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“HABEAS CORPUS CRIME DE DESOBEDIÊNCIA ATIPICIDADE MOTORISTA QUE SE RECUSA A ENTREGAR DOCUMENTOS À AUTORIDADE DE TRÂNSITO INFRAÇÃO

5. A PROPORCIONALIDADE COMO FUNDAMENTO NA CORREÇÃO DAS INCONGRUÊNCIAS LEGISLATIVAS NOS CRIMES FUNCIONAIS DE

5.3 CORREÇÃO DAS INCONGRUÊNCIAS ATRAVÉS DA APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE.

5.3.1. Da proporcionalidade concreta

Superadas as considerações acerca da imperiosa utilização do juízo da proporcionalidade na elaboração da lei penal, ao criminalizar condutas e estabelecer o patamar da reprimenda reputada devida, o presente trabalho avançará à análise do emprego da proporcionalidade na atuação judicial, ao aplicar e executar as sanções criminais.

Agora, em etapa posterior, quando da aplicação da pena, por parte do julgador, o princípio da proporcionalidade, em matéria penal, continuará a desenvolver-se, na medida em que norteará seu emprego concreto, valorando e adequando as condutas criminosas à sua respectiva sanção penal, estabelecida abstratamente, em fase anterior, pelo legislador.

Distintos, portanto, seu foco e âmbito de atuação, de sorte que a exigência da proporcionalidade abstrata dirigida ao legislador se reserva à proporção da gravidade do injusto e a gravidade da pena cominada, ao passo que a exigência da proporcionalidade concreta é entendida como a necessária proporção entre a gravidade do fato84 concreto cometido e a pena aplicada ao autor, tendo como destinatário o juiz. (AGUADO CORREA, 1999, p.283)

Neste momento, a proporcionalidade de natureza concreta não mais orientará a produção dos atos legislativos, de modo que sua materialização representará especificamente um encargo do juiz. Incidirá, portanto, em fase posterior ao cometimento do crime, ou seja, quando já configurado o tipo penal previsto abstratamente.

Inelutável a presença da proporcionalidade no processo de determinação exata e definitiva da medida da pena a ser imposta ao condenado, porquanto norteará a quantificação da reação penal ao fato, donde serão amplamente valoradas todas e cada uma das circunstâncias que envolvem o caso concreto. (CUBILLOS, 2008, p.34)

Quando da aplicação da lei, por conseguinte, o magistrado irá se valer de referências concretas ao emprego da proporcionalidade, tendo em mãos dados reais para comprovar uma possível desproporção entre o fato cometido e sanção penal a ser aplicada, facilitando, assim, o controle de cada um dos requisitos do teste da proporcionalidade. (BARRANCO, 2007, p.130)

O parâmetro de valoração da proporcionalidade da pena, de acordo com o pensamento de André Copetti (2000, p.133), decorre justamente do desvalor do delito, na medida em que o controle do quantum da sanção não pode estar desligado do seu conteúdo substancial e concreto, exigindo-se, para tanto, um juízo ponderativo real entre a carga coativa da pena e o fim perseguido pela cominação penal.

      

84 Adverte, Norberto Barranco (2007, p.208): “En todo caso, lo que parece indudable es que la definición de la gravedad del hecho- en su relación com la gravedad de la pena que va a ser su consecuencia- ha de abarcar todos aquellos aspectos que ayuden a delimitar un enjuiciamiento lo más completo posible de lo que implica la idea de proporción desde la perspectiva del análisis de todos los costes y todos los benefícios que conlleva la intervención penal y debiera incluir no solo la entidad del hecho injusto, sino también la posibilidad de su consideración concretamente referida al sujeto que lo comete y a las condiciones en que se realiza y a las finalidades que la pena debe cumplir genérica y especificamente en ese supuesto.”  

Isto se dá porque a norma abstrata revela uma estrutura necessariamente incompleta, a qual necessita do processo de decisão do caso prático para completar-se. O aspecto jurídico apartado da noção concreta impossibilita a compreensão do Direito, de modo que ao juiz é exigida a emissão de um juízo real, em um caso determinado, a fim de diminuir a distância entre a universalidade da lei a concreta situação do caso particular. (MESSUTI, 2003, p.88)

Ao retirar a pena cominada do plano meramente abstrato e trazê-la para a situação real, para o caso concreto, o magistrado, na busca pela sanção justa, deverá pautar-se em critérios e parâmetros de proporcionalidade de cunho objetivo e subjetivo, a exemplo da gravidade do delito, ofensa ao bem jurídico, desvalor da ação, culpabilidade do agente, etc.

Com isso, é delineada certa margem de discricionariedade e apreciação na atuação do magistrado, quando da imposição da pena, devendo ajustar a medida exata da sanção penal a partir de um juízo sobre a gravidade do injusto e sobre o grau de culpabilidade do individuo, aplicando proporcionalmente as circunstâncias objetivas e subjetivas do delito cometido. (AGUADO CORREA, 1999, p.315)

Isto porque, como bem assevera Norberto Barranco (2007, p.221), a lei penal não prescreve, nem pode fazê-lo, uma pena absolutamente individualizada, de modo a por à disposição do Tribunal um marco penal mais ou menos amplo para cada delito, sob uma perspectiva abstrata, que haverá de ser individualizado judicialmente, a partir da valoração de todas as circunstâncias de fato e do sujeito.

Em outras palavras, a fase de determinação judicial da pena não se procede de maneira aleatória, na medida em que caberá ao juiz estabelecer uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor, estando condicionado também normativamente aos critérios orientadores de atuação previstos no diploma legal.

Com isso, pode-se dizer que a decisão sobre a proporcionalidade ou desproporcionalidade de uma intervenção exige, em muitos pontos, valorações que não são determinadas pelo próprio princípio e para as quais não se encontram à disposição critérios inequívocos, tornando sua aplicabilidade, desta forma, uma questão de plausibilidade da argumentação concreta. (NEUMANN, 2008, p.228)

Qualifica-se, portanto, o ato de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, haja vista que o julgador pode mover-se livremente dentro do marco legal previamente determinado pelo legislador para um determinado delito, desde que orientado por princípios devidamente extraídos das declarações expressas da lei, dos fins da pena partindo da função e limites do Direito Penal. (BARRANCO, 2007, p.223)

Isto é, a extensão da pena ao ser previamente estabelecida, antecipadamente registrada na lei, tem o fito de limitar a discricionariedade judicial, de modo que a liberdade de ação do julgador encontra-se moldada pelos limites da definição legal. O quantum definitivo, todavia, deve representar o resultado de uma busca material da individualização da pena in concreto, com base nas especificidades efetivamente apresentadas. (CERNICCHIARO, 2001, p.171)

“De esta forma al interior de cada grado previamente establecido, el tribunal tiene la facultad de determinar cuál es la pena exacta a aplicar, tomando en consideración, el número y entidad de las circunstancias modificatorias de responsabilidad criminal, y la gravedad del mal causado por el delito. Este proceso valorativo queda entregado al juez, quien no tiene más pautas legales de actuación en este âmbito que lãs señaladas” (CUBILLOS, 2008, p.35) Em razão da impossibilidade do legislador em estabelecer uma tipologia exata e completa de todos os acontecimentos imagináveis, se impõe ao julgador, então, um relativo arbítrio judicial, o qual deve ser caracterizado pela prudência, observância ao Direito, motivado e suscetível de controle. (BARRANCO, 2007, p.228)

Há, no entanto, quem diga que a concessão de certa margem de manobra ao julgador tem o poder de produzir resultados indesejados, como a conspurcação do princípio da igualdade, em face das grandes diferenças na determinação final da pena entre os Tribunais, o favorecimento da tendência de serem impostas as penas mínimas, a confusão valorativa, insegurança jurídica e, por fim, de converter a atividade judicial em legislativa. (ALVAREZ GARCÍA, 1999, p.2057)

Importante esclarecer, por sua vez, que não se pugna por um arbítrio judicial ilimitado, senão uma atuação limitada, orientada e harmônica, sobretudo, aos princípios e valores fundamentais constantes no ordenamento jurídico vigente, destacando a condição de homem vivo do julgador, inserido em um contexto real.

Nesse sentido, competirá aos aplicadores e intérpretes do Direito, através de um exercício de racionalidade, a função de depreender e aplicar o sentido constitucional às

normas penais, diante de um caso concreto, analisando, neste caso, a utilização da proporcionalidade ao preceito cominatório, a fim de compatibilizar a resposta estatal ao fim constitucional, próprio do Estado Democrático.

Frise-se, nos termos de Norberto Barranco (2007, p.231), que nenhum exercício de discricionariedade pode desenvolver-se livremente, ser plenamente desvinculado, com independência dos critérios que se explicitam legalmente, alheio à finalidade da norma, bem como ao respeito dos princípios que limitam – ou ao menos definem – o jus puniendi estatal no Estado social e democrático de Direito.

Nenhum exercício de discricionariedade pode estar desvinculado do respeito à regra da proporcionalidade e aos critérios que permitem afirmar a proporção da pena finalmente imposta após o processo de sua individualização, pois sobre o campo de atuação judicial haverá, sempre, um condicionamento legal, seja de índole implícita ou expressa no sistema jurídico como um todo.

Assim, quando o legislador, ao estabelecer a pena correspondente a um determinado comportamento delitivo, não observar o valor de justiça próprio de um Estado de Direito e uma atividade pública não arbitrária e respeitosa com a dignidade da pessoa humana, capaz de provocar um sacrifício desnecessário à liberdade do individuo, deverá o Tribunal afastar a incidência da norma penal sancionatória, face a conspurcação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito. (AGUADO CORREA, 1999, p.308) Juízes e Tribunais, por conseguinte, assumem um papel fulcral na busca por soluções face às incongruências existentes no ordenamento jurídico pátrio, podendo declarar a inconstitucionalidade daquelas normas que violam preceitos constitucionais como o da proporcionalidade, desde que tal atividade represente um arbítrio normativamente orientado.

O exercício da função judicial, entretanto, nem sempre ocupou uma posição de destaque na formação e adequação do sistema jurídico, uma vez que, durante um extenso período, o apego ao formalismo legal dominou o pensamento jurídico, sobrepujando, então, a atividade legislativa.

Este cenário mudou. Despido da pretensão de alocar o exercício da atividade jurisdicional em patamar superior aos demais Poderes, o tópico seguinte ressaltará especificamente os novos rumos e tendências do magistrado atual, incumbido do dever

de valorar, adequar e harmonizar as normas constantes no ordenamento, a fim de torná- lo um todo coerente aos objetivos democráticos.