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1 ECOCRÍTICA: PONDERAÇÕES TEÓRICAS E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA

1.2 PROLEGÔMENOS DA ECOCRÍTCA

1.2.1 Crítica social e a visão marxista

Na perspectiva crítica da relação homem/natureza, ainda no século XIX, com o advento da segunda revolução industrial, a exploração de recursos naturais se intensificou, países crescem e outros entram em colapso, há um esvaziamento do campo e uma intensificação da ocupação das cidades, provocando um adensamento populacional, que as cidades se veem incapazes de sustentar estruturalmente. Tem início o caos citadino e, consequentemente, um aumento das desigualdades sociais. Esse clima de desequilíbrio, juntamente com a crise financeira e as desavenças entre alguns países, vai desencadear posteriormente a primeira guerra mundial.

Essa crise socioambiental já é percebida por alguns pensadores como Karl Marx, cujas reflexões produzem importantes mudanças nas formas de pensar a organização social, principalmente pelo viés do materialismo histórico-dialético, que explica o caráter contraditório e desigual das relações capitalistas e da coisificação da natureza, evidenciando, já, uma perspectiva ecológica.

Marx via o processo de degradação e o afã da satisfação do ego humano e o capitalismo que se alimentava dos mais “frágeis” e, nesse contexto, estão a maior parcela da sociedade (o trabalhador que assume o ônus do trabalho, mas não o bônus dos resultados de seu labor), naturalizando-se as desigualdades como se pode ver nas palavras dele:

O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz somente mercadorias; ele produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e isto na medida em que produz, de fato, mercadorias em geral. (2004, p. 80)

Para os que seguem as ideias de Marx em relação ao meio ambiente e são chamados de ecomarxistas ou ecologistas sociais, embora os seres humanos sejam apresentados por eles como parte da natureza, dentro de um monismo natural, não se mostram tão naturais em suas

atitudes, aparecendo aí o dualismo que os adeptos da ecologia profunda, fomentada por Luc Ferry (2009), tentam superar.

Assim, os ecomarxistas não se revelam monistas nem dualistas, porque, embora exista essa dualidade, Marx reconhecia a prioridade de uma natureza ‘externa’ ou ‘primária’ que teria dado origem à humanidade e outra natureza que seria a transformada pela ação humana. Marx e Engels analisam os diferentes estágios caracterizados através da noção de “relações de produção”, que assolaram a humanidade desde a sociedade primitiva, passando pela sociedade escravocrata e feudal até a sociedade burguesa de sua época. Nesse contexto, eles dão exemplo da ação burguesa:

A burguesia controla cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou a população, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A consequência inevitável disso foi a centralização política. Províncias independentes, apenas federadas, com interesses, leis, governos, sistemas alfandegários diferentes. [...] Em apenas um século de sua dominação de classe, a burguesia criou forças de produção mais imponentes e mais colossais que todas as gerações precedentes reunidas. O domínio das forças naturais, o maquinismo, as aplicações da química na indústria e na agricultura, a navegação a vapor, as ferrovias, o telégrafo, o desbravamento de continentes inteiros, a canalização de rios, o aparecimento súbito de populações_ em que século anterior se poderia prever que tais forças produtivas cochilavam no seio do trabalho social? (MARX e ENGELS, 2001, p.31, 32)

De acordo com Danilo Marcondes (2005), o Marxismo se propõe ao combate das ilusões da consciência do homem e procura trazê-lo para a realidade terrena da condição de ser e de estar, inexoravelmente, no mundo. Assim, o trabalho dignifica, desde que não seja o calvário humano e a via crucis da alma, como bem mostra o exemplo de Paul Lafargue em O

direito à preguiça (2003), ao observar que é a paixão do homem pelo trabalho e pelo lucro

que o torna escravo na mesma medida em que escraviza o próximo, fato que acompanha a burguesia e o proletariado até os dias de hoje.

É interessante observar que Marx, em princípio, foi criticado por que, para os que criticavam sua obra, ele não tinha uma consciência ecológica, mais tarde viu-se que ele não só tinha essa perspectiva como denunciava as ações humanas, tanto em relação ao uso indevido dos recursos naturais quanto à exploração do homem pelo outro, mesmo antes da moderna consciência burguesa, como afirma John Foster (2011, P. 23): “Desde o princípio, a noção de Marx da alienação do trabalho humano esteve conectada a uma compreensão da alienação dos seres humanos em relação à natureza”. Dessa forma, Marx, conforme as palavras de Foster, pode ser considerado sim, um paradigma do pensamento crítico em relação à espoliação da

natureza. Nesse contexto, os críticos marxistas que não aceitavam a posição dele, passam a colocá-la de forma que o olhar ecológico dele não tenha tido relevância na obra. No entanto, percebemos que o fato de já observar, na época, a exploração nas relações humanas dá indícios de seu olhar ecológico, uma vez que o homem é um ser natural e que, muitas vezes, usa de sua potência14 (racionalidade e bens materiais) para adquirir o poder sobre o outro.

Assim, Foster busca no livro A ecologia de Marx – materialismo e natureza (2001),

mostrar as injustas críticas sofridas pelo crítico social que o confundem com outros críticos, até mesmo aqueles já criticados pelo próprio Marx. Não colocamos Marx aqui como primeiro pensador que se ateve a essas questões, mas precisamos abrir um paradigma para não delongarmos muito o capítulo em andamento. Assim, escolhemos Marx porque, a nosso ver, ele marcou e revolucionou o pensamento social ao “desafiar” a tradição burguesa de sua época, dentro dos aspectos da crítica social. Assim, o que deixamos como reflexão é o fato de que o crítico abriu um leque de possibilidades para discussões a respeito das questões sobre a relação homem/natureza.

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