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4.3 Locais de produção e aceleração

4.3.1 Estrelas Wolf-Rayet

O espectro de composição química galáctica governado pelo PPI sugeriu que partículas primárias deveriam ter origem no material coronal de estrelas evoluídas com uma cro- mosfera fria de hidrogênio neutro, onde uma separação entre partículas neutras e íons fosse possível. Mantendo a composição química da corona, elas seriam inicialmente in- jetadas a energias ∼ MeV por atividade estelar e depois reaceleradas a energias maiores ao atravessarem ondas de choque de remanescentes de supernovas. Como Meyer et al. (1997, ref. [197]) observam, esse processo incomum de dois estágios ainda requer uma componente totalmente não relacionada, a Wolf-Rayet, para explicar o 22Ne e outros

elementos em excesso na radiação. O trabalho referido desses autores parte da idéia de que apesar de existir uma relação entre o PPI e a volatilidade/refratariedade, analisar as abundâncias relativas como função da temperatura de condensação dos elementos resulta em um espectro com separações menores, além de revelar uma eciência da aceleração proporcional a A/Q, onde A é o número de massa e Q é a carga do íon.

O fato da quantidade A/Q ser diretamente ligada à rigidez magnética sugere que a aceleração ocorre em ondas de choque e esta é a base para a criação de um modelo que explica todo o espectro químico da galáxia na segunda parte do trabalho de Ellison et al.63 (1997, ref. [199]). Elementos voláteis com mesma energia por nucleon,

presentes na fase gasosa em ambientes estelares, devem ser preferencialmente acelerados de acordo com A/Q pois partículas com rigidez grande difundem mais rapidamente na região acima do choque e, ao trocarem o sentido da velocidade, experimentam um uxo de gás (ou impulso) maior. Grãos de poeira acumulados em torno de estrelas, sujeitos à radiação ultravioleta, podem adquirir A/Q ∼ 104− 108 e ser ecientemente

acelerados por ondas de choque até energias ∼ 0.1 MeV/nucleon antes de sofrerem erosão. Elementos refratários, então liberados com energia muito acima da energia

térmica, continuam o processo de aceleração no choque e aparecem no espectro de raios cósmicos sem dependência dos seus números atômicos. Um dos objetivos centrais dos trabalhos de Drury, Ellison e Meyer é chamar a atenção para a observação experimental à luz de que a intensidade do espectro de várias espécies de partículas, criado quando elas não eram relativísticas, serão diferentes, e essa diferença persistirá até as energias mais altas obtidas.

Mecanismos de injeção e aceleração decorrentes de processos independentes po- dem existir em um único objeto se fases estelares diferentes forem consideradas. A re- manescente de supernova Cassiopéia A, por exemplo, possui lamentos de movimento lento com abundância de nitrogênio e nós rápidos enriquecidos em oxigênio, de acordo com a ruptura explosiva de um núcleo estelar quase puro em oxigênio resultante da queima de hélio. Recentemente, o telescópio espacial Spitzer foi usado para observar o eco infravermelho gerado pelo reexo da luz dessa explosão na poeira interestelar, permitindo deduzir que a estrela progenitora era uma supergigante vermelha (com pre- sença de hidrogênio) que resultou em uma Supernova Tipo II (ref. [200]). Observações fotométricas e espectrográcas de boa qualidade foram feitas pela primeira vez antes do máximo da curva de luz para a supernova (do tipo II) 1983k, localizada na galáxia NGC 4699, revelando linhas fortes de emissão de nitrogênio e hélio altamente ioniza- dos que apontam para uma estrela progenitora Wolf-Rayet ou supergigante vermelha (ref. [201]). O espectro mais incomum foi detectado de uma supernova próxima ao cen- tro da galáxia espiral NGC 4618, caracterizado pela ausência de linhas de hidrogênio e hélio e abundância de oxigênio, sódio e magnésio neutros (ref. [202]). Prantzos et al. (1986, ref. [177]) notam a semelhança entre essa observação e seus resultados de simulações, onde O, Na e Mg são os elementos com maior enriquecimento no centro e na superfície de estrelas WC no nal da queima de hélio. A luminosidade máxima dessa supernova foi estimada como muito menor do que é geralmente esperado de supernovas comuns, um efeito previsto por Schaeer, Cassé e Cahen (1987, ref. [203]) em explosões de estrelas Wolf-Rayet.

Alguns modelos mostram que raios cósmicos de energia alta podem ser produzi- dos antes da explosão, durante a fase pré-supernova, através de processos violentos que não envolvem perda adiabática. Usando o fato de que ventos estelares com velocidade ∼ 2 × 103 km/s são supersônicos64, Cassé e Paul (1980, ref. [179]) propõem que prótons

podem adquirir uma energia máxima de 1015 eV na região de choque com o meio in-

terestelar através do mecanismo de aceleração de Fermi. Biermann e Cassinelli (1993, ref. [204]) mostram que o mecanismo de dínamo age na zona convectiva do interior de estrelas com grande massa em rotação, gerando campos magnéticos ∼ 2 × 107 G

que são expostos na superfície, devido à perda de massa, durante a fase Wolf-Rayet. Processos radiativos agem sobre a atmosfera estelar causando fotoionização e impulsio- nando massas gasosas. O plasma é dirigido ao longo das linhas de campo e energia é transportada do momento angular da estrela para o gás, um efeito que intensica ainda mais o vento. Nesse ambiente, a instabilidade natural da pressão de radiação gera constantemente perturbações no vento que deformam as linhas do campo magnético congeladas no uido condutor (ref. [205]), como descrito na seção 3.4. De maneira idêntica à explicada na seção 3.9, qualquer torção de pequena escala em uma linha mag- nética passa a se propagar, longitudinalmente à direção do campo, com a velocidade de Alfvén dada pela equação 61. Partículas pré-aceleradas adquirem energias moderadas na interação com esse tipo de onda, um processo que foi estudado extensivamente por Kulsrud (ref. [96]) para o tratamento de raios cósmicos no meio interestelar; Biermann e outros (ref. [206]) passaram a aplicar a mesma teoria, com sucesso, às atmosferas de estrelas Wolf-Rayet65. Citados anteriormente, Biermann e Cassinelli armam que um

choque gerado nesse ambiente por uma explosão subseqüente, isto é, uma supernova, é capaz de gerar radiação cósmica com energia na faixa 1013− 3 × 1018 eV. Os autores

ainda estimam que uma em cada três ou cinco supernovas provêm de estrelas do tipo Wolf-Rayet.

Em 2010, Crowther et al. (ref. [207]) divulgaram a descoberta de um conjunto de estrelas, ricas em hidrogênio, com as maiores massas já observadas. Todas fazem parte do aglomerado estelar R136, localizado na Grande Nuvem de Magalhães. A estrela R136a1, em particular, é uma Wolf-Rayet do tipo WN cuja massa inicial é estimada em 320+100−40 M , sendo o valor da massa atual 265+80−35M . A análise espectral da atmosfera

dessa estrela indica um vento com velocidade terminal v∞= (2 600 ± 150) km/s, porém

nenhuma informação sobre o campo magnético associado foi publicada até o momento. As massas iniciais de todos os objetos do aglomerado R136 excedem 150 M , um valor

65No meio interestelar, raios cósmicos de baixa energia possuem um raio de Larmor muito menor do que o comprimento característico do campo magnético de grande escala da galáxia, resultando no desenvolvimento de trajetórias espiraladas ao longo das linhas. Se esse raio é da ordem da escala das irregularidades do campo, as partículas são difundidas através do espalhamento dos seus ângulos de passo. Por outro lado, nas atmosferas de estrelas com massa  M , as perturbações (e o campo) são transportadas junto ao plasma e causam a aceleração de partículas providas de carga elétrica,

tido, até então, como limite para massas estelares.

Zinnecker e Yorke (ref. [208]) apontam estrelas com grande massa como a fonte principal de elementos pesados e radiação ultra-violeta. Através da combinação de ventos, expulsão de quantidades grandes de matéria, a expansão de nuvens de HII e

explosões de supernovas, elas proporcionam uma fonte importante de mistura e tur- bulência no meio interestelar das galáxias. A combinação entre rotação diferencial e turbulência sustenta os dínamos galácticos, gerando campos magnéticos de grande es- cala. Os campos, por sua vez, interagem com as ondas de choque das supernovas, acelerando raios cósmicos. A difusão dos movimentos turbulentos e as radiações cós- mica e ultra-violeta são as fontes principais de aquecimento do meio interestelar. Em contrapartida, elementos químicos pesados na forma de poeira, moléculas e átomos/íons causam o resfriamento desse meio. Estrelas com grande massa, portanto, afetam pro- fundamente os processos de formação estelar e planetária, assim como as estruturas física, química e morfológica das galáxias.