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Tal como analisado nos capítulos anteriores, foi observado e analisado que a democracia, como conceito e regime, é fruto histórico de inúmeras contradições colocadas no plano da história, caracterizadas, dentre outros aspectos, pela disputa de poderes econômicos e socioculturais.

Nesse contexto, pode ser observado que a partir do nascimento do Estado constitucionalista burguês, a democracia burguesa tornou-se, em essência, o fundamento da racionalidade jurídico-institucional, política e mesmo ideológica, da vida em sociedade, incluindo-se aqui o próprio campo da educação, o qual se relaciona com a sociedade de cada época por meio da produção cultural de ideais e tipos humanos, os quais devido ao impacto da sua gestão e ação tratará de realizar. Em outras palavras, “a educação o é o reflexo de uma sociedade” (BARBOSA, 2017, p.14), e a sua práxis como gestão institucional de natureza político-pedagógica, procura transmitir necessidades, aspirações e desejos intrinsecamente relacionados a interesses e fatores econômicos sociais e ideológicos de seu tempo.

Diante da diversidade cultural produzida pelas inúmeras civilizações que já fizeram parte da humanidade, é sabido que “várias foram as experiências sociais de organização da educação criadas, sistematizadas e filosoficamente refletidas, para além da vida estritamente familiar, tal como ocorreu com a antiga Grécia pelos seus filósofos” (MUÑOZ PALAFOX, 2012, p.359).

Tal como foi visto em capítulos anteriores, a democracia grega surgiu no contexto de um processo de controle social organizado em castas, e, portanto, com um caráter que poderia ser denominado como de classe social, contexto este onde a educação foi organizada e promovida num contexto de competição e desenvolvimento de valores (aretes) viris e guerreiras, onde a superioridade militar fosse capaz de ser assegurada sobre o povo submetido e as regiões conquistadas.

Ao referir-se à educação em Atenas, Gadotti (1996), em sua obra intitulada, “Histórias das idéias pedagógicas”, o autor refere-se ao fato de que na polis grega foi instituído um processo filosófico-pedagógico onde as aretes (ou valores humanos) deveriam ser orientadas para a formação de sujeitos dispostos a “lutar pela liberdade”, motivo pelo qual o cidadão grego “bem-educado” deveria desenvolver conhecimentos, capacidades e habilidades para, em última instância, saber mandar e fazer-se obedecer. Isto, dada à necessidade social de reproduzir, em essência, a lógica de dominação imposta numa “democracia” onde os sujeitos

livres, mais não considerados cidadãos, os escravos e mulheres não tinham direitos, dentre eles, o do acesso à própria educação.

Em síntese, dentro da concepção e prática da democracia grega, a educação se tornaria um instrumento de formação de sujeitos reservada somente aos homens considerado, livres.

Por outro lado, vale mencionar que, dada a necessidade ideológica da classe dos nobres guerreiros (os áristoi), em dar resposta às forças sociais de grupos antagônicos, em determinados momentos, Tais grupos, orientados por interesses contrários a classe dos nobres guerreiros passaram a questionar o estilo de vida vigente e procuraram alargar os direitos e a participação do povo em contraposição às ideias e interesses dos áristoi.

Quando este confronto de forças ficou insustentável, além de começar o declínio da “democracia grega” grande parte do conhecimento idealista/dicotomizado produzido pelos filósofos da aristocracia passou a ser utilizado como conteúdo escolar em disciplinas rigidamente ensinadas, desviando-se, assim, a função original de se pensar o mundo a partir da Pólis, para o exercício do “comentário e da interpretação”. Ao fazer isto, a educação grega, sob comando dos áristoi, colocava- se acima dos problemas da cidade para começar a dizer às pessoas o que deveriam fazer (CASTORIADIS, 1992; SILVA, 2007), fazendo uso de uma filosofia idealista que ignorou a cidade e adquiriu vida própria (SILVA, 2007, p. 41 apud MUÑOZ PALAFOX, 2012, p.359).

Entretanto, apesar das contradições surgidas no contexto da democracia grega, é reconhecido o fato de que filósofos idealistas da época, como Platão, souberam aproveitar o seu contexto de vida para projetar, dentre outras coisas, estratégias e modelos educacionais que trouxeram profundas implicações ideológicas e políticas à vida da cidade.

Estas contribuições proporcionaram, dentre outros aspectos, elementos constituintes daquilo que hoje seria conhecido com o nome de “Educação formal”, que tem como base os seguintes elementos:

Baseada na implementação de políticas públicas ideologicamente caracterizadas para produzir e regular determinadas concepções de indivíduo, sociedade e mundo. Sob tal perspectiva, Savater (2006) assevera que cada vez que um sujeito toma consciência do mundo e age nele sem ser capaz de estabelecer seus próprios limites tanto no plano individual quanto no social, a sociedade termina fazendo-o por ele, por meio de dois históricos mecanismos de controle social: a educação e as leis (MUÑOZ PALAFOX, 2012, p.363-64).

Desta forma, é possível afirmar em caráter de síntese, que o nascimento da educação “formal” no contexto da antiga democracia grega e suas contradições sociais, passou a ser orientada, dentre outros aspectos, em caráter ideológico, para definir e, de certa forma, delimitar a formação dos sujeitos aos valores, princípios e mesmo interesses que constituem a base de uma determinada cultura. Isto é, com o tempo, a educação tornou-se, de alguma

maneira, por excelência, “a arma da censura”. É a forma que a sociedade tem para indicar o que não deve ser feito. A palavra em hebraico para “educação” é jinuj, que pode implicar “educação” ou em seu extremo, “afogamento”, “sufoco” (SAVATER, 2006, p. 22-23).

Posteriormente, seguindo parte da tradição educacional grega, em Roma, a Educação foi assumida, após a “helenização” da sua cultura, como um processo “utilitárista e militarista” organizado pela disciplina e a justiça, mas, tal como os gregos o fizeram, a educação das elites não valorizou o trabalho manual, a qual foi baseada, dentre outros, num método de ensino denominado de humanitas61. Isto, enquanto aos plebeus não era oferecida formalmente instrução alguma. Segundo Barbosa (2007), o conteúdo da educação romana durante a primeira fase de sua história, foi baseado na “aprendizagem prática” para os deveres da vida agrícola e pastoril, visto que neste período os romanos formavam uma comunidade campestre. Contudo, depois da helenização62 de sua cultura, resultante das suas conquistas, Roma, recebeu uma forte influência dos gregos na sistematização do ensino escolar.

Como a cultura e a literatura grega influenciaram à elite romana, e esta não foi estendida às massas,

[...] fundaram-se bibliotecas e universidades. Porém, aos poucos, essas influências gregas foram se perdendo e a educação se tornou formal e irreal. Consequentemente, a vida romana tornou-se corrupta, o governo despótico e a nova educação ministrada pela primeira Igreja Cristã veio, gradualmente, substituir a velha (BARBOSA, 2007, p.21).

Dentro deste contexto, às classes pobres de Roma, era oferecida apenas a obrigatoriedade e a responsabilidade pela produção material da existência das elites, uma relação baseada na exploração. Situação esta, que a educação romana não previa eliminar por meio de uma ruptura que objetivasse dar fim a exploração de um homem por outro.

Assim, o modelo de educação romano, a exemplo do grego, foi totalmente elitista, uma vez que não permitira as classes subalternas acessarem-na. A educação romana foi

61 A humanitas seguia as seguintes fases: ditado de um fragmento do texto, a título de exercício ortográfico;

memorização do fragmento; tradução do verso em prosa e vice-versa; expressão de uma mesma ideia em diversas construções; análise das palavras e frases; composição literária (GADOTTI, 1996, p.42).

62 Helenização é um termo usado para descrever a difusão da cultura da Grécia Antiga e, em menor escala,

de seu idioma. É usado principalmente para descrever a difusão da civilização helenística durante o período homônimo, que se seguiu às campanhas de Alexandre, o Grande, rei da Macedônia. O resultado do processo de helenização foi que elementos de origem grega combinaram-se, de diversas maneiras e intensidades, com elementos locais, formando o que recebe o nome de helenismo. Em tempos modernos, a helenização foi associada com a adoção da cultura grega moderna e a homogenização étnica e cultural da Grécia. Fonte: Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Heleniza%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 11 Mar. 2018

voltada, exclusivamente, para o reforço e a legitimação da exploração da classe dominante (patrícios) sobre as classes dominadas (plebeus e escravos).

A partir da queda do império romano e o surgimento da Idade Média (séculos XII e XIII), a educação dos sujeitos passa a ser estruturada e fundamentada em grande parte com base nos princípios e fundamentos da fé cristã, como doutrina religiosa.

No entanto, esta doutrina não foi capaz de dar fim as desigualdades existentes entre os seres humanos, devido ao fato de permanecerem no âmbito da estrutura econômica feudal a organização social baseada na distinção de classe, a qual a igreja manteve e perpetuou nesse período.

À medida que no período medieval, o clero e a nobreza foram sendo estruturadas e consolidadas no contexto do modo de produção feudal, a educação “formal” terminou ficando basicamente sob a responsabilidade do clero, tanto para a formação dos seus representantes quanto da nobreza, a qual foi concebida em busca do “cavaleiro perfeito”, seguidor dos preceitos e desígnios do Deus cristão, considerando, dentre outros aspectos, que a profissão da nobreza consistia basicamente, em cuidar dos seus próprios interesses.

Quanto aos servos, estes recebiam inicialmente um tipo de instrução transmitida de pai para filho, à medida que tinham que se preocupar com as ocupações relativas às suas atribuições nos feudos como forma de garantir a sua sobrevivência. Ainda neste período, as mulheres pobres continuaram a ser excluídas de qualquer possibilidade de acesso a educação, limitando-se a trabalhar junto a seus maridos e filhos, ambos analfabetos (ARRAIS, 2018).

A sistematização da educação formal avançou na idade média com a criação das universidades de “Paris, Bolonha, Salermo, Oxford, Heidelberg e Viena” (GADOTTI, 1996, p.55). Tais instituições eram frequentadas pelo clero, nobreza e mais tarde pela nascente burguesia, ou seja, por pessoas de posses.

Sob o crivo da Igreja Católica, é possível afirmar que a educação medieval foi concebida e colocada em prática para atender, básica e absolutamente, aos seus dogmas, doutrinas e interesses econômicos e sociais, ressaltando aqui que este tipo de educação foi estruturada sob a égide de governos absolutistas, centrados na figura dos reis e na figura do Papa, no Vaticano.

No período renascentista (séculos XIV a XVI), diante do declínio do poder da igreja, a educação passa a ser direcionada para contribuir com a formação do homem burguês, ou seja, do sujeito social que compunha a classe, que mais adiante se tornaria a hegemônica com o advento da modernidade e o surgimento da democracia burguesa.

Segundo Gadotti (1996), a Educação do período renascentista caracterizou-se fundamentalmente pelo elitismo, pelo aristocratismo e pela promoção da concepção de mundo individualista-liberal. Época em que somente o clero, a nobreza e a burguesia nascente continuavam a ter acesso e o privilégio de serem educados conforme as doutrinas educacionais desta época, permanecendo ainda, como um objeto muito distante do alcance das massas populares.

Insta destacar que, com o advento da Reforma Protestante, no século XVI, a igreja católica temendo perder seus poderes, criou a companhia de Jesus (1534) para que os jesuítas convertessem os hereges, com o intuito de alimentar os “cristãos vacilantes” (GADOTTI, 1996, p.65), tornando-se assim, a educação um instrumento ideológico de combate ao protestantismo e toda forma herética da doutrina cristã, encaminhando-se principalmente para a formação do homem burguês.

Em síntese:

Os jesuítas exerceram grande influência na vida social e política. Contrários ao espirito crítico, eles privilegiaram o dogma, a conservação da tradição, a educação mais cientifica e moral do que humanista. [...] Seu lema: ‘obediência ao papa até a morte’. Para isso, diziam, era preciso ‘enfaixar-se a vontade’, como são enfaixados os membros dos bebês. Os jesuítas desprezaram a educação popular. Por forças das circunstâncias tinham de atuar no mundo colonial em duas frentes: a formação

burguesa dos dirigentes e a formação catequética das populações indígenas. Isso

significava: a ciência do governo para uns e a catequese e a servidão para outros. Para o povo sobrou apenas o ensino dos princípios da religião cristã (GADOTTI, 1996, p.65).

Considerando que uma das grandes atividades da idade média foi relacionada com as grandes travessias marítimas que conduziram à conquista de grandes territórios, sendo um deles a América, vale destacar aqui o caso do Brasil, descoberto e colonizado oficialmente no dia 22 de abril de 1500, no século XVI pelos portugueses.

Nesse período, interessava a Portugal que o povo nativo (indígena) dessa terra fosse catequizado, motivo que originou a chegada dos jesuítas no ano de 1549, incumbidos de organizarem às populações indígenas em torno de um regime que combinava trabalho e religiosidade para submeter a população nativa aos costumes e valores portugueses.

Neste sentindo, no que tange a educação Brasileira, é possível inferir que as suas bases filosófico-pedagógicas durante a época da colônia, reproduziram os interesses e os valores da sociedade portuguesa, por um lado, quanto ao caminho destinado à formação das suas elites, e por outro, os interesses e valores catequéticos, de natureza religiosa destinada a, literalmente, alienar as populações nativas, incluindo os escravos trazidos da África, a uma condição de submissão e inferioridade social, em relação aos colonizadores. Estaria, portanto, inserida no

Brasil colonial a base ideológica de controle social que sustentaria e legitimaria a exploração de seres humanos numa das perspectivas de organização socioeconômica característica do modo de produção feudal.

3.9 Crítica da educação e do ensino na modernidade: o ensino público no contexto do Estado