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O Problema dialético no pensamento de Max Weber segundo Lukács

Capítulo 8: O neohegelianismo e os limites do irracionalismo filosófico segundo

8.2 O Problema dialético no pensamento de Max Weber segundo Lukács

Não é nada simples identificar como Weber se posicionava diante deste contexto em suas reviravoltas. Já foi demonstrado como Weber compartilhava da crítica dos neokantianos a essa primeira corrente do panlogismo, o que está presente nos textos sobre Stammler, Roscher e Knies. Num segundo momento, Weber, influenciado pelas polêmicas dos neokantianos com Dilthey, reformulou a questão da irracionalidade, mas não de forma determinista. Após essa fase de crítica, Weber resgata o caráter “unívoco” da razão como interpretação/compreensão dos limites históricos em que ela se apresenta, propondo o uso metodológico compreensivo da razão, na forma dos tipos. Essas formulações teóricas de Weber já foram apresentadas, mas ainda é preciso identificar como Lukács caracterizava o pensamento de Weber considerando as linhas gerais do neohegelianismo, para definirmos com precisão o problema dialético, cuja solução de Max Weber ainda não foi apresentada.

Lukács inicia os comentários sobre Max Weber quanto a sua oposição ao materialismo marxista, no caso uma oposição que se deve principalmente ao fato de não concordar com a “prioridade do argumento econômico” (cf. Lukács. 1959, p.487). O intuito de Lukács é demonstrar como Weber está por oposição ao materialismo mais próximo da tradição idealista. E a tradição idealista havia então tomado os rumos que foram apresentados anteriormente, mantinha inclusive o título de ciência do espírito, designando a área do saber que denominamos ciências humanas ou humanidades. Mas a posição de Max Weber não é, entretanto, um mero retrocesso em relação ao materialismo, e aquilo que o coloca como interprete pós- hegeliano, embora também o faça operar o método com excessivo rigor, demonstra, por outro lado, os avanços teóricos de seu ponto de partida crítico.

Para Lukács, a forma como Weber se contrapõe à corrente materialista se deve, por um lado, à influência de Werner Sombart e de Georg Simmel quanto ao “espírito do capitalismo”, mas remonta também, por outro, a rigidez metodológica do formalismo neokantiano e por assim dizer, seu “medo do erro”. O irracionalismo toma seu caráter obscuro em Weber por haver nele essa dupla influência contraditória dentro da interpretação weberiana:

Como se vê, também a sociologia, compreendida à maneira de Max Weber, discorre pelo curso da ciência geral do espírito, da interpretação científico- espiritual, idealista, da história. E tampouco aqui se deixa de lado o matiz irracionalista, ainda que Max Weber seja, quanto a suas intenções conscientes, um adversário do irracionalismo. É precisamente nesta sociologia onde se revela a necessidade de que o racionalismo capitalista brote do solo do irracionalismo, e até de que esse irracionalismo sirva, em rigor de base a todo o movimento. (LUKÁCS. 1959, p.488)

Lukács indica que haveria um efeito indesejado no pensamento de Max Weber pela ressalva: “quanto a suas intenções conscientes”. Isto é, reconhece que sua oposição ao irracionalismo partia da visão crítica dos limites deste neo- romantismo. Mas também faz notar a sina que há neste posicionamento crítico de

Weber: a crítica ao irracionalismo da filosofia da vida não o impediu de caminhar em direção, fatalmente, ao irracionalismo. Nesse trecho em que Lukács se refere à busca de Weber pelo espírito capitalista nos valores da ética religiosa, pode-se identificar como a abordagem da racionalização do capitalismo possui princípios irracionais, resgatados da cosmologia religiosa. Mas esses princípios religiosos são irracionais apenas para Lukács; para Weber eles não se apresentam necessariamente sob a forma de um irracionalismo. Weber fazia uma problemática, mas intencional, aproximação de elementos irracionais e racionais visando explicar o capitalismo. Era assim que Weber pretendia evitar tanto o ponto de vista preso à esfera econômica como também o uso do método dialético. Diferente de Lukács, para Weber, o pensar antinômico moderno não se limita ao pensar burguês.

O problema fundamental se encontra no fato de que estes traços da perspectiva histórica irracionalista assumem a forma de uma contradição, e essa forma impõe limites quando se pretende fundamentá-la por princípios metodológicos. Segundo Lukács, essa dificuldade é resultado da combinação conflituosa no pensamento de Weber entre a interpretação histórica de influência romântica e as considerações teóricas do neokantismo.

Como foi visto, o neokantinsmo era o principal antagonista das correntes românticas, da filosofia da vida. A posição de Weber se mostra extremamente complexa, mas também original, por unir certos traços do irracionalismo romântico da história junto a constantes ressalvas teóricas que conservam o teor da crítica neokantiana, admitindo certa irracionalidade histórica sem assumir uma abordagem romântica do ponto de vista filosófico.

Em resumo, o que Lukács está propondo, e isso remete diretamente às conclusões sobre o neohegelianismo, é novamente uma fatalidade decorrente da

refutação do método dialético. O irracionalismo do pensamento de Max Weber resulta desse limite. Weber estaria se recusando a identificar as forças opostas na história, negando a essência do movimento histórico, e, com isso, se contradiz freqüentemente em afirmar que tal aspecto é racional, mas teria seu fundamento na irracionalidade, e também que algo irracional não pode ser adequado para fundamentar a explicação para cumprir os cânones científicos. Com isso, Weber “sob a aparência de exatidão apresenta, na realidade, uma complexidade extraordinariamente confusa” (LUKÁCS. 1959, p.495).

Esse diagnóstico de Lukács parece identificar com exatidão a questão central, e sua interpretação do pensamento de Weber é também concisa e coesa em concluir que “o irracionalismo é a forma que adota, como resultado disto, a tendência a esquivar da solução dialética de problemas dialéticos” (cf. Lukács. 1959, p.497). Lukács parece haver desatado o nó que mantinha o pensamento de Weber na forma de uma “complexidade extraordinariamente confusa”. Embora todo este imbróglio se explique facilmente pela refutação do método dialético, e embora essa seja uma das mais brilhantes maneiras de apresentar o problema central do pensamento de Weber, a questão não pode se esgotar aí. E, mesmo que se esgotasse, o método crítico adverte, e com toda a propriedade, que não podemos tomar conclusões, como essa de Lukács, de forma dogmática. Foi preciso refazer, nós mesmos, todo esse trajeto, o que justifica, aliás, toda trajetória filosófica revisada nesta investigação.

Entretanto, não devemos nos contentar com essa solução, por mais tentadora que pareça, porque Weber, bem como os neokantianos, mostrava-se plenamente consciente dessa trajetória filosófica. Por mais que esta refutação os tenha levado a questões que não puderam resolver de forma satisfatória, sua crítica não perde, por

isso, a validez. Diz ainda Lukács, que “o conseqüente pensamento de Max Weber faz com que estas conseqüências irracionalistas se acusem nele com maior clareza do que no neokantismo” (LUKÁCS. 1959, p.497). E de fato a posição metodológica apresentada por Weber tem um valor explicativo extremamente relevante por sua exatidão em mostrar os problemas teóricos neokantianos no campo das ciências do espírito. Por ela podem-se elucidar as mais variadas contradições existentes por trás do método das ciências humanas, e, por isso, também não deve ser reduzida como mero reflexo da refutação do método dialético:

Max Weber combate o irracionalismo antiquado da sociologia alemã de Roscher, Knies e Treitschke; se manifesta contra o irracionalismo mais moderno, mas ainda simplista, de Meinecke e zomba dele com as seguintes palavras ‘segundo isto, a conduta humana encontraria seu sentido específico no fato de ser

inexplicável, e portanto, incompreensível’. Ele se manifesta com a mesma atitude

irônica sobre o conceito da personalidade do irracionalismo romântico, ‘que a pessoa compartilha em absoluto com os animais.’ Mas esta engenhosa e certeira polêmica contra o irracionalismo vulgar, desde então em voga, não destrói o miolo irracional do método da visão de mundo de Max Weber. (LUKÁCS. 1959, pp.497-498)

É certo que Max Weber tinha consciência das questões filosóficas que o conduziram da crítica ao irracionalismo das correntes históricas românticas, para, em sua última fase, fundamentar um método de sociologia compreensiva com base em princípios racionais, mas ele não visava superar filosoficamente os princípios da irracionalidade da realidade da corrente neokantiana, como Lukács defendia que se fizesse. Embora Weber faça uso da perspectiva neokantiana, dos limites críticos do método para as ciências humanas, isso não o conduziu ao método dialético como solução para estes dilemas, porque, diferente de Lukács, Weber não visava justificar

uma práxis.

Os limites irracionais que se mostravam invariavelmente válidos, segundo Lukács, são os problemas dialéticos que reivindicam uma solução dialética. São

essas polêmicas que nos conduzem, a compreender o que seria o “ponto mais alto” a que chegou o pensamento de Max Weber.

Também neste ponto há que se assinalar a posição especial que ocupa Max Weber, sobretudo porque, sua luta contra o irracionalismo, o eleva a um grau ainda mais alto. Max Weber defende-se reiteradamente contra as censuras do relativismo, mas considerando seu método agnóstico-formalista como o único científico, posto que, a juízo seu, não é permitido introduzir na sociologia nada que não seja suscetível de provar-se de um modo exato. Segundo ele a sociologia só pode nos oferecer uma crítica técnica (...) junto a eventual consecução do fim perseguido. Todo o demais cai, segundo Max Weber, fora da ciência, é objeto, pois, da fé e portanto, algo irracional. (LUKÁCS. 1959, p.496)

Agora nos cabe verificar como Weber se posicionou diante desse “problema dialético”. Embora não tenha tomado a solução que Lukács considerava como solução mais elevada, Weber buscou uma solução análoga à dialética para abordar a dinâmica histórica de forma conceitual, e isso será apresentado no próximo capítulo. Como agora o problema central mostrou-se na sua forma mais elementar, temos, então, condições de verificar como Weber se posicionou diante deste problemadele. E como já se demonstrou que Weber soube identificar corretamente o problema, cabe agora investigar se ele de fato não o pode superar, ou melhor, se

ele admitia a possibilidade e pretendia superá-lo.

Esse é agora o objetivo final, havendo identificado o “problema dialético” em Max Weber e também como este problema se manifestou em diferentes dicotomias e antinomias pré-figuradas no debate entre Windelband e Dilthey, o próximo capítulo irá, colocando em outras palavras, identificar como Weber apresentou uma resposta não-dialética para o que denominou Lukács, “problema dialético”. A principal chave para compreendermos a maneira como Weber buscou construir uma interpretação da dinâmica histórica, respeitando as questões filosóficas que foram apresentadas, está na concepção weberiana de carisma.