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Os acontecimentos ocorridos durante O Renascentismo e suas sucessivas transformações culturais deram origem no século XVIII à era do Iluminismo. Movimento no qual os filósofos acreditavam inaugurar uma era de luz, onde o poder da razão levaria a humanidade a se libertar dos grilhões da ignorância, da superstição e do despotismo com os quais tiranos e sacerdotes haviam aprisionado gerações passadas, em consonância com o desenvolvimento econômico impulsionado pelo mercantilismo e a globalização do modo de produção capitalista sob o domínio da classe burguesa (PERRY, 2015).

O Iluminismo é considerado um período histórico culminante para as sucessivas transformações culturais vividas até então pela sociedade europeia.

Desde o Renascimento, o homem moderno foi ampliando a confiança em si mesmo, no poder da razão e na liberdade de pensamento. Muitos pensadores passaram a lançar teorias novas sobre os mais diversos assuntos: Deus, terra, planetas, homem, sociedade. A Igreja, os reis absolutistas e a nobreza conservadora, todos muito criticados, não gostaram dos ataques ao Antigo Regime. Mas as novas idéias foram se proliferando até constituírem o Iluminismo, movimento cultural de grande importância para a história contemporânea (COTRIM, 1999, p. 243).

Os pensadores Iluministas, philosophes aspiravam criar uma sociedade racional e humana e, para alcançar esse intuito, queriam que as pessoas tivessem coragem de romper com as crenças e instituições que não resistissem ao exame da razão e do bom senso, buscando novos guias oriundos da razão (PERRY, 2015). Nessa linha de pensamento, o Iluminismo pode ser explicado da forma seguinte:

O iluminismo é à saída da sua menoridade de que ele próprio é culpado. A menoridade é incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem. Tal menoridade é por culpa própria se a sua causa não reside na falta de entendimento, mas na falta de decisão e de coragem sem se servir de si mesmo sem a orientação de outrem. Sapereaude! Tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento! Eis a palavra de ordem do iluminismo (WEINMAN 2015, p. 202,

apud KANT, 1995a, p. A 481-482, grifo do autor).

Como se percebe, o Iluminismo representa a instituição de uma sociedade totalmente diferente dos moldes anteriores com fundamentos e pressupostos distintos do que imperou durante toda a Idade Média. Não por acaso, é bem posta a colocação de que o movimento iluminista representou a época das luzes para a sociedade como um todo ao romper com as “trevas” impostas pelos ideais da Idade Média.

Nesse sentido, fundamentado numa uma visão idealista49, Kant entendeu que os povos da Idade Média tinham tido as suas mentes aprisionadas ao anacronismo causado pelos dogmas religiosos e pelo assédio dos reis absolutistas, mas a partir do Iluminismo novas condições transpareceram para que o ser humano procurasse ampliar ou resgatar a sua autonomia de pensamento. Isto, apesar de reconhecer que para o ser humano seria difícil se desprender da “menoridade” uma vez que esta “se tornou quase uma natureza” (KANT, 1995, p. 482-483).

Karl Marx50 estudou o Iluminismo a partir da perspectiva materialista histórica de mundo51. Para ele, este período representou o tempo do pensamento e da ideologia burguesa que seria fundamental para impulsionar definitivamente a estrutura de funcionamento do modo e das relações de produção capitalista.

Se para Kant o pensamento Iluminista possibilitou aos homens condições para que estes pudessem romper com a natureza de submissão, impostas durante os processos históricos marcados pela opressão nos campos sociais e políticos. Por sua vez Marx associou este tempo a imposição da Ideologia das classes dominantes que, Marx este período possibilitou à nascente burguesia legitimar esquemas de controle e dominação social, considerando que uma das finalidades da ideologia é envolver psicossocialmente as classes dominadas, fazendo-as inferiorizar e assumir valores e comportamentos úteis às classes dominantes (COTRIM, 1999).

Em síntese, se a Idade Média implicou num rompimento das formas de governo com as forças instituídas pela igreja, coube à burguesia, como classe social em ascensão, consolidar os alicerces que, tanto no plano estrutural quanto supraestrutural, dariam

49 Principais fundamentos do Idealismo com base em Novack (2015, p. 33); 1- O elemento fundamental da

realidade não é constituído pela matéria senão a mente ou o espírito; 2 - O pensamento gera os objetos materiais; atrás, ou antes, do mundo material está o Espírito ou a mente que o cria. A natureza pode ser a mãe, mas há um Deus Pai que a transcende; 3- Portanto mente ou Espírito são anteriores a matéria e independentes desta. O espírito é a realidade permanente; a matéria apenas um aspecto ou uma ilusão passageira; 4- A mente ou o Espírito é idêntico ao divino, ou emana deste.

50 Karl Marx (1818–1883) foi um filósofo e revolucionário socialista alemão. Criou as bases da doutrina

comunista, onde criticou o capitalismo. Sua filosofia exerceu influência em várias áreas do conhecimento, tais como Sociologia, Política, Direito, Teologia, Filosofia, Economia, entre outras. Fonte: Disponível em < https://www.ebiografia.com/karl_marx/>. Acesso em: 08 de out. 2017.

51 Principais fundamentos do Materialismo com base em Novack (2015, p. 32); 1- A proposição básica do

materialismo se refere à existência da realidade independente da existência da humanidade. Afirma que a matéria é a substância primordial, a essência da realidade. Tudo provêm da matéria e seus movimentos e ela é a base de tudo. 2- Segundo o materialismo a matéria produz o pensamento e este nunca existe independentemente da matéria. 3- [...] a natureza existe independentemente do pensamento, mas que este não pode existir se a matéria. O mundo material existia muito antes do começo da humanidade ou de qualquer pensante. 4- Fica excluída assim a existência de algum Deus, ou deuses, espíritos, almas ou outras entidades imateriais que se possa supor dirigem os atos da natureza, da sociedade e do homem ou influem sobre eles.

substância ao modo de produção capitalista, instituindo ideologicamente outras “amarras” destinadas à legitimação desta classe em relação às massas populares.

Por esse motivo, Marx considerou a história, não como um processo abstrato, mas sim uma história real de luta de classes, que originaria no futuro, um intenso conflito entre a burguesia e o proletariado, motivo pelo qual para este autor e seu colega Engels, a história de todas as sociedades até os dias atuais tornou-se “a história da luta de classes” (MARX; ENGELS, 2001, p. 47).

Para Marx e Engels, esta história pode ser analisada a partir do estudo das condições materiais que originaram as transformações nas formas de governo instituídas na idade média, dentro das quais a burguesia se estruturou e consolidou como classe por meio da prática do comercio associado ao impulso do mercantilismo. Classe esta, inicialmente subalterna em relação aos poderes políticos instituídos, e subordinada à intervenção do Estado nas relações comerciais, aspecto este combatido fortemente no Iluminismo à media que “feria o individualismo burguês e sua vocação para a livre iniciativa, sendo considerado, então, prejudicial ao desenvolvimento espontâneo do capitalismo” (COTRIM, 1999, p. 246).

No plano ideológico, o combate à interferência da igreja nas relações comerciais foi realizado por meia da intelectualidade burguesa, à qual partiu da premissa de que as convicções religiosas deveriam deixar de ser empecilho para as transações comerciais, e que o principio da “liberdade” deveria se sobrepor à ordem divina para garantir o desenvolvimento de uma “nova” sociedade juridicamente livre, dentre outros aspectos, para vender e comprar, e adquirir propriedade tornando esta privada. Condições estas fundamentais para que o comércio fosse possível entre as pessoas que detivessem propriedade de terra e meios de produção.

Em relação às formas de governo, a burguesia passou a defender que além do poder da igreja deveria ser combatido o despotismo52 praticado pelas monarquias. “Mal” que para esta classe não atendia mais aos seus interesses. Como exemplo disso, Perry (2015) cita Diderot, filósofo e escritor francês que na época defendeu a ideia de que o Iluminismo deveria tornar- se um “tempo de liberdade” (econômica e intelectual).

Para tanto, a intelectualidade burguesa passou a delinear o que para esta classe seria uma forma de governo instituída sob as bases da concepção burguesa de sociedade.

52 Os philosophes usavam o termo “despotismo esclarecido” em referência a um ideal compartilhado por muito

deles: Um governo por um monarca forte que implementasse reformas racionais e removesse os obstáculos à liberdade (PERRY, 2015, p.312).

Dessa forma, foi afirmado que Estado deveria ser organizado na forma de um governo constitucional capaz de proteger os cidadãos contra todo abuso de poder. Fator este que apesar de ser considerado preponderante não significou o apoio desta intelectualidade a implantação de um sistema de governo democrático, tal como defendia, por exemplo, Rosseau uma vez que muitos não concordavam com a democracia dado que, objetivamente, desacreditavam na capacidade das massas. “Os philosophes, na verdade, não se preocupavam tanto com a forma de governo – monarquia ou república -, mas, sobretudo com impedir que as autoridades [monárquicas e eclesiais] abusassem de seu poder” (PERRY, 2015, p. 298).

[...] quando, na Idade Média e por algum tempo depois, a organização social vigente induzia virtualmente a todos a aceitarem uma imagem do ser humano como humano em virtude de sua aceitação das obrigações de sua categoria ou sua “condição de vida”, atuará um sistema político hierárquico tradicional. Quando uma revolução comercial e industrial tiver alterado de tal modo às coisas que essa imagem não mais seja aceita, outra imagem será necessária. Se for a imagem de um homem como essencialmente consumidor e apropriador, obteremos nova consciência, que permitirá um sistema político inteiramente diverso. Se, mais tarde, em oposição a esses resultados, as pessoas vierem a pensar de si mesmas de algum outro modo, virá a ser possível e mesmo necessário outro sistema político (MACHPERSON, 1978, p. 13).

Neste contexto, intelectuais burgueses tais como Thomas Hobbes (1588 – 1679), matemático, teórico político e filósofo inglês tinha a convicção de que o absolutismo era a melhor e mais lógica forma de governo. Em sua principal obra Leviatã Hobbes (2017) escreveu que somente o poder irrestrito de um soberano poderia refrear as paixões humanas que levavam à ruptura da ordem social, e ameaçavam a vida civilizada.

Para Hobbes o regime absolutista poderia oferecer segurança para que as pessoas perseguissem seus interesses individuais, considerando que a natureza humana era, em essência, egoísta e competitiva.

[...] as relações humanas caracterizam-se pela competição e discórdia, não pela cooperação. Sem uma autoridade severa para elaborar e fazer vigorar as leis, dizia ele, a vida seria miserável, uma guerra de cada homem contra outro. Recomendava, portanto, um Estado com poderes irrestritos, pois somente assim as pessoas poderiam estar a salvo uma das outras e a vida civilizada seria preservada (PERRY, 2015, p. 299).

John Locke (1632 – 1704), filósofo inglês, ao contrário de Hobbes defendeu que a bondade e benevolência eram atributos naturais dos seres humanos, e que por causa disso, os indivíduos deveriam nascer com o direito natural à vida, a liberdade e à propriedade, cabendo ao Estado proteger esses direitos. Tais direitos, portanto, deveriam ser protegidos e,

consequentemente, nem o executivo nem o legislativo, ou seja, nem o rei nem a Assembleia, poderiam utilizar a sua autoridade para privar os indivíduos dos mesmos (PERRY, 2015).

Por esses motivos, para Locke o governo deveria derivar do consentimento dos governados, e, ao mesmo tempo, a autoridade do governo deveria ser subordinada as leis, cabendo ao povo dissolvê-lo se este não cumprisse esta missão.

[...] o valor que Locke atribuiu à razão e a liberdade, bem como suas teorias sobre os direitos naturais e o direito de rebelião contra autoridades injustas, tiveram um profundo efeito sobre o Iluminismo e as revoluções liberais do final do século XVIII. Na declaração de independência dos Estados Unidos, Thomas Jefferson reafirmou os princípios de Locke para justificar a Revolução Americana (PERRY, 2015. p. 300).

Tal como poderá ser observado na Literatura, além de Hobbes e Locke, a intelectualidade burguesa promoveu um intenso debate sobre os fundamentos filosóficos do que seria a sua visão social de mundo (LEFEBVRE, 2010), e sobre as formas de governo que deveriam instituir o poder político do Estado.

Nesse sentido, podem ser citados autores como Charles-Louis de Secondat, (1689 – 1755) conhecido como Montesquieu, filósofo e escritor francês que ao contrario de Hobbes, além de criticar o absolutismo por considerar o despotismo uma forma de governo perniciosa e corrupta por natureza, defendeu a ideia de que todo governo deveria ser orientado pela racionalidade não abstrata, mas fundamentado no estudo das condições geográficas, econômicas e históricas de cada país e o “caráter” do povo, para construir as suas leis.

A importância das ideias deste pensador fundamenta-se na proposta de que a constituição de um governo deveria ser pautada por alguns fatores, dentre os quais:

[...] o princípio da separação dos poderes. Em todo governo, dizia Montesquieu, existem três tipos de poderes: Legislativo, executivo e judiciário. Quando uma única pessoa ou órgão exerce todos os três poderes – se o mesmo órgão que instaura um processo é o que julga, por exemplo - a liberdade não pode ser preservada. Sempre que a soberania concentra-se nas mãos de uma só pessoa ou organismo, há abuso de poder e liberdade política é negada. Num bom governo, um poder equilibra e fiscaliza o outro – argumento que influenciou os autores da constituição norte- americana (PERRY, 2015, p. 300).

François Marie Arouet, (1694 – 1778), conhecido como Voltaire, considerou que o poder devia ser exercido de maneira racional e benéfica, submisso ao domínio da lei, além de criticar os reis que aprisionavam e executavam seus súditos sem o devido processo legal. Como Voltaire não se considerava um democrata pelo fato de desconfiar da capacidade do

povo inclinado à superstição e ao fanatismo, a sociedade devia ser reformada mediante o progresso da razão e incentivo a ciência e a tecnologia (VOLTAIRE, 1978).

Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) filósofo, teórico político, escritor e compositor autodidata nascido em Genebra, grande inspirador da revolução francesa, também criticou a ideia do “direito divino dos reis e a monarquia por considerar esta despótica e arbitrária, injusta e corrupta à medida que limitava-se a atender os seus próprios interesses, daí defender a ideia de que o Estado deveria ser uma autentica democracia, uma associação moral que unisse as pessoas na “liberdade, igualdade e devoção cívica” (PERRY, 2015).

Em relação à estrutura social e às formas de governo, Rousseau criticou a ideia da propriedade privada enquanto fator promotor da desigualdade entre os homens, (ROUSSEAU, 2017). Em seu entendimento:

O primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: “Isto é meu” e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e horrores não teriam sido poupados ao gênero humano àquele que, arrancando as estacas ou tapando o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “Não escutem esse impostor! Vocês estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos e que a terra não é de ninguém!” (ROSSEAU, 2017, p. 57).

A literatura especializada assim se posiciona em relação a essa questão:

Porque onde diferenças de propriedade dividem os homens em classes com interesses antagônicos, os homens serão orientados por interesses de classes, que são interesses particulares em relação a toda a sociedade; assim sendo, não terão condições de exprimir uma vontade geral pelo bem comum (MACPHERSON, 1978, p. 23).

Conforme o entendimento de Rousseau é possível inferir que o filósofo vislumbra uma sociedade igualitária em termos de direitos desde que houver igualdade quanto ao direito à propriedade, onde “nenhum cidadão será jamais bastante rico para comprar outro, e ninguém será bastante pobre de modo a ser obrigado a vender-se” (MACPHERSON, 1978, p. 23).

Nesse contexto, enquanto admirador da polís grega e sua democracia, Rousseau defendeu que os seres humanos deveriam ser educados para se tornarem justos e esclarecidos, imbuídos de um “espírito público”, dotados de “bom senso” e uma “consciência moral” capaz de legislar conforme a vontade geral.