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Cotidiano de trabalho

No documento 'Sexo, drogas e rock n' roll' ? (páginas 49-55)

4.2 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO

4.2.1 Cotidiano de trabalho

Para a apresentação e análise dos dados concernentes ao cotidiano de trabalho dos músicos da banda Resistência, foram estabelecidas três categorias e oito subcategorias, apresentadas no Quadro 3.

Categorias Subcategorias Falas dos participantes Frequência

Realização de trabalhos paralelos ao trabalho autoral

“Hoje em dia eu tenho feito bastante trampo fora da banda, mas também com música, tocando sozinho, tocando com duo, com trio.” (Lula)

5

Semanal “Ah é muito difícil de dizer [...] porque tudo depende daquilo que a gente tá fazendo. [...] Quando a gente tá em tempo de pré-

produção de disco ou tá em

gravação a gente não tem horário.” (Lula)

5 Horário de

trabalho

Em dia de show “[...] a gente sai daqui oito horas da manhã de sexta-feira e volta meio dia de domingo [quando tem shows em outras cidades]. [...] desde a hora que eu saí de casa eu tô trabalhando.” (Patrick)

Categorias Subcategorias Falas dos participantes Frequência

Reuniões semanais

“[...] a gente se reúne toda segunda-feira a tarde, faz uma reunião que é a tarde inteira [...] quando são decididas algumas coisas [...]” (Lula)

5

Ensaios semanais

“A gente tem ensaio quarta-feira e quinta-feira geralmente [...], das duas às seis. [...] o show tem que tá bem ensaiado, pra tu olhar assim e a parada ficar bem bonita.” (Patrick)

5

Composição “Eu acho que a música mais verdadeira fica é quando ela é sincera, quando tu... primeiro quando tu vive ela, que é uma coisa que aconteceu contigo, ou aconteceu com alguma pessoa, um fato que tu viu, a televisão, por incrível que pareça, me dá

inspiração! Eu vejo um fato ali assim, meu Deus do céu, eu não acredito cara! [...], dai eu boto no papel, saca. [...] Essas coisas são assim, quando têm uma verdade ficam eternas.” (Bob)

5

Produção e gravação de disco

“[...] antigamente uma gravadora ia lá e gravava o teu disco e agora tu tem que gravar. [...] Antigamente o disco era um produto, hoje o disco é só um cartão né.” (Lula) 5 Atividades cotidianas referentes ao trabalho na banda

Shows “Tem show na tua cidade né e tem show fora. Chega no local do show [outra cidade], daí tem as coisas de hotel, passa o som e volta pro hotel, janta e vai tocar. Geralmente é essa rotina que tem.” (Bob)

Categorias Subcategorias Falas dos participantes Frequência Atividades cotidianas referentes ao trabalho na banda Funções administrativas

“[...] pelo fato de ser uma banda autoral, e de a gente constituir uma empresa, a banda agora a gente tem como uma empresa de produção musical, então, eu fazendo parte dessa empresa, acabei assumindo outras funções, mas assim às vezes não são funções fixas.” (Eugene)

5

Quadro 3 – Características do cotidiano de trabalho dos participantes. Fonte: Elaboração da autora, 2010.

A profissão de músico tem particularidades que a diferencia de outras profissões, porém, no atual contexto laboral, ela também acaba se submetendo ao “padrão” de flexibilidade impetrado aos trabalhadores, cabendo ao músico “[...] tornar-se plural em suas atividades [...]” (SOUZA 2008 apud SUGIMOTO, 2008, p. 12), com a finalidade de obter um incremento nos rendimentos mensais e melhor se inserir no mercado de trabalho. Os músicos investigados encontraram na realização

de trabalhos paralelos ao trabalho autoral, uma forma de “[...] desafogar um pouco a banda da responsabilidade de manter todo mundo [...]”, até porque a

Resistência nem sempre é a “[...] fonte de renda principal, mas é o projeto principal

[...]”, como exposto por Lula. Maheirie (2001, p. 80) afirma que “[...] se, por acaso, o

músico ou a banda, não se constitui como ‘estrela do mercado pop’, o produto de seu trabalho ou sua mão de obra, não valem o mínimo para sobreviverem sem outra forma de renda.” Neste sentido, os participantes realizam outras atividades paralelas à banda, mas relacionadas com a música, seja em trabalhos cover, “[...] tocando

sozinho, tocando com duo, com trio [...]”, como dito por Lula, ou como sideman11 de outros artistas, no caso de Bob e Patrick, ou ministrando aulas particulares de música, como fazem Eugene e Gary, entre outras atividades que abarcam o leque de possibilidades de trabalho na música. Ao final, sua renda mensal acaba sendo o somatório de todos os trabalhos realizados, não dependendo economicamente de um único projeto.

Em se tratando do trabalho autoral e do cover realizado, foi possível perceber que há diferença entre eles, de acordo com os relatos dos músicos e pelos

dados coletados por meio de observação não participante em um show do trio cover formado Lula, Bob e Patrick. No trabalho cover, os músicos são responsáveis pela montagem do equipamento e preparação do repertório que seja condizente com as expectativas do público, tocam por um período de aproximadamente quatro horas, com dois intervalos, e recebem, dependendo do contratante, cachê fixo ou percentual do couvert artístico cobrado pelo local onde se apresentam. No trabalho autoral, a estrutura do show é mais complexa, envolvendo outras pessoas na preparação do espetáculo, além de que, segundo Lula, “[...] as pessoas vão no show

pra curtir o artista [...]”, vão porque se identificam com a banda e suas composições,

diferente do cover, que seria entretenimento para o público que frequenta uma casa noturna. Em suma, o trabalho cover representa para eles, o “[...] ganhar dinheiro

[...]”, como dito por Lula, e o autoral, o “[...] momento fantástico [...]” da profissão,

nas palavras de Gary.

A flexibilidade das atividades realizadas pelo músico acaba por estabelecer que seu horário de trabalho não seja fixo, o que pode torná-lo cansativo e “[...] mais difícil [...]”, como relatou Patrick. O horário de trabalho dos participantes pode ser dividido em semanal e em dia de show. O semanal refere- se ao tempo dedicado às atividades cotidianas da banda e aos trabalhos paralelos, sendo assim, é “[...] dependente da demanda [...]”, como afirmou Eugene. O tempo de trabalho em dia de show, que pode ser local ou em outra cidade, não se restringe somente ao momento da performance, como afirmado por Patrick ao ponderar que “[...] desde a hora que eu saí de casa eu tô trabalhando [...]”. Porém, no discurso do senso comum, tornou-se habitual que seja dito que o trabalho do músico limita-se à apresentação, o que, segundo Requião (2008), acaba encobrindo a complexidade do seu processo de execução.

No que se refere ao show em outra cidade, de acordo com o relato dos participantes, este demanda um tempo maior de trabalho e é cansativo, visto que envolve viagem, além das outras atividades inerentes à apresentação. Entretanto, o fato de viajar proporciona um momento de integração para a banda, pois segundo Bob, “[...] cada um tem a sua vida, então quando a gente tá viajando a gente tá junto

ali, tá todo mundo junto, as ideias tão ali, e é muito legal, é bom isso [...]”. Quanto ao

show local, para Lula, a “[...] função é mais fácil, porque a gente meio que combina

um horário, dependendo do horário a gente vai, passa o som e volta pra casa ou então fica na casa de alguém todo mundo [...]”.

Analisando o tempo destinado ao trabalho pelos participantes, é possível perceber que, por não terem um horário fixo, este pode vir a invadir suas vidas particulares. Nos seus períodos “livres”, em que não estariam envolvidos com as atividades da banda, os músicos realizam os outros trabalhos musicais que complementam suas rendas mensais, o que faz com que seu dia seja “[...] 24 horas

de música [...]”, como disse Bob.

Em relação às atividades cotidianas referentes ao trabalho na banda, estas foram divididas em seis subcategorias, que caracterizam a rotina de trabalho, assim citadas: reuniões semanais; ensaios semanais; composição; produção e gravação de discos; shows; e funções administrativas.

As reuniões semanais são necessárias para o adequado andamento de uma banda, e, para Martins (2004), estas devem acontecer em dia diferente do determinado para o ensaio, o que é feito pela Resistência, que se reúne às segundas-feiras, “[...] quando são decididas algumas coisas [...]”, como disse Lula. Para o autor, o intuito das reuniões seria de reforçar informações, discutir possíveis problemas e dificuldades referentes à banda, e planejar objetivos futuros.

Os ensaios semanais, são indispensáveis pois, de acordo com Patrick, “[...] o show tem que tá bem ensaiado, pra tu olhar assim e a parada ficar bem

bonita.” Estes são fundamentais tanto para o exercício do instrumento e produção da

apresentação musical, quanto para o entrosamento dos integrantes, e acontecem uma ou duas vezes na semana, “[...] dependendo do show [...]”, como relatou Lula, no estúdio da banda.

Em se tratando de uma banda autoral, a composição faz parte das atividades de trabalho dos participantes, sendo que, na Resistência, todos contribuem com as letras e arranjos. Conforme Eugene, o “[...] exercício de

composição [...] envolve desde o conhecimento musical que tu tem de repertório, às vezes de acorde, de produções de acorde, de ideias musicais que são exploradas no momento que você tá compondo uma música.” Para Bob, que é o responsável

por grande parte das letras, são fontes de influência para a composição, “[...] uma

coisa que aconteceu contigo, ou aconteceu com alguma pessoa, um fato que tu viu [...]”, entre outros acontecimentos cotidianos. Os relatos dos participantes, no que

diz respeito ao processo de criação no fazer musical, vão ao encontro com a afirmação de Maheirie (2003, p. 147) de que este “[...] deve ser compreendido sempre como um produto histórico-social, completamente inserido no contexto no

qual se dá.” Para a autora, na prática da composição, o compositor resgata seus conhecimentos técnicos ao mesmo tempo em que reorganiza seus sentimentos e emoções.

Sobre a produção e gravação de disco, Lula afirma que “[...] antigamente uma gravadora ia lá e gravava o teu disco e agora tu tem que gravar [...]”, referindo que, na atualidade, esta responsabilidade passa a ser da banda, cabendo à gravadora, se o artista for por ela contratado, a difusão e distribuição do produto no mercado. Caso o artista seja independente12, Salazar (2009) e Martins

(2004) sugerem que a divulgação e a venda de discos seja feita no próprio show. Ainda sobre o disco, Lula fez uma constatação que pode demonstrar uma outra mudança no mercado fonográfico, ao referir que o disco deixou de ser um “produto” e passou a ser um “cartão”, no sentido de que sua finalidade passou a ser a de mostrar o trabalho da banda e não mais de gerar lucro com sua venda. Apesar disso, segundo Requião (2008, p. 157-158), ter o trabalho registrado em um disco “[...] ainda é um importante fator legitimador da atividade profissional do músico.”

Com a “transformação” do disco em “cartão de visita”, este deixou de se fonte de renda às bandas, e este “papel” passou a ser dos shows, que são considerados por Martins (2004) tão importantes quanto os discos. O autor considera que, nas apresentações ao vivo, há uma interação com o público e com isso é possível que seja feita uma avaliação do trabalho realizado pela banda. No que tange ao show, independente de ser autoral ou cover, o processo de trabalho, conforme descrito por Requião (2008), envolve ao menos três etapas, que seriam a preparação do repertório, a passagem de som e a apresentação propriamente dita. Para Bob, “[...] o mais legal, além do show é o depois do show, [...] é o momento que

a gente fala muito sobre a banda assim todos [...]”, representando a oportunidade de

se auto-avaliarem quanto sua atuação na banda.

Por ser uma banda autoral independente e, no momento, estar sem agência que seja responsável pela venda dos shows, os músicos da Resistência dividem-se nas funções administrativas, que, conforme Eugene, “[...] não são

funções fixas [...]”, referentes à empresa de produção musical que constituíram,

visando facilitar as negociações de contratos de trabalho. Neste sentido, Bob é o responsável por “[...] fechar os shows da banda[...]”, e os demais “[...] trabalham na

parte de produção, na parte burocrática [...]”, como dito por Gary, o que corrobora

Martins (2004, p. 12) ao referir que “[...] para uma banda funcionar todos têm de trabalhar.” O autor ainda expõe que não é possível romantizar a profissão e pensar que o trabalho do músico é fácil, pois este demanda planejamento e dedicação, que não necessariamente são revertidos em sucesso financeiro e reconhecimento profissional imediatos.

Pela análise do cotidiano de trabalho dos participantes, foi possível constatar que há uma rotina, e que todas as atividades por eles desenvolvidas estão relacionadas com a música. Os cinco músicos “vivem” sua profissão, mesmo não estando em atuação.

Para melhor caracterizar o trabalho dos participantes, a seguir serão apresentadas as dificuldades, por eles apontadas, para o exercício profissional de uma banda autoral.

No documento 'Sexo, drogas e rock n' roll' ? (páginas 49-55)

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