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Dificuldades para o exercício profissional de uma banda autoral

No documento 'Sexo, drogas e rock n' roll' ? (páginas 55-61)

4.2 CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO

4.2.2 Dificuldades para o exercício profissional de uma banda autoral

Com o intuito de apresentar as dificuldades para o exercício profissional de uma banda autoral, foram construídas seis categorias, descritas no Quadro 4.

Categorias Falas dos participantes Frequência

Falta de apoio para o trabalho autoral em Santa Catarina

“Falta locais pra tocar, faltam projetos assim. É, por exemplo no Rio, tem um projeto de lonas, que as bandas de autoral tocam nas favelas, tem lonas culturais que chamam lá, e isso mexe com a cultura né, faltam aqui.” (Bob)

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Falta de consumo do trabalho autoral catarinense

“Eu vejo pelo Rio Grande do Sul, que além de ter os veículos de comunicação que influenciam aqui, eles tem o lado deles de gostar do que é deles, que eu acho que a gente gosta do que é deles e não do que é nosso né.” (Bob)

Categorias Falas dos participantes Frequência

Necessidade de deslocamento para grandes centros urbanos

“[...] em Santa Catarina [...] a gente carece de profissionais, de boas pessoas que trabalhem com isso, tanto a parte técnica assim de equipe, quanto na parte assim de pessoas, produtores, empresários, a gente não tem essas peças assim que são raras.” (Lula)

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Instabilidade profissional

“A gente hoje, com a maturidade que a gente tem, a gente é muito menos ansioso com essa coisa de ah, fazer sucesso. Se eu aos 20 anos me perguntasse eu ia pô, pela maneira com as coisas andaram até em determinado momento assim, foi um momento bacana, que tinha um monte de coisa acontecendo, criou-se uma expectativa, uma ansiedade, uma coisa, mas depois a gente viu que é uma maré de coisas boas, de baixas e altas então a gente aprendeu a conviver melhor com isso.” (Lula)

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Desvalorização da profissão

“[...] eu fico feliz de dizer assim que se tu for rodar o Estado e pedir assim, eu quero de bandas catarinenses que tu cite dez bandas, com certeza a Resistência vai tá entre essas dez sempre. [...] Só que [...], se você pegar os dez advogados mais lembrados de Santa Catarina, pô o poder aquisitivo é bem

diferente. É triste, [...] a gente ainda não consegue equiparar, não precisa ser tanto também né, mas assim, de uma profissão realmente que as pessoas conheçam o profissional e que ela seja valorizada, é um trabalho, um processo.” (Gary)

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Crise no mercado fonográfico

“[...] a gente acompanhou o desmoronamento assim das gravadoras, a gente viu, a gente teve lá dentro, a gente viu sentado num sofá de uma major13 internacional vendo as

ligações dos caras, vendo as bandas caírem da gravadora, vendo as gravadoras que eram prédios, virar três andares, virar um andar, virar uma sala e caber num fusca.” (Lula)

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Quadro 4 – Dificuldades para o exercício profissional de banda autoral. Fonte: Elaboração da autora, 2010.

Na atualidade, no que tange à falta de apoio para o trabalho autoral em

Santa Catarina, os cinco participantes apontaram a escassez de espaços para

apresentações e de projetos culturais voltados para as bandas autorais. Sobre os locais para shows, Lula relatou que “[...] antigamente, quando eu comecei a tocar,

num barzinho do mesmo tamanho que a gente toca com duo, com triozinho, a gente via as bandas autorais tocando, e hoje é diferente, hoje é todo mundo tocando banda cover [...]”. Para Eugene, em Santa Catarina, “[...] são poucas as casas noturnas que contratam bandas com a estrutura, com o porte da Resistência, que é uma banda que o cachê, só nos custos do show, gira em torno de dois, três mil reais [...], ao mesmo tempo em que a banda não leva uma multidão de pessoas [...], pois

o público não tem o hábito de consumir o que é local. Com relação aos projetos culturais, Patrick e Gary fizeram referência ao Festival Estadual de Música e Integração Catarinense – FEMIC14, que está em sua terceira edição e tem como um de seus objetivos, criar espaço para que os cantores e compositores do Estado mostrem seu trabalho ao público. Para eles, a iniciativa de ter este festival é importante, porém ele não estaria sendo divulgado no sentido de incentivar o público a assistir às etapas regionais, que ocorrem em todo Estado, como exemplificou Gary, ao dizer que “[...] o cara faz um Festival da Integração, que é massa, que é

bacana, mas a gente também tem que investir que o público vá [...].” Pode-se

perceber, neste caso, que tal projeto possibilita que o trabalho autoral dos músicos catarinenses seja divulgado, entretanto, o público parece não valorizar o evento. Seria pelo fato de ter somente músicos locais se apresentando? Acerca do exposto, Chaves (2007) refere que nos centros menores existe uma dificuldade de reconhecimento do trabalho dos artistas “da terra” pelo público local, em decorrência do “fenômeno da valorização do estrangeiro”, que, segundo a autora, seria uma característica da cultura brasileira. A falta de apoio ao trabalho autoral local é a realidade apontada pelos músicos da Resistência, mas é igualmente relatada pelos entrevistados de Assis (2008), em Goiás, e de Chaves (2007), na Paraíba. Será que esta “negação” do que é local acontece também em outras regiões do Brasil?

Em decorrência da valorização do que “vem de fora”, há, de acordo com os cinco participantes, uma falta de consumo do trabalho autoral catarinense. Para Lula, pelo fato de Santa Catarina ser um pólo turístico, “[...] todo mundo vem

pra cá, então a gente acaba, ah, tendo que fazer uma coisa que agrada todo mundo [...]”, o que acaba abrindo espaço para o trabalho cover, no entanto, o trabalho

autoral “[...] fica sem cenário, fica sem identidade [...]”. Aliado a isso, Lula ainda afirma que “[...] a nossa principal mídia [tanto de rádio quanto de televisão] de Santa

Catarina não é de Santa Catarina [...]”, mas sim do Rio Grande do Sul, o que pode

fazer com que o trabalho autoral catarinense não tenha um espaço de divulgação adequado, legitimando o ditado popular que diz que “quem não é visto, não é lembrado”. Segundo Bob, a influência da mídia nacional e gaúcha em nosso Estado, faz com que o público goste “[...] do que é deles e não do que é nosso [...]”, pois ela acaba por ditar o que será consumido, como referiu Dias (2007 apud SILVA, 2007), ao afirmar que os meios de comunicação social fazem valer um crivo estético poderoso, baseado (infelizmente) no poder econômico.

Para Gary, em nosso Estado, há falta de incentivo ao consumo cultural de maneira geral, evidenciado por “[...] aquela velha lenda de que tudo passa por cima

de Santa Catarina, é Curitiba e depois já vai direto pra Porto Alegre [...].” Segundo

ele ainda, “[...] o público não é educado, incentivado a ir consumir o que é feito

entendeu [...], pô, eu conheço o Gary, então eu não vou pagar né, pelo amor de Deus!” Esta fala vai ao encontro do que Salazar (2009) refere ser o desafio para

quem trabalha com música, que é agregar valor comercial ao seu trabalho artístico e fazer com que o consumidor pague por ele. Em se tratando de músicos locais, este desafio poderia tornar-se ainda maior pelo fato de eles estarem “acessíveis”, de serem conhecidos e próximos do público? Esta proximidade poderia fazer com que eles percam o glamour de ser artista, e o público acabe não os valorizando da mesma forma que valoriza quem é “de fora”? Por que se paga (caro) por um show nacional ou internacional e não se quer pagar por um local? De acordo com Chaves (2007), para ganhar notoriedade e fazer sucesso em uma cidade pequena, basta que a “origem” do artista seja do eixo Rio/São Paulo. Neste sentido, portanto, seria necessário deixar de ser músico local?

Com base no exposto, pode-se constatar que, das dificuldades inerentes ao “ser artista local” decorre a necessidade de deslocamento para grandes

centros urbanos, como o Rio de Janeiro e São Paulo, em busca de melhores

oportunidades e condições de trabalho. Para os cinco participantes, em Santa Catarina há uma carência de profissionais que trabalhem com produção musical, empresarial e técnica, o que faz com que algumas bandas autorais optem por sair

do Estado. A banda Resistência já se mudou para outros Estados para a gravação de seus discos, e segundo Eugene, a última mudança proporcionou uma “[...]

experiência musicalmente muito bacana [...]”, pois tiveram a oportunidade de

produzir com um músico conceituado, o que “[...] trouxe uma nova perspectiva pra

banda, [...] e visões diferentes da música [...].” Por outro lado, ele mencionou que

“[...] pessoalmente [...] foi um pouco tortuoso a questão de tá morando longe, a

saudade, ou as dificuldades financeiras [...]”, o que corrobora Maheirie (2001, p. 80),

ao afirmar que “nem tudo são flores”, quando se fala do músico no contexto de trabalho brasileiro.

A mudança para os grandes centros urbanos não necessariamente é garantia de facilidades e oportunidades profissionais, pois como bem referiu Patrick, “[...] lá [em outro Estado] eu era mais um na multidão [...].” Pode-se pensar que, considerando os escassos casos de sucesso comercial, a efemeridade deste e a instabilidade da profissão, permanecer em seu local de origem pode ter suas vantagens, tal como dito por Lula ao afirmar que “[...] a gente conseguiu achar um

meio termo assim de não ter grana sobrando, mas conseguir pagar suas contas e viver super bem né. [...] viaja, curte, aproveita, conhece gente e ainda consegue ficar com a família [...].” Uma outra vantagem de continuar em Santa Catarina foi relatada

por Patrick, ao dizer que “[...] todo mundo conhece a Resistência aqui... saca. Então

eu sou o baterista da Resistência, pra conseguir um trampo [trabalho paralelo à

banda] como baterista da Resistência é muito fácil.” Sendo assim, pode-se constatar que mudar-se para os grandes centros ou permanecer em seu local de origem não são oposições, são facetas da mesma realidade, e os integrantes da Resistência, como bem disse Lula, conseguiram encontrar um “meio termo”.

A instabilidade profissional, que pode ser considerada uma característica do trabalho musical, como inferido por Requião (2008), foi um dos dificultadores para a atuação profissional citados pelos cinco participantes. Para eles, em um momento a banda pode estar vivenciando “[...] uma maré de coisas

boas [...]”, como disse Lula, e em outro pode estar estagnada, decorrendo então, a

necessidade de ter outros projetos profissionais paralelos. Eugene referiu que esta inconstância da profissão e o fato de que “[...] às vezes passa um mês e não tem

show nenhum [...]”, são “[...] dificuldades que muitas vezes são olhadas negativamente pelas outras pessoas [...]”, e disto pode derivar uma desvalorização

De acordo com os cinco músicos investigados, mais um dificultador para o trabalho autoral seria a desvalorização da profissão. Gary assinalou sua tristeza em relação à não equiparação do poder aquisitivo das supostas dez bandas mais lembradas de Santa Catarina, com os dez advogados, quando da comparação destas profissões. Esta constatação está de acordo com o exposto por Olivier e Silva (2004), ao afirmarem que algumas profissões tradicionais continuam se destacando de outras, em termos de remuneração, status e valorização social. Os entrevistados por Assis (2008) relataram que o contratante não dispensa um tratamento digno aos músicos e a remuneração oferecida não é adequada, e isso está em conformidade com a lógica do capital, na qual é dada “[...] maior importância ao produto do que ao produtor.” (ARANHA, 1997, p. 30). Considerando que cada profissão tem a sua função na sociedade, e que nenhuma é “melhor” ou “pior” do que a outra, não seria de se esperar que recebessem um tratamento equitativo? O que faz com que a profissão de músico seja desvalorizada em relação às profissões tradicionais e seu trabalho seja explorado por quem o contrata? Esta desvalorização estaria relacionada ao fato do seu trabalho não ser considerado produtivo? No modo de produção capitalista, apesar do trabalho do músico ser caracterizado como trabalho improdutivo, pois trata-se de prestação de serviço, o fato de ele vender sua força de trabalho a um contratante, gerando mais-valia para este, torna o seu trabalho produtivo ao capital.

O trabalho do músico em apresentações ao vivo, envolve algumas etapas, como já referido, porém, segundo Requião (2008), para efeito de pagamento do serviço prestado, somente é contabilizada a função exercida na etapa de execução musical, o que configura uma exploração do trabalho. Para Tumolo (2001, p. 71), no Brasil, “[...] no contexto do novo padrão de acumulação de capital, sua principal característica é a intensificação da exploração sobre a força de trabalho.” Sobre este tema, Eugene afirma que “[...] tocar na noite é uma coisa complicada,

muitas vezes o contratante não paga, muitas vezes [...] não quer te contratar, ah, vem aí que eu te pago uma cerveja, ou sei lá, te dou 10% da porta, se der alguém tu ganha alguma coisa, se não der ninguém tu não ganha nada.” Essa “proposta

indecente” caberia a outras profissões? Infelizmente ela ainda é feita aos músicos possivelmente em função de ter aqueles que a ela se submetem, por necessidade talvez, o que poderia contribuir para que a profissão seja, em muitas vezes, desvalorizada.

Um outro fator, referido pelos cinco participantes como uma dificuldade para a prática profissional de uma banda autoral é a crise no mercado fonográfico, no sentido de que, na atualidade, com a queda das vendas de discos, as gravadoras reduziram seu tamanho, a ponto de estarem instaladas em prédios e passarem a “[...] caber num fusca”, como referiu Lula. Com isso, assumiram como prática a contratação de bandas “prontas”, que já tenham expectativa de excelente vendagem, não mais se responsabilizando pelas produções de todo seu cast de artistas. Segundo Lula, com esta mudança, a Resistência passou a ser uma banda independente e teve que “[...] se reformular, porque antigamente a gente conseguia

se associar com uma gravadora, por exemplo, e ela fazia uma parte do trabalho pra gente fazer outra e dava um feedback e era importante, eles ganhavam dinheiro e a gente também [...].”

Como uma das consequências desta crise, pode-se inferir que houve uma quebra na cadeia produtiva da música, pois a produção saiu das majors e a difusão e consumo organizaram-se de maneira a fazer com que a internet se configurasse como um caminho alternativo para os artistas colocarem seu produto à disposição do público. Porém, este caminho não é tão fácil como pode parecer, pois, de acordo com Eugene, para uma banda autoral independente, “[...] além de todo estudo, todo

o comprometimento com a música, tu vai ter que ter condições de gravar e de divulgar isso pras pessoas, [...] e pra isso, você precisa ter dinheiro [...].”

Apesar das dificuldades relatadas, os músicos investigados consideram que são “[...] a resistência [...]”, pois não desistiram de fazer um trabalho autoral com a “cara” de Santa Catarina, buscando, “[...] exaltar culturalmente a nossa terra [...]”, como afirmou Lula. Tendo caracterizado o contexto de trabalho dos músicos da banda Resistência, a seguir serão apresentadas as características da imagem social do músico.

No documento 'Sexo, drogas e rock n' roll' ? (páginas 55-61)

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