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O ensaio sobre As Afinidades Eletivas de Goethe não corresponde apenas à tentativa de resolver o problema deixado em aberto pela dissertação sobre os românticos, ou seja, desenvolver a crítica de arte como um modo de exposição que dê conta tanto da forma quanto do conteúdo da obra particular. Esse ensaio também deve ser entendido como a despedida de Benjamin do pensamento sistemático. Se no apêndice ao doutorado, a possibilidade da crítica dependia da resolução do problema central da filosofia da arte no interior do sistema filosófico,79 no ensaio

sobre Goethe, a formulação do problema já indica o afastamento dessa pretensão sistemática. A crítica não se legitima mais no sistema, mas em seu próprio exercício numa obra particular. Não é só a relação entre sistema filosófico e crítica de arte que se transforma, mas também a própria posição de Benjamin perante a filosofia. Como indica seu Programa da Filosofia Vindoura, texto contemporâneo ao doutorado, a filosofia deveria constituir-se pelo alargamento do sistema kantiano, de maneira a incorporar novos problemas, algo que seria possível pela transformação e ampliação da concepção de experiência de Kant, de modo a abranger também a experiência religiosa.80 No ensaio sobre Goethe, por sua vez, o sistema tornou-se inalcançável, escapando ao

horizonte da filosofia. Embora Benjamin, infelizmente, não se tenha disposto a legitimar esse diagnóstico numa crítica pormenorizada da filosofia, a inacessibilidade do sistema parece decorrer tanto de sua impossibilidade histórica diante da fragmentação crescente da cultura quanto da incapacidade dos meios filosóficos disponíveis na época – o modelo do questionamento dos problemas, possivelmente uma crítica de Benjamin à filosofia dos neokantianos – para abarcar um sistema compreendido como unidade de todos os problemas filosóficos.

A totalidade da filosofia, seu sistema, é de uma magnitude superior àquela exigida pelo conjunto de todos os seus problemas tomados conjuntamente, pois a unidade na solução de todos eles não é

79 “Nem os românticos nem tampouco Goethe solucionaram esta questão nem ao menos a colocaram. Eles atuaram

em conjunto no sentido de representá-la ao pensamento que trata da história dos problemas. Apenas o pensamento sistemático pode resolvê-la”. Benjamin, op. cit., p. 121.

80 Para uma análise detalhada deste texto de Benjamin, cf. Everaldo de Oliveira, Crítica e Experiência no jovem

Benjamin: o projeto de 1918/19. São Paulo/USP, Dissertação de mestrado, 1999. Para uma análise abrangente da

recepção por Benjamin da filosofia de Kant no contexto do neokantismo universitário alemão, Cf. Astrid Deuber- Mankovsky. Der frühe Walter Benjamin und Hermann Cohen: jüdische Werte, kritische Philosophie, vergängliche

averiguável. Se fosse, então, no que diz respeito à questão que busca essa unidade, uma nova questão surgiria imediatamente, na qual estaria fundada a unidade dessa resposta bem como a de todas as outras. Daí se conclui que não há questão ao alcance desse questionamento que dê conta da unidade da filosofia. O conceito dessa questão não-existente que busca a unidade da filosofia pelo seu questionamento indica na filosofia o ideal do problema.81

Com o paradoxo de uma questão não-existente, Benjamin anuncia a impossibilidade de uma única questão dar conta da unidade de todas as demais. Com o recurso à unidade virtual do sistema, ele não só sustenta que o sistema não é a soma de suas partes, como também procura afastar a compreensão da totalidade como um infinito, seja como tarefa infinita que compreenda o sistema em eterno aperfeiçoamento, seja como busca de fundamentação que regrida ao infinito. A totalidade do sistema seria, antes de tudo, uma unidade, como ele busca ressaltar com o conceito de ideal do problema.

Mas a designação dessa unidade como ideal não visa meramente ressaltar a virtualidade do sistema. O ideal exerce aqui o papel de resguardar a dignidade da mais alta formulação do problema filosófico – sua unidade sistemática – diante da impossibilidade de sua exposição sistemática. A obscuridade dessas formulações, reconhecida pelo próprio Benjamin em carta a Hugo von Hofmannstahl,82 chega a prejudicar qualquer detalhamento da noção de “ideal de

problema”. A análise de texto permite apenas a delimitação de sua função no conjunto do ensaio, a saber, o papel de abrigar a unidade sistemática da verdade contra sua pulverização numa série de problemas. Pois é a partir desta impossibilidade de exposição sistemática do ideal que a crítica literária ganha significado filosófico. Cada obra de arte, diz ele, guarda uma afinidade com o ideal do problema, na medida em que seria possível encontrar em cada uma delas o aparecimento da unidade do ideal. “Todas as obras de arte autênticas têm sua irmã no domínio da filosofia”.83

Este sentido filosófico se apresenta então na conexão entre o belo e a verdade. “Se então for permitido dizer que tudo o que é belo se relaciona de algum modo com o verdadeiro e que seu lugar virtual na filosofia pode ser determinado, então isso significa que, em toda verdadeira obra

81 Benjamin, Goethes Wahlverwandschaften, GS I-1, p. 172. „Die Ganzheit der Philosophie, ihr System, ist von

höherer Mächtigkeit als der Inbegriff ihrer sämtlichen Probleme es fordern kann, weil die Einheit in der Lösung ihrer aller nicht erfragbar ist. Wäre nämlich die Einheit in der Lösung aller Probleme selbst erfragbar, so würde alsbald, mit Hinsicht auf die Frage, welche sie erfragt, die neue sich einstellen, worin die Einheit ihrer Beantwortung mit der von allen übrigen beruhe. Daraus folgt, dass es keine Frage gibt, welche die Einheit der Philosophie erfragend umspannt. Der Begriff dieser nichtexistenten Frage, welche die Einheit der Philosophie erfragt, bezeichnet in der Philosophie das Ideal des Problems“.

82 Carta a Hofmannstahl de 13.1.24, in GS I-3, p. 820.

de arte, é possível descobrir uma manifestação (Erscheinung) do ideal do problema”.84 É

necessário ressaltar que tal vínculo entre crítica e verdade, evocado no anúncio da revista

Angelus Novus, é discutido explicitamente pela primeira vez neste ensaio sobre Goethe. No

trabalho sobre os românticos, ele ainda estava implícito na referência da crítica romântica ao absoluto da arte e na concepção de natureza verdadeira em Goethe. Somente quando Benjamin separa a crítica do sistema filosófico, a relação entre crítica e verdade aparece com nitidez, exigindo tratamento à parte, como nesta referência ao ideal do problema filosófico.

O ideal do problema (...) não aparece numa multiplicidade de problemas, mas encontra-se soterrado em cada uma das obras, e sua extração é a tarefa da crítica. Ela permite que o ideal do problema apareça na obra de arte, e apareça como uma de suas manifestações. Pois o que a crítica em último caso mostra é a possibilidade virtual de formulação do teor de verdade da obra como o mais alto problema filosófico.85

Com isso, Benjamin indica o critério imanente para a crítica nesta Erscheinung do ideal, no

aparecimento do ideal na obra. A tarefa da crítica torna-se então um processo de reconhecimento

e apresentação do ideal como o teor de verdade das obras. Com isso, tanto a possibilidade quanto a necessidade da crítica orientam-se por esta concepção metafísica de obra de arte como manifestação da verdade.

Na determinação mais precisa desta Erscheinung do ideal, Benjamin retoma aspectos importantes de sua apresentação do ideal goetheano, notadamente a convicção de que o ideal, como conjunto dos conteúdos puros, nunca se expõe a si mesmo de modo puro, mas apenas na pluralidade das obras de arte. Como em Goethe, não há nenhuma continuidade entre o ideal e a multiplicidade das obras. Cada obra de arte é uma manifestação isolada e independente das

84 Benjamin, GS I-1, p. 172. „Wenn es also erlaubt ist zu sagen, alles Schöne beziehe sich irgendwie auf das Wahre

und sein virtueller Ort in der Philosophie sei bestimmbar, so heißt dies, in jedem wahren Kunstwerk lasse eine Erscheinung von dem Ideal des Problems sich auffinden“. A primeira versão deste texto é mais explícita: „Das Ideal des Problems ist eine Idee, welche als Ideal darum zu bezeichnen ist, weil sie sich nicht auf die immanente Form desselben, sondern auf den ihm tranzendenten Inhalt seiner seiner Antwort, obzwar nur durch den Begriff des Problems selbst, als auf den Begriff der Einheit seiner Antwort bezieht. Das Ideal des philosophischen Problems läßt sich, nach einer Gesetzlichkeit, die wahrscheinlich im Wesen des Ideals überhaupt liegt nur in einer Mehrheit darstellen (wie das Ideal des reinen Inhalts in der Kunst in der Mehrheit der Musen). Also ist die Einheit der Philosophie prinzipiell nur in einer Mehrheit oder Vielheit virtueller Fragen zu erfragen“. Benjamin, GS I-3, pp. 833- 4.

85 Benjamin, GS I-1, p. 173. „Nicht aber in einer Vielheit von Problemen erscheint das Ideal des Problems. Vielmehr

liegt es vergraben in jener der Werke und seine Förderung ist das Geschäft der Kritik. Sie lässt im Kunstwerk das Ideal des Problems in Erscheinung, in eine seiner Erscheinungen treten. Denn das, was sie zuletzt in jenem aufweist, ist die virtuelle Formulierbarkeit seines Wahrheitsgehalts als höchsten philosophischen Problems“.

demais. Mas, diferentemente de Goethe, a relação entre a obra e o ideal não é mais entendida como aproximação. Benjamin rejeita o ideal como cânone necessário e anterior às obras. A relação entre obra e verdade não é dada por um “assemelhar” ou um “igualar”, mas pela

Erscheinung mesma do ideal na obra. Como ele dirá no Prefácio ao Drama Barroco, é o caráter

expositivo da verdade que fundamenta a afinidade das obras com o ideal. Além disso, ele enfrenta a despreocupação de Goethe em relação à crítica por meio do confronto entre natureza e história, entre mito e verdade. O naturalismo do ideal goetheano o teria aproximado de uma solução mítica para o problema da arte. Ao comentar os problemas da compreensão da forma artística como estilo, Benjamin diz: “Circunscrever o problema da arte em toda sua extensão, segundo sua forma e conteúdo, através do conceito de protótipo (Urbild), constitui uma prerrogativa dos pensadores antigos, que colocam por vezes as questões mais profundas da filosofia na figura de soluções míticas. Em última análise, o conceito goetheano de estilo conta um mito”.86 O conceito benjaminiano de ideal, ao contrário, pretende circunscrever uma idéia

histórico-filosófica de verdade. Só assim Benjamin daria conta da tarefa negligenciada por Goethe. Ao incumbir à crítica o papel de expor a unidade do problema filosófico por meio de sua manifestação particular numa obra de arte, sua pretensão é a de resguardar a dignidade da verdade como o problema filosófico mais alto ao mesmo tempo em que fundamenta a crítica na pretensão de verdade de cada obra.

A Erscheinung do ideal só se torna fundamento para a crítica na medida em que ela também disponibiliza ao crítico instrumentos de análise e interpretação da obra que o capacitam a

extrair e expor sua verdade. Benjamin descobriu tais instrumentos com a distinção entre teor de

verdade e teor de coisa, a qual torna legível o que ele denominou de “lei fundamental da escrita literária”: “A crítica busca o teor de verdade de uma obra de arte, o comentário, seu teor de coisa. A relação dos dois determina esta lei fundamental da escrita literária: quanto mais o teor de verdade de uma obra é significativo, mais seu laço com o teor de coisa é imperceptível e interior”.87 Essa distinção se justifica no próprio aparecimento da verdade na obra: o teor de

verdade aparece no teor de coisa. Como a verdade só aparece na configuração concreta da obra

86 Benjamin, O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão, p. 122.

87 Benjamin, GS I-1, p. 125. „Die Kritik sucht den Wahrheitsgehalt eines Kunstwerkes, der Kommentar seinen

Sachgehalt. Das Verhältnis der beiden bestimmt jenes Grundgesetz des Schrifttums, demzufolge der Wahrheitsgehalt eines Werkes, je bedeutender es ist, desto unscheinbarer und inniger an seinen Sachgehalt gebunden ist“. Utilizo aqui tradução de Jeanne Marie Gagnebin em seu artigo A Propósito do Conceito de Crítica em Walter Benjamin, in

de arte, tal distinção se fundamenta na relação de uma singularidade empírica e concreta com a unidade de uma verdade de caráter filosófico. A distinção procura vincular os dois momentos da obra sem os quais a exposição de seu teor de verdade não seria possível: como conformação particular de seu próprio material – os “materiais da realidade histórica”, como ele os chama – e como exposição da verdade. O vínculo entre verdade e obra de arte não se encontraria assim num critério transcendente às obras, mas em sua imanência mesma.

Benjamin recorre então à categoria da duração com o intuito de enfatizar o caráter histórico desta relação entre teor de verdade e teor de coisa. “Se, portanto, as obras que se revelam como duradouras são precisamente aquelas cujo teor de verdade está mais profundamente imerso no teor de coisa, por sua vez os materiais de realidade histórica da obra aparecem, para quem a considera no curso dessa duração, de maneira tanto mais clara quanto mais eles tendem a morrer no mundo.”88 Nessa concepção de duração das obras como categoria

de sua historicidade, é possível encontrar vestígios do conceito romântico de obra clássica, segundo o qual a obra clássica é aquela que jamais pode ser completamente compreendida e que, por isso mesmo, exige ser interpretada e criticada sempre de novo.89 Ela é, portanto, aquela obra

que traz em si os elementos de sua criticabilidade, ou seja, a reflexão interna que aponta sempre para além de si mesma, num processo infinito até o absoluto da arte. Uma vez que toda reflexão tem a tendência de superar a si mesma, a crítica, enquanto intensificação da reflexão na obra, constitui-se como a sobrevida da obra, incorporando-se a ela. Benjamin valoriza a duração das obras tanto quanto os românticos, mas lhe dá uma outra configuração. A compreensão da duração da obra como processo aberto ao futuro, durante o qual a autoconsciência da obra se intensifica, é recusada por ele. A duração não corresponderia ao crescimento de um organismo, mas a um processo de envelhecimento durante o qual a vida da obra se embota aos poucos e seu efeito desaparece. A crítica não parte de um grau de consciência imediatamente anterior para ultrapassá-lo, mas de um estranhamento produzido pelo contraste entre o material da obra e o momento histórico do crítico. Nesse sentido, a crítica não se volta para o futuro, mas para a distância histórica que se interpõe entre o presente e um passado que só se comunica na sua estranheza.

88 Idem. „Wenn sich demnach als die dauernden gerade jene Werke erweisen, deren Wahrheit am tiefsten ihrem

Sachgehalt eingesenkt ist, so stehen im Verlaufe dieser Dauer die Realien dem Betrachtenden im Werk desto deutlicher vor Augen, je mehr sie in der Welt absterben“. Tradução citada.

89 Cf. Friedrich Schlegel, Lyceum 20, in O Dialeto dos Fragmentos. Tradução de Márcio Suzuki. São Paulo,

A distinção entre teor de verdade e teor de coisa se justifica também no nível da interpretação, como crítica e comentário. Com o envelhecimento dos materiais da realidade histórica da obra,

teor de coisa e teor de verdade, unidos em seu modo de aparecer nos primeiros tempos da obra, aparecem, com o seu perdurar, disjuntos, porque o último se mantém oculto sempre da mesma maneira, quando o primeiro vem à luz. Assim, a interpretação dos elementos que sobressaem e causam estranheza, quer dizer, do teor de coisa, se torna cada vez mais a condição preliminar da atividade crítica posterior.90

A historicidade do teor de coisa, sua efemeridade e obsolescência, dificulta num primeiro momento a compreensão da obra, em virtude da alteridade com que a situa em relação ao tempo histórico do leitor, mas, ao mesmo tempo, coloca a necessidade de investigação dessa diferença como a única possibilidade de compreensão. Essa investigação, de cunho filológico e histórico, que tem como ponto de partida o estranhamento positivo provocado pelo envelhecimento do material histórico, é chamada por Benjamin de comentário. Sua necessidade indica que o teor de verdade tem que ser buscado na historicidade de sua exposição, pois a exposição da verdade também ocorre no curso do tempo. Como ressalta Uwe Steiner,

nos momentos de sua sobrevida, a obra sofre uma série de mudanças que devem ser entendidas como modificações da forma de exposição de seu teor de verdade. A idéia da sobrevida se expressa de maneira mais pura na metamorfose e não na eternização. Com isso, se delineia a conseqüência mais extrema da teoria da crítica de Benjamin. Ele aponta para o aparente paradoxo de considerar a arte como um médium provisório e, de forma alguma, não problemático do teor de verdade de uma obra de arte.91

O envelhecimento do teor de coisa corresponde à transformação do modo como a verdade se expõe na obra de arte. Na medida em que o estranhamento entre o presente do crítico e o teor de coisa se torna o ponto de partida da crítica, a obra de arte é vista como um médium de exposição de uma idéia de verdade que não transcende a história, mas só existe como a verdade de um

90 Benjamin, GS I-1, p. 125. „Damit aber tritt der Erscheinung nach Sachgehalt und Wahrheitsgehalt, in der Frühzeit

des Werkes geeint, auseinander mit seiner Dauer, weil der letzte immer gleich verborgen sich hält, wenn der erste hervordringt. Mehr und mehr wird für jeden späteren Kritiker die Deutung des Auffallenden und Befremdenden, des Sachgehaltes, demnach zur Vorbedingung“. Tradução citada.

91 Uwe Steiner, „Kritik“, in Michael Opitz e Erdmut Wizisla (org.), Benjamins Begriffe, Frankfurt am Main,

tempo específico. A questão fundamental da crítica pode então ser colocada: “se a aparência do teor de verdade se deve ao teor de coisa ou se a vida do teor de coisa, ao teor de verdade”.92 A

primeira alternativa não conhece as transformações do teor de coisa. Indiferente à distância histórica, ela identifica presente e passado, congelando os materiais históricos numa essência imutável, da qual o teor de verdade seria uma mera aparência. A segunda, ao contrário, compreende a vida do teor de coisa como modificações de seu teor de verdade. Essas transformações, compreendidas sob a categoria da duração, permitem a distinção entre ambos os teores, preparando o caminho da crítica. Nesse sentido, “a história das obras prepara sua crítica e, por conseguinte, a distância histórica aumenta sua força”.93

II

A confrontação da história da recepção da obra se apresenta assim como um elemento essencial de sua crítica. Conforme apontou Burkhardt Lindner, Benjamin confrontou, em seu ensaio, a filologia estabelecida sobre As Afinidades Eletivas, a qual via no romance, particularmente na campanha a favor do casamento pelo personagem de Mittler, uma defesa do próprio Goethe do casamento enquanto codificação do amor e secularização da vida a dois pelo direito privado, alicerce da família burguesa.94 Na leitura de Benjamin, o romance mostra outra

posição perante o casamento civil: o objetivo de Goethe não era fundamentar o casamento, mas mostrar as forças que emergem do seu declínio.

92 Benjamin, GS I-1, p. 125. „ob der Schein des Wahrheitsgehaltes dem Sachgehalt oder das Leben des Sachgehaltes

dem Wahrheitsgehalt zu verdanken sei“. Tradução citada.

93 Benjamin, GS I-1, p. 125-6. „In diesem Sinne bereitet die Geschichte der Werke ihre Kritik vor und daher

vermehrt die historische Distanz deren Gewalt“. Tradução citada.

94 Burkhardt Lindner, „Goethes Wahlverwandtschaften“. Goethe im Gesamtwerk, In: Burkhardt Lindner (Hrsg.),

Benjamin Handbuch. Leben – Werk – Wirkung. Sttutgard, Weimer, J. B. Metzler, 2006, p. 476. O ensaio de

Benjamin não se opõe somente à filologia estabelecida a respeito do romance de Goethe, mas, sobretudo, ao livro monumental sobre a vida e a obra de Goethe publicado em 1916 por Friedrich Guldolf, um dos principais germanistas ligados ao círculo do poeta Stefan George. Benjamin se opõe radicalmente não só à transformação de Goethe em um personagem mitológico, que lhe confere o estatuto de um herói de sua época, mas também à confusão

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