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2 TERRITÓRIOS DA AMBIGUIDADE, PAISAGENS DA LIBERDADE

3.3 Cortejando o herói, vestindo a guerreira

Entre os artífices da construção da memória de João Pessoa está Ademar Vidal, com seu livro João Pessoa e a Revolução de 30, lançado em 1978, como uma síntese do Incrível

João Pessoa (1930), Do Grande Presidente (1931) e 1930: História de João Pessoa e da Re- volução na Paraíba (1933). Tendo sido secretário no governo deste, Vidal confere a sua obra

uma aura testemunhal, perpetuada pelos que até hoje são devotos da imagem do ex-presidente de Estado.194 Procura então fazer uma biografia do governante, do nascimento e infância po- bre à ascensão social e política, recorrendo às suas lembranças, depoimentos de contemporâ- neos, imprensa e documentos oficiais.

Logo no início do livro é com o corpo de João Pessoa que nos deparamos, num “retra- to” narrado que remete a uma das últimas imagens registradas do presidente, quando este po- sou para uma fotografia no Recife, momentos antes do seu assassinato.

Fisicamente era João Pessoa de média estatura — porte marcial num metro e sessenta e cinco, o busto bem plantado. Andando ou de pé, conservava de ordinário as mãos para trás. Atraía a atenção pela simplicidade e pela energia ríspida: expressão de força e finura ao mesmo tempo. Olhos escuros e fisca- lizadores, viam tudo de uma vez. Boca bem rasgada. Moreno e sanguíneo. Bigodes aparados. Fronte alta. Cabelos grisalhos, repartidos à esquerda e com uma trunfa petulante. Qualquer coisa indicando rebeldia.195

Vidal não apenas descreve a fisionomia de João Pessoa, mas vai agregando a esta va- lores, significando os traços, fazendo o corpo “falar” (ver anexo F). Dizer, por exemplo, de uma postura militarizada, “marcial” e fiscalizadora. Uma imagem austera, que parece alinha- da, retilínea, mas que não deixa de possuir seu lado fugidio, rebelde. E segue dando conota- ções ao comportamento do governante, jogando com nuances psicológicas, que muito ressoa- ram na imagem que dele se cristalizou.

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Ademar Vidal (1900-1986), advogado, assumiu as pastas de Justiça e Segurança no mandato de João Pessoa, num desdobramento da secretaria a cargo de José Américo- este ficando a cargo do interior do estado. Também homem de letras, fundou a revista A Novela, considerada uma precursora do movimento modernista no Nordeste, além de inúmeras participações na imprensa nacional e internacional. Publicou muitos livros, entre ficção e me- mórias, destacando-se os relacionados às personalidades envolvidas com os acontecimentos de 1930.

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VIDAL, Ademar. João Pessoa e a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Graal, 1978. (Coleção Depoimentos). p. 11.

Adiante, por exemplo, como que, querendo desassociar o militar do belicoso, esvaecer nele os traços da rigidez e acender certa aura que nomeia de “romântica”, narra o seu compor- tamento quando caçava em Umbuzeiro, junto com um velho amigo. Embora demonstrasse muito interesse pela caça, nunca acertava um só animal, sempre usando artimanhas para es- pantá-los frente ao alvo do amigo — fazendo barulho, esvaziando os rifles ou ainda tomando a frente e disparando na direção errada. O companheiro, contrariado, reclamava: — “Qual, doutor, assim é impossível se caçar. Desde que caçamos juntos não matamos sequer uma la- gartixa”. 196

Esse tom do homem manso, “romântico”, aparece nomeado em outras passagens, na medida em que Vidal narra os primeiros feitos de João Pessoa, querendo ainda dar a noção de como este foi se imbuindo do “espírito” de homem público, de administrador sagaz, fazendo “uma revolução branca e azul nos fundamentos sociais e políticos do Estado”. Assim, con- quistando sabiamente a confiança de “inimigos das primeiras horas”, que depois teriam se tornado os “amigos mais exaltados”, desagradando “só os negociantes de Pernambuco, que viram seus supostos direitos frustrados por decisão judiciária unânime do Supremo Tribunal Federal”.197

E continua destacando o quanto de dedicação ele fora capaz, trazendo as marcas de um sofrimento que o acompanhava desde a infância, vindo “do berço marcado para a dor que ele sabia disfarçar com um pouco de alegria no coração”. Ressaltar esta vida marcada pela dor torna-se uma importante estratégia discursiva que liga o destino de João Pessoa ao da Paraíba, dando ao governante o poder de despertar numa nova época a “rebeldia adormecida” que seria uma marca histórica da região:

Estudando-se a história da Paraíba logo aparece a coerência de um traço mís- tico a marcar os movimentos de feição social e política que já agitaram a sua existência cheia de cruéis atribulações. Desde a Guerra Holandesa até os dias contemporâneos esse fator mostra a influência decisiva que há tido no desfe- cho dos fatos bem como nas conseqüências advindas, sem quase surpresa pa- ra a organização de um povo afeito à dor e à honra. Daí a resistência de uma fibra amalgamada no sofrer que tanto espanto vem despertando através de excepcionais episódios históricos. O misticismo sociológico imprimiu farta- mente um sabor sublime às irrefreadas manifestações de independência. João Pessoa foi o arauto; foi centralizador: foi quem proporcionou quente anima- ção às aspirações diversas. Auscultou a rua. Procurou o contato direto e vi- veu a consolação incomparável de compreender e satisfazer. Resultado lógi- co: tornou-se ídolo, interpretando fielmente e admiravelmente os anseios da raça cristalizados nos tempos. Com o “Nego” irrevogável, sem meios ter- mos, sem contemplações, destacando-se a Paraíba no deserto do Norte, João

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Ibidem, p. 23. 197

Pessoa é aquele determinismo da ancestralidade, fazendo explodir na alma da sua gente um feixe de rebeldias apenas adormecidas. E conquistou pri- meiramente o povo para conseqüentemente conquistar o poder moral. 198

Então a dor, o combate freqüente, teria tecido a fibra de resistência da Paraíba. E, nos momentos em que estes elementos se intensificavam, sendo postos à prova, um elemento mís- tico, contudo “coerente”, ou seja, justificável ante tantos desafios e agruras, emergia.

Também por causa desse sofrimento experimentado com as cruentas batalhas, o “espí- rito combativo” da Paraíba se reconhecia facilmente na resistência e nas experiências doloro- sas de João Pessoa. Mais até, este vem “acordar” tal espírito, renovar as forças da “ancestrali- dade”, para que o destino histórico se cumpra. Tão forte soa esta convergência, que de novo o “traço místico” se estabelece, aparecendo para explicar o fervor, a devoção que, paradoxal- mente, Vidal vê transformar-se num “resultado lógico”: o fazer-se do ídolo.

Contudo, abrindo as linhas que delineiam este “traço místico”, deparo-me com outras questões que possibilitam pensar esta espécie de “carisma” descrita pelos memorialistas, que se traduziam na força impressa na imagem do chefe político, mais ainda após sua morte, perfi- lando-o no arquétipo do herói, másculo e potente. Ora, na aproximação construída entre a terra e seu líder, as raízes sertanejas também são evocadas. Logo nos deparamos com muitos dos elementos que funcionavam também na corporeidade de José Pereira, porém alcançando outro efeito.

Pela dissociação com o cangaço e mesmo por se estabelecer como seu algoz, pela sua postura “marcial”, emitindo signos másculos, mas que se flexibilizavam ante as cores humani- tárias, românticas até, João Pessoa aparece, como que, representando o protótipo de uma nova masculinidade, frente a uma crise experimentada não apenas na Paraíba. Mas qual protótipo?

O estudo de Elizabeth Badinter sobre a construção da identidade masculina no Ociden- te contemporâneo localiza que entre o final do século XIX e as três primeiras décadas do sé- culo XX, a figura emblemática do cowboy nos Estados Unidos, como “homem viril por exce- lência”, emerge como reação a uma crise no modelo de masculinidade. Este, mais identificado com um mundo predominantemente rural, com a consolidação dos ideais burgueses teria fica- do ameaçado ante uma “feminização” da sociedade, sobretudo identificada como uma “euro- peização da mulher americana”, que passara a ser sinônimo de efeminação da cultura e, por- tanto, dos homens americanos. Uma espécie de reação contra-moderna reelabora tal modelo,

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como uma reserva de virilidade e de tradição.199

Durval Muniz de Albuquerque Junior, por sua vez, percebe a correlação entre o que analisa Badinter e a construção da identidade do nordestino no Brasil. Os anos 1920 muito acentuarão a imagem desta sociedade que tem seu caráter másculo ameaçado pelas transfor- mações decorrentes da implantação de uma sociedade capitalista e burguesa. Não à toa, torna- se comum o uso das figuras de gênero para falar desta crise, que no Nordeste se mostrará mui- to sensível:

Esta região é vista como a estar se feminizando, tornando-se passiva, preci- sando, pois, de um novo homem que significasse uma reação viril a esse processo de horizontalização e declínio, que se anunciava mortal para uma elite agrária tradicional que a dominara até então. Se nos Estados Unidos fo- ram buscar, no vaqueiro americano, no desbravador do Oeste essa reação vi- ril ao mundo que se feminizava, aqui será o sertanejo a base de criação do nordestino, este homem de novo tipo, pois militante pelos interesses de sua região, ou seja, pelos interesses de suas elites. 200

Mas aqui também se dá um corte que não permite a identificação total da imagem de João Pessoa com esta reação. Que ele corresponde a ela, creio não haver dúvidas, mas há algo mais em movimento, que produz algumas fissuras importantes, fazendo a diferença entre os signos emitidos por ele e pelo coronel José Pereira, também representante deste modelo. É como aquele “topete” em sua fronte, de que nos fala Ademar Vidal — o seu desalinho, embo- ra seja contraditoriamente por onde ele mais se alinhe com os signos de um “novo tempo”.

Há que se lembrar que, embora favorecido pelas relações familiares, João Pessoa viera de uma origem economicamente inferior, e isto o favoreceria na associação com o sertanejo que supera as agruras e que, como já lembramos em José Américo, adapta-se rápido às novas situações, também aprendendo rápido. Estudara por pouco tempo na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, ainda muito jovem. Em Recife, na Faculdade de Direito. Parte numa rede familiar, e de sociabilidade de notável influência política no país, ele iniciou uma ascendente carreira na justiça militar, que culminou com o exercício do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Militar, de 1920 a 1928, ano em que foi eleito presidente da Paraíba, aten- dendo à indicação e convite de seu tio e benemérito, Epitácio Pessoa.

No seu discurso de posse como presidente de Estado, coloca em cena um embate entre o Nordeste e o resto do país, criticando as soluções que lhe pareciam pouco apropriadas a re-

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BADINTER, Elisabeth. XY: Sobre a Identidade Masculina. Tradução Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1993. p. 11-22 passim.

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ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Nordestino: Uma invenção do falo – Uma história do gênero mas- culino (Nordeste – 1920/1940). Maceió: Edições Catavento, 2003. p. 232.

solver os problemas dos nordestinos, sobretudo no que dizia respeito a seca. É uma fala mar- cada pelo contraponto entre o Nordeste e as demais regiões, defendendo, por exemplo, “que o Nordeste possui a maior área aproveitável do mundo para a cultura de algodão; esquecem-se de que nele se colhe o algodão que alimenta os milhões de fusos das fábricas brasileiras” e, concordando com o discurso anteriormente proferido por José Américo, deduz que o Brasil não conhece o Nordeste, “irmãos criados separados nunca se querem fraternalmente”.201

Atrelado a esta idéia que conjuga um embate e um ressentimento, ele segue nomeando o que considera os principais problemas da Paraíba, mas destaca o que chama de “a ordem pública” e aí tece suas intenções de não “dar tréguas” ao cangaço, independente de onde este- ja e de quem seja o seu “homiziador”. Esta ordem, entretanto, deveria também atingir a má- quina de Estado, freando a vitaliciedade nas funções públicas, procurando conter o que chama de “profissionalismo político”. Fala ainda da reforma da legislação eleitoral, colocando-se a favor do voto secreto, mas lembrando que por si só ele não seria o “elixir infalível, capaz de curar todas as moléstias do nosso organismo político”, o que o faz acreditar que a ele deve anteceder o voto consciente e obrigatório, o que só seria possível com a instrução e o discer- nimento dos eleitores, sabendo todos “realmente ler e escrever”.

Após falar do valor da democracia e da consciência política, João Pessoa lamenta que tenha desaparecido o único jornal de oposição que ali existia, pois defende que um órgão as- sim bem orientado tem a função de ser um “útil fiscal”, um colaborador. Por fim, declara que “o palácio do governo é a casa do povo” e pede ajuda a este para governar: “colaborai comi- go, meus conterrâneos. Se acertar, encorajai-me; se errar, criticai-me, mas não insulteis, para que a crítica não perca seu valor corretivo. Criticai-me e ajudai-me para eu não errar de novo. É assim que vos desejo, é assim que vos quero, povo da minha terra”.202

Um discurso que produz impacto, sem dúvidas. A imagem do defensor da terra, das raízes, está lá, na defesa do Nordeste. Mas ele não se coloca disposto a preservar certos ele- mentos da tradição, como a ação dos “homiziadores”, ou a vitaliciedade de cargos políticos. E há ainda todos aqueles signos que o perfilam num território do demos — para o povo, com o povo. Um tom de humildade, de despretensão e, ao mesmo tempo, anunciando tantas “novas” intenções, sem demonstrar receio das críticas. Um discurso pela centralização, ordem e disci- plina que soa, entretanto, rebelde. Isto, em vista de um momento marcado por poderes parti- cularistas dispersos, indisciplinados perante os ordenamentos legais do Estado, mas também,

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Discurso de posse de João Pessoa reproduzido em VIDAL, Ademar. João Pessoa e a Revolução de 30. Rio de Janeiro: Graal, 1978. (Coleção Depoimentos). p. 26-30; e em AGUIAR, Wellington. João Pessoa, o refor-

mador. João Pessoa, Idéia, 2005. p. 38-43.

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não esqueçamos, ameaçados por valores considerados “modernos”, que não podiam ser des- prezados, mas que deveriam ser rigorosamente controlados. 203

O escritor Humberto de Campos, à época deputado federal pelo Maranhão, tendo apor- tado em Cabedelo um dia após a posse de João Pessoa, narra suas impressões sobre o impacto daquele discurso em seu livro Um sonho de pobre, a partir do que ouvira dos comerciantes da capital e autoridades que vinham a bordo do navio em que ele se encontrava:

E os informantes adiantavam: — o efeito foi enorme. É costume dos deputa- dos estaduais depois da posse do presidente, irem se despedir dele antes de partir para as comarcas. Pois desta vez ninguém foi ao palácio. O pessoal do sertão, mal acabou a posse, montou a cavalo ou tomou a estrada de ferro, e rumou para as suas fazendas e municípios, sem despedida e sem nada. E numa frase ilustrativa: — voltou tudo para casa de orelha murcha e rabo en- tre as pernas. Essas informações ouvímo-las eu, o comandante do Pedro I e creio, o senador Silvério Néri, meu companheiro de viagem. E acredito que não houve um só, que não dissesse consigo mesmo: — Isso não acabará bem! 204

A fissura se evidencia a ponto de inspirar um mau prenúncio. O que justamente possi- bilita pensar que aí se moviam imagens distintas para o “novo tipo” de homem, que calcado nas bases sertanejas, governasse. Ora, há outra elite em franca ascensão, que embora sem des- vincular-se da produção agrícola e das relações sócio-econômico tradicionais, necessitava atualizar seus códigos para acompanhar as mudanças exigidas pela dinâmica do capital, da expansão comercial e industrial, com que se deparava todo o país e do qual se ressentia o Nordeste, como soou no discurso do presidente. Este, em sua fala, amalgama estes interesses, procura não apenas indicar, mas ser ele uma síntese, uma convergência destes.

Só para enfatizar, não vejo se tratar de um projeto político que se possa considerar revolucionário, ao qual corresponderia uma significativa transformação de um modelo de masculinidade. Este, como demonstrado, continua sendo forjado nas mesmas bases que possi- bilitaram inscrever José Pereira num lugar de idealização, mas alcança outra dimensão ao instaurar a sertanidade noutro espaço, no coração da urbs, no litoral — o que permite ver, neste jogo, a metáfora de “o sertão virando mar”.

Assim, João Pessoa ganha visibilidade como o protótipo do sertanejo modernizado. Suas ações são reformadoras, justificadas em nome da ordem, da disciplina e do progresso

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No seu extenso trabalho sobre política e parentela na Paraíba, Linda Lewin diz que “se fizermos vista grossa a identidade política de João Pessoa como um oligarca familiar [...] é possível avaliar os seus 21 meses no cargo como correspondendo a uma fase “proto-populista” na periodização histórica da Paraíba”, tendo introduzido aí uma retórica nova e uma estratégia de mobilização política importante na definição de outros rumos para a polí- tica local. LEWIN, Linda. Política e Parentela na Paraíba: um estudo de caso da oligarquia de base familiar. Tradução André Villalobos. Rio de Janeiro: Record,1993. p. 329.

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para a Paraíba. Pontes, praças, estradas, porto... o Estado, mais particularmente a Capital, ex- perimentam a intensificação desta modelagem urbanizadora.

Lembrando que o sentido de honra, inclusive, passava então a ser agenciado também pelas práticas eugenistas, higienizadoras, que evidenciaram nas três primeiras décadas do sé- culo XX um esforço pela disciplina, ordenamento e embelezamento das grandes cidades bra- sileiras, como forma também de definir os espaços sociais, assim garantindo mais proteção às famílias de elite — o que se perceberá nas preocupações de João Pessoa, certamente influen- ciado pelas viagens à Europa e pelos tantos anos vividos no Rio de Janeiro, cidade onde esses traços se sobressaíam. 205

Pensemos também em como é rico para ilustrar esta imagem de um “novo estadista” aquela passagem da caçada com que nos brinda Ademar Vidal: um homem que gosta de ca- çar, que sabe carregar um rifle, mas que faz desta um outro jogo de estratégia, que não culmi- na com a morte da caça, mas com a observação do alvo, com o drible. É um militar em sua corporeidade, mas um militar-burocrata, que tem na escrita, nas operações contábeis e articu- lações, seu “poder de fogo”. Executivo, não executor. Imagem que mistura austeridade a uma aura romântica, que por sua vez produz uma empatia com o povo e, de modo particular e cu- rioso, com as mulheres.

Aliás, faz-se necessário demarcar que é em torno da imagem dele, inclusive como par- te da sua construção, que se legitima uma presença feminina em passeatas e homenagens, o que muito concorrerá para esta simbiose lembrada pelo baião de uma “Paraíba masculina, mulher-macho, sim senhor!”.

Joaquim Inojosa, por exemplo, ao tocar também no “traço místico” que envolveria aqueles acontecimentos, recorre aos versos de um trovador da época, o cearence Lobo Manso, que teria assim representado a “febre” que tomava conta da população no confronto entre os seus ídolos, em especial manifestada pelas mulheres:

O povo da Paraíba

E do Rio Grande do Norte Até muitos cearences Nasceram com esta sorte: De crerem no fanatismo Inda lhe custando a morte.

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Sobre como a família e a honra cartografam o cenário da belle époque, em especial “a construção da Cidade Maravilhosa”, ver CAULFIELD , Sueann. Em Defesa da Honra: Moralidade, Modernidade e Nação no Rio de Janeiro. (1918-1940). Tradução Elizabeth de Avelar S. Martins. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2000. p. 109-146.

Enquanto a valente mulher da capital paraibana, fanatizada por João Pessoa, repetia, na voz do trovador:

Paraíba não se rende Porque seu povo não quer Quando não houver mais homem Quem vai brigar é mulher.206

É possível argumentar que a inspiração para tal imagem facilmente se recolhia nas ruas da capital, nos momentos mais tensos dos embates contra os adversários e, principalmen- te, a partir do confronto mais direto estabelecido com a Presidência da República, quando da recusa em apoiar o candidato à sucessão de Washington Luís, Júlio Prestes. O emblemático “Nego”, expressão que se consagra a partir do “veto” telegrafado ao Catete, veio firmá-lo