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Desvios da interpretação kantiana de Rudolf Stammler

Capítulo 4: Neohegelianismo nos primeiros textos metodológicos de Weber

4.1 Desvios da interpretação kantiana de Rudolf Stammler

Este primeiro passo irá trazer a tona um texto escrito no que seria a primeira etapa, foi escrito dentro do mesmo intervalo de tempo em que Weber escreveu o

problema da objetividade cognitiva nas ciências sociais.

Para Weber o ponto de vista kantiano não implica a recusa das pretensões de se buscar leis, mas em um alerta sobre a distância entre estas leis e a realidade a que elas se aplicam. Este é o espírito crítico kantiano, é por ele que se percebe o uso negativo e como este não exclui a possibilidade de um uso positivo, mas antes, serve para alertá-lo e preveni-lo de seus limites.

Neste texto, Weber apresenta como Stammler aplicou à realidade social o princípio de que ela seria regida por leis ou axiomas. Entendendo estas leis de modo a confundir seu caráter lógico (i.e. rigorosamente teórico) com a realidade concreta. Por esse procedimento, Stammler incorria, na verdade, em um grande retrocesso em termos de história do pensamento.

O último equívoco é um retrocesso, de Kant, a (no mínimo) Hume34, o primeiro equívoco, nos leva ainda muito antes: na verdade, é um retorno de volta à escolástica. E toda a argumentação de Stammler está, entretanto, baseada neste lapso de petrificação escolástica. (...) Considerando este erro, o qual é o pólo antitético do erro de se elevar a generalização empírica ao estatuto de uma categoria: em outras palavras, a tradução de categorias em proposições empíricas. Não se pode dizer que Stammler comete este erro de forma ‘explícita’. Ao contrário, ele visa fundamentar sua teoria do conhecimento no solo da teoria kantiana. Este erro é a conversão feita na transposição de princípios básicos de epistemologia em princípios heurísticos. (...) – E isto tudo nos é apresentado por um assim denominado ‘jovem’ kantiano!35 (WEBER 1977: 81-82)36

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Na tradução brasileira encontra-se uma discrepância neste trecho “um retrocesso de Kant e Hume” (WEBER. 2001b, p.224) No original Alemão: “ein Rückschritt hinter Kant bis (mindestens)

auf Hume” (WEBER. 2001, p.4711; Weber-WL, p.309). “bis” é literalmente “até” e “hinter”,

“atrás”. A tradução de Oakes apresenta algo semelhante ao original, e mantêm os parênteses como Weber os utilizou, embora divida os parágrafos de modo diferente do original.

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Mais um trecho problemático, em português: “e tais erros imperdoáveis nos são dados por um pretenso ‘discípulo’ de Kant (!).” (Weber, 2001 p.224) em inglês tampouco muito fiel: “And it is a

Em um primeiro nível, o problema da interpretação de Stammler representava um retrocesso de Kant a Hume, na medida em que desconsiderava o giro copernicano da filosofia de Kant e abordava a regularidade dos fenômenos e sua relação com leis, sem questionar a perspectiva que parte da correspondência acrítica entre a realidade e as leis lógicas.

Segundo Weber, Stammler tampouco diferenciava categorias de axiomas. Isto deixa implícito que ele não diferenciava as leis lógicas das categorias do entendimento, que confunde o aspecto meramente formal dos axiomas com os princípios e limites internos do entendimento humano.

O retrocesso maior está, segundo Weber, em defender juízos de valor nas ciências sociais como forma de construir um conhecimento da realidade. Não se trata apenas de buscar “leis naturais” para interpretar os fenômenos sociais, mas de identificar neles os valores superiores em conformidade com as leis descobertas, um retrocesso ainda maior praticado por um teórico que se apresentava como kantiano. É claro que Kant defendeu um ponto de vista universal e para tal uma fundamentação metafísica37, mas ignorar o aspecto crítico de seu pensamento ao buscar esses fundamentos só pode implicar este “retorno à escolástica”. Esta crítica, no que reclama uma interpretação mais elaborada de Kant, possui algo de análogo à crítica que Windelband dirige ao romantismo. Para adiantar um pouco a discussão

self-proclaimed ‘neo’-Kantian who serves up all of this!” (Weber 1977, p.82). No original,

conforme seguiu a presente tradução deste trecho: “- und solche Schnitzer tischt uns ein

angeblicher »Jünger« Kants auf!” (WEBER. 2001, p.4712; Weber-WL, p.310).

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Foi consultada a versão original alemã: Max Weber: R. Stammlers »Ueberwindung« der

materialistischen Geschichtsauffassung, segundo a Digitale Bibliothek Band 58: Max Weber. Dado

os diversos problemas da tradução brasileira do texto, embora tenha sido consultada a tradução para o inglês feita por Guy Oakes, foi feita uma tradução livre em reelaborar os trechos, observando o original, mantendo-se mais fiel possível, e no que o idioma português permite. O mesmo procedimento comparativo foi feito no texto sobre Roscher e Kines.

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Ver, por exemplo, Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, onde está presente a preocupação de Kant em buscar aspectos universais, mas nunca despida da crítica, sempre reconhecendo que esta visão cosmopolita pode não passar de ficção.

do próximo capítulo, Dilthey defendia, por exemplo, que o “clima, a alimentação, o meio geográfico condicionam o desenvolvimento físico e espiritual do homem, dos povos” (cf. Dilthey. 1945, p.342). Este tipo de determinismo era para Weber indicativo do retrocesso escolástico. Implica desconsiderar até o problema da indução de Hume.

O que caracterizava Stammler como escolástico, era justamente o elemento que o levava a crer estar coerente a Kant. Por limitar-se a um pólo da antinomia de Kant: o pólo determinista, Stammler incorria no erro que implica um retrocesso ao determinismo típico da época escolástica, na medida em que abordava a história por um primado de leis naturais. Stammler interpretava Kant de modo parcial, isolava os aspectos positivos da teoria, e deixava desde então de ser kantiano, re- instaurando assim uma metafísica tradicional.