• Nenhum resultado encontrado

Após o livro sobre a Origem do Drama Barroco Alemão, Benjamin não voltaria a buscar na idéia do belo o teor de verdade das obras de arte. Do ponto de vista de sua produção posterior, o fim da orientação da crítica pela bela aparência já se anunciava na tensão entre a destruição da bela aparência pela alegoria barroca e uma concepção de crítica definida como exposição da idéia de beleza. Tensão inexistente no ensaio “As Afinidades Eletivas de Goethe”, uma vez que a negatividade inerente à sofisticada conformação da bela aparência no romance de Goethe ainda permitia a Benjamin buscar na beleza da obra de arte a sua verdade. A aparência grosseira das

peças barrocas, que deixava sua fatura à mostra, tal como uma parede de alvenaria à espera de acabamento, já não sustentava o exercício de uma crítica eminentemente positiva, exercida como desdobramento da própria obra. Como essas peças não poderiam ser individualmente consideradas, Benjamin é levado a apostar na reformulação da noção de gênero literário como estratégia de exposição do teor de verdade de obras que, de outro modo, se perderiam para a crítica.

Nos ensaios críticos escritos a partir do final da década de 1920, Benjamin não renuncia à crítica como exposição da verdade das obras de arte, mas o confronto com a produção artística recente lhe apresenta um cenário em que a bela aparência não é mais a articulação entre arte e verdade. No final do “Prefácio” ao Drama Barroco, ele já mostrava consciência deste problema ao apontar a importância da forma alegórica para o drama expressionista, embora, talvez por falta de interesse neste desdobramento do teatro alemão, ele nunca tenha se preocupado em desenvolver esta relação, dando margem ao mal-entendido de ver em sua apresentação da alegoria barroca uma teoria da obra de arte de vanguarda.251 Em seus ensaios sobre Bertolt Brecht

e Franz Kafka, escritos na primeira metade da década de 1930, é possível, contudo, reconhecer o desenvolvimento de outra perspectiva para a crítica, a qual só seria explicitamente confrontada com a questão da bela aparência em sua análise do cinema mudo, exposta no ensaio “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”.

Estes três ensaios da década de 1930 permitem articular as divergências entre ele e Adorno sobre um pano de fundo comum. Além de mostrar que Adorno compartilha com Benjamin o diagnóstico do declínio da bela aparência na avaliação da produção artística contemporânea, a Correspondência aponta também para o esforço conjunto de desenvolver uma compreensão materialista da arte contemporânea. Estes pontos de convergência, que se articulam em torno da reconfiguração de questões da obra de juventude de Benjamin, conferem sentido à idéia de um projeto comum a ambos. As discussões em torno dos trabalhos de Benjamin sobre Kafka e sobre o cinema, bem como os conflitos gerados pela intensa colaboração intelectual entre Benjamin e Brecht, permitem, porém, delinear desenvolvimentos autônomos a partir de questões compartilhadas por ambos. Os debates travados na Correspondência podem ser assim compreendidos a partir de caminhos distintos escolhidos por cada um dos autores na articulação dos problemas artísticos que mais lhes chamavam a atenção na época. Delinear estes diferentes

251 Cf. a exposição da alegoria em Peter Bürger, Theorie der Avantgarde, Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1974. Salvo

engano, o primeiro a transpor a apresentação benjaminiana da alegoria barroca para as obras de vanguarda foi Georg Lukács, em sua Estética, ao utilizá-la para comentar a obra de Kafka.

posicionamentos a partir dos trabalhos de Benjamin sobre Brecht e Kafka, num primeiro momento, e, depois, sobre o cinema é o propósito da continuação deste trabalho.

* * *

Nestes ensaios da década de 1930, Benjamin desenvolveu uma perspectiva crítica que, em 1929 no ensaio sobre “O Surrealismo. O último instantâneo da inteligência européia”, ele apresenta de maneira programática com a rubrica de um “materialismo antropológico”, caracterizado com noções como “espaço de corpo” e “espaço de imagens”.252 Tal concepção de

materialismo permanece ali uma sugestão cifrada de difícil interpretação, mais um tópico a ser retomado posteriormente que uma conquista adquirida no trabalho crítico. Ainda que Benjamin não tenha retornado posteriormente ao tema do “materialismo antropológico”, a correlação entre espaço, corpo e imagem constitui uma constelação decisiva em seus trabalhos de toda a década seguinte, imprescindível às análises de Brecht, Kafka e do cinema. Ela não aponta apenas para a centralidade do corpo, mas também para um limite da exposição discursiva no domínio da arte, ou seja, para uma dialética entre palavra e exposição artística. Embora esta questão já ocupasse Benjamin desde seu trabalho sobre Goethe, nos ensaios sobre Brecht e Kafka ela é recolocada num terreno bem distinto daquele em que se movia sua obra de juventude. Durante a década de 1930, ela é qualificada como uma dialética entre corpo e narração num contexto marcado pela discussão da função pedagógica da obra de arte. O problema, porém, não é apresentado da perspectiva de um ensino doutrinário, como se a obra de arte tivesse a partir de então a tarefa de transmitir ao seu público uma determinada verdade a respeito do mundo. Tratava-se, isso sim, da problematização da constituição e transmissão de um sentido verdadeiro a respeito da realidade no cenário de transformação das condições sociais e artísticas de produção e recepção das obras de arte. A radicalidade da relação entre pedagogia e sentido aparece no fato de Benjamin colocar em questão, primeiramente em suas análises de Brecht e Kafka, e depois em sua abordagem do cinema, a possibilidade das formas narrativas tradicionais ou mesmo da própria narração ainda serem os meios de articulação e transmissão do sentido da obra de arte.

Em seu estudo sobre o romance As Afinidades Eletivas de Goethe, Benjamin havia apontado esta relação entre palavra e exposição num posicionamento do narrador, que interrompia o fluxo narrativo, trazendo à tona o próprio trabalho artístico de composição do

romance. A mesma relação podia ser observada também na resistência da alegoria barroca à constituição da bela aparência. Nos ensaios literários sobre Kafka e Brecht, porém, esta relação não tem mais a bela aparência como referência primordial. Ela se encontra na apresentação do corpo humano no espaço cênico, mais precisamente num procedimento literário-gestual, presente tanto na parábola kafkiana quanto no teatro pedagógico de Brecht, em que Benjamin identifica um modo particular de questionamento da exposição literária da verdade.

Em dois de seus ensaios da década de 1930 – “Experiência e pobreza” (1933) e “O Narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov” (1936) – Benjamin forneceu a imagem de um limite entre corpo e palavra para a produção artística recente: “Uma geração que ainda fora à escola num bonde puxado por cavalos se encontrou ao ar livre numa paisagem em que nada permanecera inalterado, exceto as nuvens, e debaixo delas, num campo de forças de torrentes e explosões destruidoras, o frágil e minúsculo corpo humano”.253 A mesma imagem presta-se à

abertura a textos aparentemente contrastantes. Em “O Narrador”, Benjamin diagnostica, a partir do declínio das formas tradicionais de narração, o enfraquecimento da experiência e da relação do presente com a tradição. “Experiência e pobreza”, por sua vez, aponta na difícil relação com o passado a chance de um novo começo, cuja divisa já vinha sendo marcada desde a década anterior por experiências artísticas avançadas como as de Brecht, Adolf Loos, Paul Klee e Paul Scheerbart. Não se trata, contudo, de mudança de posição do autor entre os dois trabalhos, mas da construção de uma constelação de questões articuladas em função da mesma imagem: o corpo humano mudo no cenário de destruição causado pela I Guerra, apresentado como o ponto zero para a arte do século XX.254

Esta mesma imagem, que encerra a importância para Benjamin do corpo como forma de figuração da relação entre arte e verdade, é interpretada por Adorno como o ponto central das divergências entre ambos. Em 1936, num momento posterior às discussões a respeito dos ensaios sobre Kafka e sobre a “Obra de Arte”, Adorno sintetiza da seguinte forma sua resistência ao materialismo de Benjamin.

Em face disso, eu não acompanho com conformidade a tendência de reduzir o gesto da imediaticidade (...), não tanto à imediaticidade no sentido hegeliano, histórico-filosófico, quanto ao gesto no sentido somático. E esta diferença me levou ao centro de nossas discussões como

253 Benjamin, “Experiência e Pobreza”, GS II-1, p. 214; OE I, p. 115. “O Narrador”, GS II-2, p. 439; OE I, p. 198. 254 Para a relação entre os dois ensaios, cf. Jeanne Marie Gagnebin, História e Narração em Walter Benjamin,

raramente ocorre. Pois, desconsiderando a concordância mais concreta e de princípio em outras questões, todos os pontos em que me diferencio do senhor se reúnem sob o título de um materialismo antropológico que não sou capaz de seguir. É como se, para o senhor, o corpo humano fosse a medida da concretude. É, porém, uma “invariante” deste tipo que, segundo penso, provoca um desvio da verdadeira concretude (...). Por isso, o uso pelo senhor de palavras como gesto e outras semelhantes (sem que eu mesmo pretendesse evitar a palavra: depende apenas de seu acento constitutivo) sempre me causa mal-estar. Salvo engano, forçar a dialética no sentido de uma aceitação abrupta demais da reificação, na medida em que é um teste “behaviorista” para o corpo (essa era minha objeção contra o trabalho sobre a reprodutibilidade técnica), é apenas a imagem contrária de uma ontologia não dialética do corpo, tal como ela aparece agora neste trabalho.255

A colocação do corpo como uma invariável não-dialética corresponde à posição de Adorno perante o conjunto dos trabalhos de Benjamin nesses anos. Ainda que suas colocações permitam distinguir duas formas distintas de articulação de determinados problemas artísticos, o modo como Adorno coloca o problema demonstra um limite no diálogo entre ambos, traçado pelos obstáculos à compreensão do trabalho de Benjamin. O que determina o interesse de Benjamin pela figuração do corpo humano não é, contudo, a aceitação da reificação por meio de um teste que reduz o homem ao seu corpo, mas a exigência de rearticulação radical dos problemas histórico-literários legados pela tradição. A imagem do corpo mudo num campo devastado pela técnica não é um ponto zero só porque a destruição provocada pela I Guerra colocou em xeque pressupostos gerais da produção artística na sociedade burguesa, como autonomia do indivíduo e da arte, liberdade individual e progresso, mas também porque privou o homem do uso da própria palavra para transmitir suas experiências. Tratava-se assim de pensar a articulação do discurso

255 Adorno e Benjamin, Briefwechsel, p. 191 (carta de 6.9.1936). Nicht konform dagegen gehe ich mit der Tendenz,

die Geste der Unmittelbarkeit (…) nicht sowohl auf die Unmittelbarkeit, im Hegelschen, im geschichtsphilosophischen Sinne, als auf die Geste im somatischen zu reduzieren. Und diese Differenz hat mich ins Zentrum unserer Diskussion geführt wie selten etwas. Denn alle die Punkte, in denen ich, bei der prinzipiellsten und konkretesten Übereinstimmung sonst, von Ihnen differiere, ließen sich zusammenstellen unter dem Titel eines

anthropologischen Materialismus, dem ich die Gefolgschaft nicht leisten kann. Es ist, als sei für Sie das Maß der

Konkretion der Leib des Menschen. Der ist aber eine „Invariante“ von der Arte, dass ich glaube, dass sie das entscheidend Konkrete (das dialektische eben und nicht das archaische Bild) verstellt. Daher ist mir bei Gebrauch von Worten wie Geste und ähnlichen bei Ihnen (ohne dass ich das Wort selber vermeiden möchte: es kommt allein auf seinen konstitutiven Akzent an) stets unbehaglich; und irre ich mich nicht, so ist die Überspannung der Dialektik im Sinne einer zu prompten Hinnahme der Verdinglichung, soweit sie ein behavioristischer „Test“ für den Leib ist (also was ich gegen die Reproduktionsarbeit hatte) nur das Reversbild einer undialektischen Ontologie des Leibs, wie sie in dieser Arbeit nun hervortritt. Ich glaube, dass unsere Diskussion dann fruchtbar (immer im Hinblick auf die Ultima philosophia, die Passagen) wird, indem es mir gelingt, diese beiden kritischen Motive in ihrer Einheit Ihnen einsichtig zu machen. Und nichts erhoffe ich mir mehr von unserem Zusammensein.

literário a partir deste emudecimento. Este é o motivo da atenção ao corpo, ao gesto, à imagem, ou seja, àqueles elementos que colocam em questão a articulação do discurso narrativo. “Não se observou ao final da guerra que as pessoas voltavam mudas do campo?”256 Esta constatação geral

se torna um desafio para a literatura na medida em que Benjamin a compreende na década de 1930 a partir do vínculo entre narração e experiência. A instauração de um narrador não é um fenômeno exclusivamente literário, mas é também o produto da articulação entre literatura e experiência histórica. A imagem do homem mudo na paisagem devastada, que volta para casa sem conseguir traduzir em palavras o cruzamento de experiência pessoal e experiência histórica coletiva, se traduz no esvaziamento de sentido da palavra transmitida, um fenômeno que não se reduz à sua importância para práticas artísticas, mas se estende também à reflexão historiográfica de Benjamin, uma vez que escrever história também é narrá-la com a intenção de transmiti-la às gerações futuras.

Em Experiência e Pobreza, Benjamin se vale de uma antiga história para apontar o vínculo tradicional entre a experiência e sua transmissão pela palavra.

Em nossos livros de leitura havia a parábola de um velho que no momento da morte revela a seus filhos a existência de um tesouro enterrado em seus vinhedos. Eles só tinham que cavar. Os filhos cavam, mas não encontram qualquer vestígio do tesouro. Com a chegada do outono, as vinhas produzem mais que qualquer outra na região. Só então compreenderam que o pai lhes havia transmitido certa experiência: a prosperidade não está no ouro, mas no trabalho.257

Entre esta forma de composição da experiência pela sua transmissão às gerações futuras e a geração que sobreviveu à I Guerra há uma ruptura histórica. “Sabia-se exatamente o significado da experiência: ela sempre fora comunicada aos jovens. (...) Que foi feito de tudo isso? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? (...) Quem é ajudado hoje por um provérbio comum?”258 Segundo os

estudos de Jeanne Marie Gagnebin, a relação entre narração e experiência em Benjamin

pressupõe uma tradição compartilhada e retomada na continuidade de uma palavra transmitida de pai a filho (...). Esta tradição não configura somente uma ordem religiosa e poética, mas desemboca também, necessariamente, numa prática comum; as histórias do narrador tradicional

256 Benjamin, „Experiência e Pobreza“, GS II-1, p. 214; OE I, p. 115. “O Narrador”, GS II-2, p. 439; OE I, p. 198. 257 Benjamin, “Experiência e Pobreza”, GS II-1, p. 213-4.

não são simplesmente ouvidas ou lidas, porém escutadas e seguidas; elas acarretam uma verdadeira formação (Bildung), válida para todos os indivíduos de uma mesma coletividade.259

Em “O Narrador”, Benjamin identifica as condições materiais desta relação entre narração e experiência em sociedades artesanais, anteriores à divisão social do trabalho do capitalismo industrial. Num espaço privilegiado da oficina, cruzam-se e depositam-se os saberes provenientes da relação com a distância espacial e temporal, os quais formam o acervo do narrador tradicional. Por isso, a palavra do narrador, como a do moribundo, é dotada de autoridade, originária não de uma sabedoria particular, mas do vínculo com uma história comum, compartilhada pela comunidade de ouvintes na sucessão das gerações. Com o desaparecimento destas condições materiais, enfraquecem-se também as condições para a formação de um sentido sedimentado e transmitido pela tradição. Pois o sentido não é definido por Benjamin como um conteúdo fixo aprendido e passado adiante. Ele se constitui, muito mais, no próprio processo de sua transmissão que o transforma e o atualiza em cada etapa de sua sobrevida como o elo vivo entre presente e passado. O sentido enraizado na tradição diz respeito, portanto, ao próprio processo histórico de sua transmissão.

Benjamin identificou no conselho o vínculo entre esta constituição de sentido e uma forma de saber voltado para a vida prática. O conselho é uma orientação para a ação, fundada na autoridade da tradição, que se apresenta como ensinamento moral, provérbio ou norma de vida. Ele não se reduz, porém, ao conteúdo transmitido, mas só se constitui como atualização do saber tradicional em virtude de sua especificidade narrativa, como uma história extraída do fundo da tradição coletiva para ser continuada na história pessoal de cada um. “Aconselhar, diz Benjamin, é menos responder a uma pergunta que fazer uma sugestão sobre a continuação de uma história que está sendo narrada. Para obter essa sugestão, é necessário primeiro saber narrar a história (sem contar que um homem só é receptivo a um conselho na medida em que verbaliza a sua situação)”.260 Neste contexto, o silêncio observado no retorno da I Guerra corresponderia à

dificuldade do homem desorientado em verbalizar a própria situação, desorientação esta que se funda no esvaziamento de sentido da palavra transmitida: nenhum saber legado pela tradição é

259 Gagnebin, op. cit., p. 66. Uma abordagem abrangente da questão da narração em Benjamin também pode ser

encontrada em Luis Inácio Oliveira Costa. Do canto e do silêncio das sereias. Um ensaio à luz da teoria da

narração de Walter Benjamin. PUC/SP, Dissertação de mestrado, 2005.

capaz de orientar o homem numa paisagem devastada pela “guerra de trincheiras, pela experiência econômica da inflação, pela experiência do corpo na guerra de material”.261

Deste diagnóstico de ruptura entre narração e experiência tradicional, Benjamin conclui a dificuldade da narrativa ainda ser caracterizada como uma forma de transmissão da verdade. “O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome: sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção”.262 Esta mesma

definição da sabedora como o aspecto narrativo da verdade servirá a Benjamin para caracterizar, numa carta a Scholem de 1938, o caráter enigmático das parábolas de Kafka como uma “doença da tradição”. Com isso, ele tece o fio entre os problemas mais amplos de seu ensaio sobre “O Narrador” com suas análises específicas das obras de Kafka e Brecht. Pois não é só em Kafka, mas também em Brecht que Benjamin reconhece, na problematização do gênero tradicional da parábola pelo teatro pedagógico, uma nova constelação entre arte e verdade num contexto distinto daquele apresentado pela bela aparência.

Originalmente uma forma persuasiva na oratória antiga – os gregos situavam a parábola entre as artes retóricas e não entre as artes poéticas263 – e um gênero narrativo próprio à

transmissão dos ensinamentos bíblicos dos Evangelhos e da tradição judaica, como salienta Benjamin em referência a Kafka, a parábola se tornou uma forma pedagógica por excelência graças à concisão e ao arranjo esquemático que permitia ao leitor passar do enredo à doutrina, da figuração à idéia. A composição narrativa propriamente dita – ou o conteúdo narrado – é secundária em relação ao ensinamento que o leitor ou ouvinte deve extrair dela. Seu sentido não depende tanto das artimanhas de sua composição literária quanto de sua dimensão utilitária. Dito de outra forma, ela não se sustenta por si mesma, mas pelo ensinamento ao qual ela reenvia enquanto ordenação transcendente atualizada no momento de sua transmissão. A parábola exige assim movimentos de passagem entre o particular e o universal possíveis apenas numa comunidade de sentido dada por certa ordenação cultural, tradicional ou espiritual do mundo, representada no processo de compreensão estabelecido entre o narrador e seus ouvintes ou leitores. Em todas as suas aparições – no orador antigo, no pregador medieval, no moralista

261 Benjamin, GS II-2, p. 439; OE I, p. 198. 262 Benjamin, GS II-2, p. 442; OE I, p. 200-1.

263 Cf. Norbert Miller. Parabel als “Lehre” und “Vorgang”. Brecht und Kafka. In Theo Elm / Hans Helmut Hiebel

(Hrsg.). Die Parabel. Parabolische Formen in der deutschen Dichtung des 20. Jahrhunderts. Frankurt am Main, Suhrkamp, 1986, p. 256.

barroco e no iluminista confiante no poder esclarecedor da razão – o narrador de parábolas confia

Documentos relacionados