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Os primeiros satélites de comunicação surgiram no início da década de 1960 como instrumentos passivos. Balões esféricos de plástico metalizado16, com diâmetro 30 −

40m, eram colocados em órbita (1000 − 2000 km de altitude) por foguetes e reetiam ondas de rádio entre continentes. Como as freqüências envolvidas eram & 1 GHz, o sinal era conduzido até o receptor através de uma antena captadora composta por um guia de onda na forma de chifre piramidal, de comprimento ∼ 6 m, com um reetor de foco na extremidade. A impedância resultante do equipamento (antena + eletrônica) 16Chamado de MPET, uma combinação de PET (sigla inglesa para tereftalato de polietileno), o mesmo polímero utilizado atualmente em garrafas, com uma deposição de alumínio em vácuo. Na forma de lme, o material é usado hoje para embalar alimentos, entre outras coisas.

era casada17 com a impedância do espaço livre a m de maximizar o ganho e atingir a

sensibilidade necessária.

Entre 1964 e 1965, calibrando um desses instrumentos, Penzias e Wilson (ref. [32]) observaram um ruído zenital efetivo de 4.08 GHz, equivalente à temperatura de antena18

(3.5 ± 1.0) K, mesmo após excluírem as fontes de interferência conhecidas. Esse efeito já havia sido detectado antes nos Laboratórios Bell, onde ambos trabalhavam. Penzias construiu uma fonte de referência para ruídos resfriada com hélio líquido e Wilson fez um circuito comparativo com grande estabilidade de modo que a medida de 3.5 K não podia mais ser desprezada como incerteza experimental (ref. [34]). Aparentemente, esse sinal residual não possuía polarização, era isotrópico e sem variações sazonais. Ao saberem de um preprint cuja hipótese era a existência de uma radiação térmica de fundo no universo, devido ao Big Bang, os pesquisadores contactaram o grupo de Dicke (ref. [35]) e todos concordaram em publicar suas notas no mesmo jornal e na mesma data, em seqüência, no ano de 1965. Dois membros do grupo de Dicke, Roll e Wilkinson (ref. [36]), realizaram a segunda medida a 9.4 GHz, implicando em (3.0 ± 0.5) K, que reforçou a natureza dessa radiação como sendo a de um corpo negro19 através da

comparação de uxos, um ano mais tarde.

Nessa época, o espectro de raios cósmicos já havia sido medido até 1 × 1020 eV,

como reportado por Linsley em 1963 (ref. [38]), e um processo dominante de degradação da energia de prótons no universo, em meio a outros processos abordados anteriormente por diversos autores, nunca havia sido considerado: a fotoprodução de píons, dada pela reação

γ + p → ∆+(1232) → p + π0 , (18)

envolvendo uma ressonância cuja energia total no sistema do centro de momento (SCM) é ECM = 1232MeV. Com poucos dados disponíveis em 1966 sobre a radiação cósmica

17Nos sistemas de radiofreqüência, o casamento entre as impedâncias do receptor, guia de onda e espaço livre minimiza a perda por reexão de parte do sinal incidente na cavidade receptora, aumen- tando a largura de banda da antena (ref. [31]). Em geral, equipamentos elétricos possuem impedância pequena, enquanto a impedância do espaço livre é Z0=pµ0/ε0≈ 377 Ω.

18Na teoria de antenas, os ruídos causados por fontes naturais ou humanas são reunidos em um único parâmetro de controle que equivale a uma potência, dada por Pr= Bk Ta, onde B é a largura da banda, ké a constante de Boltzmann e Ta é a temperatura da antena; Ta não representa, necessariamente, a natureza térmica de uma fonte ou da antena em si (ref. [33]).

19Os dados obtidos pelo satélite COBE (do inglês Cosmic Background Explorer) seguem um espectro de Planck com uma precisão notável (ref. [37]); o valor equivalente de (2.725 ± 0.002) K é considerado

de fundo, Greisen (ref. [39]) obteve, a partir da distribuição de Planck à temperatura 3K, uma energia média EγU = 7 × 10−4 eV para esses fótons no referencial do universo.

No caso da reação dada em (18), a energia de um fóton no referencial do próton seria dada pela transformação

Eγp =

E2

CM − (mpc2) 2

2mpc2 ≈ 320MeV,

ou seja, o fóton é um raio-γ (veja gura 5). No referencial do universo, a partícula ∆+

é produzida da colisão frontal entre esse fóton e um próton com energia mínima EpU = E 2 CM − (mpc2) 2 4EγU ni ≈ 2.3 × 1020 eV.

Figura 5: Seção de choque para a reação γ + p → p + π0 . No referencial do

próton, o máximo da curva ocorre para fótons com momento pγp = 320 MeV/c, onde

a seção de choque é σ∆+ = 311.1 µb. O limiar da reação ocorre em pγp = 144MeV/c.

Figura adaptada da referência [40].

No SCM, o decaimento subseqüente é descrito pelo momento total pCM = q E2 CM − (mpc2+ mπ0c2)2 ECM2 − (mpc2− mπ0c2)2  2ECM ,

EpCM0 = q

(pCMc) 2

+ (mpc2)2.

O fator de Lorentz do SCM no referencial do universo é obtido a partir das energias das partículas iniciais pela aproximação

γCM = EpU + EγU ECM ≈ EpU ECM , com o qual é realizada a transformação

EpU0 = γCME

0

pCM

para o sistema inercial das partículas geradas durante a reação. Assim, Greisen estimou uma perda de 1 − E0

pU/EpU × 100 ≈ 22% da energia inicial de um próton (& 1020eV)

a cada interação com um fóton da radiação de fundo do universo, um efeito que também foi notado por Zatsepin e Kuz'min (1966, ref. [41]) e cujos resultados semelhantes foram publicados apenas três meses depois, com uma nota de conhecimento do trabalho do autor americano.

Ao longo da propagação de um próton pela radiação cósmica de fundo, a escala de distância para perda de energia através da reação acima é

EpU ∆EpU

1 nγσ∆+

≈ 12Mpc,

um resultado que ambos os artigos trazem implícito quando se referem à escala de tempo ∼ 107 anos para a interação, muito menor do que a idade (13.69 ± 0.13) × 109 anos do

universo inferida a partir dos dados do WMAP20 (2008, ref. [42]). Sob a hipótese de

que prótons com energia & 1018 eV têm origem fora da Via Láctea, uma conseqüência

imediata do raciocínio de Greisen, Zatsepin e Kuz'min é que o espectro de raios cósmicos deve apresentar uma atenuação no uxo a partir do limiar de energia da reação21,

EpU = 5.8 × 1019eV, continuando progressivamente até a supressão do uxo em torno de EpU = 1.3 × 1020eV. Este efeito recebe o nome de corte de GZK e foram necessárias

pouco mais de quatro décadas para a obtenção de uma quantidade estatisticamente signicativa de dados de raios cósmicos para sua conrmação.

Simulações de Monte Carlo realizadas por Aharonian e Cronin (1994, ref. [43]) 20Do satélite americano Wilkinson Microwave Anisotropy Probe.

mostram que prótons com qualquer energia inicial com ordem de grandeza acima de 1020 eV têm suas energias degradadas rapidamente até . 1020 eV após percorrerem

∼ 100 Mpc imersos na radiação de fundo do universo. A perda de energia passa a ser menos acentuada a partir dessa distância, cessando aproximadamente em torno do limiar discutido acima. Assim, prótons acelerados > 1020 eV em regiões localizadas

a distâncias & 100 Mpc da Terra não contribuem para o uxo da radiação cósmica medido além da energia ∼ 6 × 1019eV. Esse comprimento é conhecido como raio GZK,

que dene o volume da esfera GZK onde possivelmente estariam localizadas as fontes dos raios cósmicos mais energéticos já detectados.

Durante o ano 2008, o grupo do experimento HiRes22 (ref. [44]) reportou a ob-

servação da supressão do uxo da radiação cósmica no intervalo (4 − 6) × 1019 eV,

conrmada em seguida pela Colaboração Auger (ref. [45]). Os resultados experimentais podem ser vistos na gura 6, na próxima seção. Apesar do corte ser observado, Greisen, Zatsepin e Kuz'min também conjecturaram que, devido às seções de choque de núcleos serem grandes nas energias em questão, a eciência da fotodesintegração resultaria na supressão total dessas partículas acima de 1019 eV.

Como mencionado na sub-seção 1.3.1, dados atuais do Observatório Auger per- mitem a comparação entre profundidades atmosféricas médias observadas em faixas de energia diferentes. Quaisquer que sejam os modelos usados em simulações para extrap- olar dados de aceleradores a m de descrever as interações hadrônicas até energias mais altas e inferir a composição química da partícula primária, as análises comparativas de hXmaxi vêm sugerindo uma incidência progressivamente maior de núcleos pesados a

partir de 1018 eV, contrário ao previsto por Greisen, Zatsepin e Kuz'min. A maneira

como a média de Xmax varia de acordo com cada faixa de energia, a partir dos dados

coletados pelos telescópios de uorescência do Observatório Auger, será apresentada na seção 2.5.