalismo, no qual o Estado era visto como um inimigo, um agente invasor e violador da liberdade individual, cuja atuação deveria estar pautada no abstencionismo.

Imanente à concepção clássica do garantismo negativo, a proibição de excesso tem como fundamento principal limitar o poder do Estado e maximizar a proteção das liberdades, obrigando-o a abster-se de praticar condutas aviltantes aos direitos fundamentais, aqui entendidos meramente como direitos de defesa.

Nessa vertente, a proibição de excesso vai ser encarada como uma ferramenta de extrema importância na análise de uma possível imposição de sacrifício excessivo aos direitos fundamentais, sendo ela um dos principais obstáculos às limitações de tais direitos, segundo a Teoria dos limites imanentes dos direitos fundamentais. (MENDES, 2007, p.323)

Isto quer dizer que a norma legal deve trazer em seu âmago uma intervenção de natureza proporcional frente às liberdades individuais, de modo que constatada sua ingerência excessiva na adoção de determinada medida restritiva em face da esfera de garantias fundamentais, restará eivada da mácula da inconstitucionalidade.

Quando se fala em adoção de medidas excessivas está querendo referir-se ao emprego de meios que ultrapassam o permitido, o legal, o normal. A fim de atingir-se determinado objetivo, são utilizados instrumentos desnecessários, de intensidade desmandada, através de uma conduta inicialmente justificada.

Limites são necessários para que o indivíduo atue de acordo com a ordem legal vigente a qual encontra-se submetido. Mais que isso, a proibição de excesso se destina à estruturação legal dos limites a serem impostos ao respeito entre a liberdade dos cidadãos que vivem numa mesma sociedade.

Através dessa justa proporção, na qual os meios são empregados dentro dos limites permitidos legalmente na realização de certo fim, os direitos individuais são resguardados, tendo seu exercício plenamente assegurado, objeto principal da materialização da faceta garantista negativa da proporcionalidade.

No entanto, a estrutura da regra de proporcionalidade não se esgota tão somente na perspectiva liberal, no garantismo negativo, em que são visados meios de proteção contra os excessos praticados pelo poder estatal, mas é composto também pelo viés do garantismo positivo, segundo o qual cabe ao Estado dar respostas à efetividade dos direitos fundamentais.

Em outras palavras, aos direitos fundamentais não cabe apenas a tutela do Estado, a partir de um poder limitado, contra a opressão e abusos, senão merecem ser objeto de prestação positiva face ao poder estatal, numa franca tradução daquilo que foi denominado pela doutrina alemã de “proibição de proteção deficiente”.

Demonstrada a estreita e inafastável relação entre a dupla face da regra da proporcionalidade, esta só poderá ser compreendida a partir do estudo de ambos os viés, tarefa que restará cumprida no próximo tópico.

2.2.3.2 Da proibição de insuficiência

Com a transição do Estado Liberal para o Estado Democrático de Direito, a Constituição adquiriu novos contornos, passando a ser detentora de uma força normativa de natureza dirigente, programática e compromissária, mediante a qual o processo interpretativo constitucional se voltou para sua otimização. (STRECK, 2005, p.172)

Nesse contexto, o papel do Estado não estava mais cingido ao aspecto negativo e abstencionista, ao contrário, de inimigo, o Estado passa a ser amigo dos direitos fundamentais, de modo que recai sobre seu comportamento uma feição ativa na concretização das garantias constitucionais, ligando-se à idéia do garantismo positivo. Alinhado ao dever de proteção negativa, contra os abusos cometidos pelo poder estatal e por terceiros, emerge a obrigação destinada à atividade estatal em garantir uma proteção minimamente eficaz dos direitos fundamentais, promovendo não apenas sua segurança, mas especialmente sua concretização.

O Estado, então, adota uma posição de garante frente aos cidadãos, porquanto à luz do dever de proteção dos direitos fundamentais deve observar os limites de restrição, bem como os limites suficientes à tutela de tais garantias constitucionais.

A noção do dever de proteção aos direitos fundamentais assumido pelo Estado decorre justamente do reconhecimento de uma ordem objetiva de valores em tais direitos garantidos pela Constituição, por meio da qual é exigida uma atuação positiva do poder estatal, a fim de que sejam devidamente efetivados12.

Ao afirmar que a proibição de proteção deficiente advém de uma postura ativa do Estado, quer-se dizer com isso que o controle de insuficiência deve partir das instituições que compõem o quadro estatal, seja através da elaboração de leis, da tomada de decisões judiciais, estando as atividades sempre referidas à verificação da efetividade das medidas na consecução dos direitos e garantias fundamentais que devem concretizar.

Descumprida a exigência de prestação à mínima efetividade do direito fundamental, ou seja, não tendo o Estado protegido suficientemente determinado direito fundamental, restará configurada a violação da regra da proporcionalidade sob a ótica da proteção deficiente, o que faz incidir sobre tal medida o vício da inconstitucionalidade.

Ao contrário do que ocorre com a faceta da proibição de excesso, na qual é refletida a adoção de uma providência desmedida, além dos limites justificáveis, a inconstitucionalidade por insuficiência é gerada pela deficiência do conjunto das atividades estatais estabelecidas para a realização de determinado direito fundamental. Adverte Mariana Figueiredo (2011, p.18-19) que na qualidade de vedação de insuficiência, o princípio da proporcionalidade serve à fundamentação de juízos de inconstitucionalidade dos atos que, sob o pretexto de densificarem direitos e garantias fundamentais, dão cumprimento excessivamente incompleto aos deveres de proteção, de organização e procedimento e de prestação, normativa e material, que deles provém. Portanto, compreender a regra da proporcionalidade em seu duplo viés, proibição de excesso e de vedação à proteção deficiente, é conceber uma dimensão material à Constituição, cujo objeto principal é o respeito e efetividade aos direitos fundamentais previstos ao longo do corpo constitucional.

       12

De acordo com o ensinamento de Ingo Sarlet (2005, p.185ss), os direitos fundamentais não se limitam tão somente a sua espécie negativa, enquanto direitos de defesa que reclamam por obrigações de abstenção, próprios de uma concepção subjetiva, mas assumem uma feição objetiva, por meio da qual são exigidas prestações fáticas e jurídicas.   

Feitas estas primeiras considerações acerca da estrutura e composição da proporcionalidade, passa-se ao capítulo subseqüente, no qual será abordada sua aplicação prática na seara do Direito Penal, sendo estabelecidas as possíveis relações entre seus elementos e os institutos inerentes à matéria repressiva.

3. A PROPORCIONALIDADE E O DIREITO PENAL