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Capítulo 5: Polêmicas entre Dilthey e a escola de Baden

5.1 Crítica de Windelband às ciências do espírito

Windelband demonstrou em 1894 sua insatisfação com o princípio de separação tradicional das ciências que seguia a antinomia entre natureza e espírito:

É corrente hoje recorrer, para a classificação destas disciplinas encaminhadas ao conhecimento do real, à divisão entre ciências da natureza e ciências do espírito. A mim me parece que essa divisão, pelo menos na forma como se apresenta, não é muito feliz. A antinomia de natureza e espírito é uma antítese objetiva que adquire relevo destacado nos últimos tempos do pensamento antigo e nos primórdios do pensamento medieval e se mantêm em pé rigidamente na moderna metafísica, desde Descartes e Spinoza até Schelling e Hegel. (...) A isto, deve-se acrescentar que esta antinomia de objetos não implica necessariamente uma antinomia de métodos de conhecimento. (WINDELBAND. 1949i, p.315)

A argumentação apresentada trata de que não se deve fazer com que a classificação das ciências siga a lógica dos objetos. Ao invés disso, o caminho indicado é que siga a diferença de métodos53. Dilthey não discordará deste aspecto. Não sendo no âmbito dos objetos, a questão volta-se então para o método, ainda conforme Windelband:

Podemos pois dizer que as ciências empíricas buscam no conhecimento do real uma de duas coisas: bem o geral sobre a forma de lei natural, bem o especial sobre a forma determinada pela história. Contemplam de uma parte a forma permanente e imutável, de outra o conteúdo transitório, determinado por si mesmo, dos eventos reais. Umas são ciências de leis, outras de eventos; as primeiras apresentam o que sucede sempre, as segundas o que há sucedido uma vez. No primeiro caso, o pensamento científico é – se nos permite cunhar novos termos técnicos – nomotético, no segundo caso idiográfico. E se preferirmos nos ater a nomenclatura usual, podemos seguir dizendo, no sentido que acabamos de expor, da antítese entre ciências naturais e disciplinas históricas, sempre e quando não percamos de vista que a psicologia entra, desde esse ponto de vista metodológico, indiscutivelmente, no grupo das ciências naturais. (WINDELBAND. 1949i, p.317)

O que está colocado aqui de forma impositiva: que a psicologia deveria ser classificada dentre as ciências naturais, não foi ainda explicado. Os motivos precisam ser apresentados, pois era esta a questão que fomentou o debate com Dilthey. Essa questão da psicologia foi apresentada assim de modo tão enfático, pois foi ela que chamou a atenção de Windelband para as dificuldades que implicam, segundo a tradição do pensamento alemão, uma ciência que tem por

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Isto é certamente correto, a especialização científica caminha nesse sentido, atualmente este caráter é evidente, muito freqüentemente a antropologia tem os mesmos objetos que a sociologia e esta também possui objetos comuns com a ciência política e esta com a economia, todas elas possuem objetos muitas vezes históricos ou comuns com a psicologia social, o que as difere fundamentalmente é seu método, para não dizer que são suas vertentes teóricas e literárias.

objeto justamente o espírito (Geist) no sentido de mente. Apesar deste fato, de que a psicologia já era protagonista das discussões do idealismo alemão, para Windelband a psicologia experimental, a psicologia como ciência moderna, havia se distanciado completamente dos propósitos filosóficos do idealismo, assim como o que Hegel chamava de “ciência” (Wissenschaft) já se encontrava distante das ciências da virada do século XIX para o século XX.

Dilthey havia apresentado sua fundamentação para as ciências do espírito em sua obra: Introdução às ciências do espírito. As opiniões de Windelband irão atingir precisamente o sistema que Dilthey visava para as ciências do espírito, ao afirmar que:

Ninguém se atreveria entretanto a seguir sustentando hoje que os feitos das chamadas ciências do espírito só podem comprovar-se pela via da percepção interior. E sobretudo, a incongruência entre princípio objetivo e o princípio formal da classificação se revela na existência de uma disciplina empírica tão importante como a psicologia que não pode encaixar-se em nenhum dos grupos, nem das ciências da natureza nem entre as do espírito. Com efeito, se bem que por seu objeto, a psicologia só pode caracterizar-se como ciência do espírito e em certo sentido como a base de todas as demais ciências dessa classe, todo seu modo de proceder, seu comportamento metodológico é, desde o princípio até o fim, o das ciências da natureza. Deverá aqui resignar-se a que se qualifique, alguma e outra vez, como ‘a ciência natural do sentido interior’ ou inclusive como ‘a ciência natural do espírito’. (WINDELBAND. 1949i, p.315-16)

O que fica evidente, a partir deste trecho, são estes problemas que a psicologia apresenta por ter um objeto das ciências do espírito e um método das ciências naturais. Isto que era problemático para Windelband, não era para Dilthey. Ao contrário, Dilthey defendia como algo positivo justamente que os métodos naturais e descritivos operem sempre juntos. Além disso, ao afirmar “Ninguém se atreveria a seguir sustentando hoje que os feitos das chamadas ciências do espírito só podem comprovar-se pela via da percepção interior” encontramos um afronte direto a Dilthey sendo que ele sustentava justamente isto na Introdução as ciências

sistema de Dilthey de ultrapassado. O método de Dilthey para a psicologia era fundamento de sua visão histórica e tinha justamente este tipo de princípio: como foi visto no capítulo três, a “Weltanschauung” (visão de mundo, ou visão cosmológica) que só poderia operar pela “revivência” (Nacherleben)54.

Também por esse motivo, a crítica de Rickert confrontava o método de Dilthey pela distinção entre Verstehen de Nacherleben. Assim, ainda que propusesse uma “crítica da razão histórica”, isto é, a separação entre o ato crítico e sua história, Dilthey não pôde superar o ponto de vista romântico, pois não partia de um ponto de vista crítico-filosófico autêntico.