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Sobre a visão histórico-sociocultural

1 ECOCRÍTICA: PONDERAÇÕES TEÓRICAS E CONSIDERAÇÕES ACERCA DA

1.3 UMA PROPOSTA ECOCRÍTICA PARA GRANDE SERTÃO: VEREDAS

1.3.2 Sobre a visão histórico-sociocultural

Esta abordagem busca perceber na obra literária o comportamento sociocultural dos personagens e como se revela estilisticamente no contexto ficcional. O homem é um ser de movimento e com capacidade de transformar o meio em que vive. Os registros do tempo presentificado são as marcas do passado, haja vista haver uma experiência vivida, que ecoa entre as gerações em todos os nichos em que vive o homem. Dessa forma, corroboramos com a ideia de Theodor Adorno (1993) quando diz que podemos observar a obra de arte como uma “historiografia inconsciente” de seu tempo.

Em GSV o contexto histórico-social e cultural e os aspectos que se revelam subliminarmente na narrativa levam-nos à reflexão sobre a situação pela qual passava o Brasil e os aspectos que permeavam a segunda guerra e, nesse interim, vem a reflexão sobre a violência. É dentro dessas premissas que Ginzburg (2010, p. 17) faz a seguinte observação:

Podemos ler, nessa perspectiva, elementos da ficção de João Guimarães Rosa, como configurações reflexivas, voltadas para pontos delicados, aporias, impasses do processo histórico do século XX.[...] Em GSV, o narrador Riobaldo se refere à vida da jagunçagem apontando constantemente para a presença da violência. O romance de 1956 encontra no interior do Brasil, em confronto com os interesses de modernização do Estado, forças que constituem, de acordo com Heloísa Starling, a imagem infernal de um mundo caracterizado pela barbárie.

Terry Eagleton (2010) observa que: “Até as teorias mais rarefeitas têm uma raiz na realidade histórica”. O autor busca essas questões no intuito de compreender ações humanas e fatos do mundo considerado “pós-moderno”. Os aspectos observados por Eagleton coadunam com o nosso olhar em relação ao meio ambiente, observando o sertão através da narrativa de

Grande sertão: veredas. Tendo em vista que, como afirma Fernando Dias (1966, p. 79), em

GSV “há uma realidade social a ser examinada a partir do bando de jagunços de Riobaldo até o marco referencial muito amplo, que é o próprio sertão, misto de área geográfica, de contingente demográfico de organização social e de mentalidade coletiva”. Percebemos que o narrador por várias vezes ao longo da história, vai distinguindo o rural e o citadino. Em certo momento ele diz ter chegado a “uma terra cidadã” (GSV, 2006, p. 184).

Percebe-se certa ironia na fala do narrador ao descrever o homem citadino: “Outro com chapéu de lebre e colete preto de fino pano cidadão”. (p. 163), uma vez que a concepção social se orienta pelo conceito de civilização citadina como se esse modo de vida fosse o correto. Assim, cidadão seria aquele que mostrasse costumes diferentes, de lugares diferentes

e conceituados como civilizados, aparecendo aí a crítica rosiana ao preconceito social em relação ao sertão e ao sertanejo.

Dias (1996, p. 89) ainda aponta para inter-relação cidade/sertão em GSV que se representa no dia-a-dia dos personagens: “Há lazeres inventados ou copiados da vida da cidade, os jogos de carta ou de bujo entre outros -, mas há também os estritamente ligados a vida natural: caçar, contemplar os rios e os pássaros, remar”[...].

Nessa perspectiva os fatores tempo, espaço e a relação do humano com eles se coadunam e se entrelaçam. Michel Foucault (1999) observa a importância do direcionamento histórico-sociocultural da crítica literária, uma vez que permite investigar as construções das diversas espacialidades das obras. Nesse sentido, como enfatiza Gouveia (2010, p. 14) “[...] A arte é dotada de uma capacidade de transcendência histórica que possibilita sua compreensão para além do seu contexto imediato.” Dessa forma, podemos dizer que história, cultura e sociedade são indissociáveis e a literatura outorga esse aspecto pelo viés imaginário do autor, que nos remete aos tempos, fatos, situações e histórias, dentro de uma realidade própria da ficção.

Investigar uma obra literária, considerando os aspectos socioculturais e históricos, é observá-la mimeticamente, haja vista que, segundo Aristóteles (2004), a arte, enquanto mimese representa uma realidade sem sê-la de fato. Assim, “a poesia permanece no universal e a história estuda apenas o particular” (2004, p. 43). É nesse sentido que vemos a importância da análise proposta para a obra de Guimarães Rosa, observando os aspectos socioculturais sem, no entanto, sair do teor ficcional17.

Mara Regina Pacheco e Adna Candido de Paula (UFGD, 2010), à medida que discutem a condição mimética da obra literária, observam como a obra se revela ao olhar analítico, como se pode ver no trecho abaixo:

17Sobre os entrelaçamentos entre arte e realidade e a necessidade de entendê-las Ernest Cassier (1994, p. 333),

observa que “A arte nos dá uma descrição da vida humana através de uma espécie de processo alquímico; transforma nossa vida empírica em dinâmica de formas puras”. Ainda nesse contexto o autor afirma que, enquanto a ciência “nos ajuda a entender as razões das coisas a arte nos ajuda a ver suas formas”. Dessa forma, a obra literária reconfigura uma realidade e dá a ela uma nova possibilidade de visão. Assim, de acordo com José Miranda (2000, p. 22), “Romance e história são, portanto, resultado de uma atividade do espírito e respondem sempre, de algum modo às necessidades do tempo presente.” É desse modo que, segundo Antonio Candido (2004), podemos ver a presença de jagunços na literatura, desde Claudio Manoel da Costa até Guimarães Rosa.

A realidade não é encontrada fora da obra, mas sim dentro dela mesma, ou seja, a realidade não é externa, e sim interna e esteticamente constituída. Devido à complexidade semântica do texto, pode surgir um estigma de que os mundos ficcionais são modelos em miniatura do mundo real. Porém, o que está sendo manifestado ai é a autossuficiência estrutural dos mundos ficcionais, uma vez que os elementos naturais se misturam criando o mundo ficcional que confere à obra a unicidade que lhe é própria. O que verificamos é, que usando um mundo dado, o autor cria outro mundo, que por um lado repete, e por outro difere da matéria prima, o que ajuda a demonstrar em parte a fantasia e, em parte a mimese na criação literária. Aqui cabe a assertiva de Benjamin Harshaw quando profere: “o campo de referência interno é construído como um plano paralelo ao mundo real”. Segundo ele, a ficção realista é projetada o mais paralelamente e similarmente possível ao campo de referência externo, já em narrativas não realistas, o interno se contrapõe de inúmeras maneiras do campo externo. (2010, p. 7)

Nesse contexto, a ficção de Guimarães Rosa está sempre cambiante entre o que está fora e o que está dentro, ou seja, o que está dentro como realidade ficcional remete ao que está fora, de forma que seja dito pelas próprias verdades do mundo da história narrada. Tudo que é narrado e descrito nos ambientes narrativos merece destaque, pois Rosa procura nomear tudo que vai se tornando significativo pelo modo como vai sendo apresentado. A fauna, a flora, a água, tudo ganha vida, sentido e imagem, de modo que não seja só uma imagem suscitada pelos olhos do narrador, mas por aquilo que essa imagem provoca no seu interior, ao ver a realidade que o rodeia.

A cultura popular é outro aspecto bastante presente em GSV. Os causos, as cantigas de viola, os versos arriscados pelos jagunços e a forma peculiar de Riobaldo nomear tudo que vê, denotam as raízes sertanejas, uma identidade cultural que ultrapassa as fronteiras ficcionais. Neste sentido, é interessante observar o que dizem Pacheco e Paula (2010, p. 7):

Em síntese, podemos concluir que ao interpretar os mundos ficcionais como mundos possíveis, deixamos a literatura livre da função de imitar fielmente o mundo real. Percebemos desse modo que nos mundos possíveis estão presentes mundos “similares” ou “análogos” ao mundo real como também nos mundos mais fantasticamente afastados da realidade, ou seja, “os mundos da literatura realista são tão ficcionais quanto os mundos dos contos de fadas e da ficção científica”

Para percebermos a posição ocupada pelas teorias sobre a perspectiva sociocultural, é necessário verificar como o ficcional é enfocado pela teoria literária. Para se entender a literatura é necessário observá-la a partir de cada época, dentro dos ramerrões histórico- culturais, políticos e econômicos. Do mesmo modo, ela requer uma crítica que a observe

nesses aspectos uma vez que, refletir sobre o humano é adentrar numa complexa rede de simetrias e assimetrias que media realidade e ficção, como afirma Pedro Santos (2006, p. 70):

A sociedade que se vê e se reconhece no texto ficcional, o escritor que se adianta as indagações do seu tempo e coloca-se como tradutor de questões ainda não suficientemente esclarecidas ou registradas. Estamos aqui no campo das homologias entre realidade social e estruturas ficcionais, para analisar a equação de Lucien Goldman. Segundo o autor de a sociologia do romance, os escritores cumprem exatamente a função de reafirmarem o que classificam como valores autênticos, isto é, valores de alcance coletivo.

Entre esses valores estão as relações sociedade-natureza, intrinsicamente ligadas ao contexto literário. Sendo assim, para conhecer ou investigar um determinado período, uma das formas é através da literatura. No entanto, o autor deve levar a termo a diferença entre o interno e o externo da obra literária, assim como o leitor crítico deve reparar essa linha fronteiriça, como colocam Marx e Engels, no escrito direcionado à Senhora Kaustky:

Os excelentes conhecimentos que a senhora possui sobre os camponeses austríacos e sobre a “sociedade’ vienense, bem como o surpreendente frescor das imagens que pinta de ambos, oferece, aqui um material inesgotável; já no Stefan, a senhora demonstrou que sabe adotar, em face de seus personagens, esta sutil ironia que comprova que o autor tem poderes sobre a sua criação. (2012, p.67)

Percebe-se que, tanto na prosa quanto na poesia, a literatura traz traços marcantes da vida dos povos e de suas tradições, hábitos e costumes, também as produções, aspirações, repulsas e temores dos povos em cada época, independente da classe social, nacionalidade, raça ou cor, através de um mundo idealizado mimeticamente.

Em outras correspondências, Marx e Engels colocam o valor emocional das obras, porém, ressalvam a mediocridade da linguagem e da condição formal do poema e ainda observam a importância de metaforizar fatos históricos, desde que o tema escolhido se coadune com o conteúdo proposto. Desta forma, eles escrevem ao Lassalle da seguinte forma:

[...] deixando de lado o juízo crítico que a obra pode merecer, ela me emocionou muito na primeira leitura e, por consequência emocionará ainda mais os leitores que se deixam dominar pelos sentimentos em maior medida que eu. E esse aspecto é muito importante. [...] Sob um ponto de vista puramente formal – já que escreveste em versos, talvez pudesses polir teus iambos um pouco mais artisticamente. [...] Em segundo lugar, a colisão que ideaste não é apenas trágica: é aquela trágica colisão que conduziu o partido revolucionário de 1848 – 1849 ao seu lógico fracasso. Portanto só posso aplaudir a ideia de convertê-la no eixo de uma tragédia moderna. No entanto me pergunto se o tema que escolheste é adequado para representar tal conflito. (2012, p. 73-74)

Aspectos sociais, históricos, psicológicos, culturais e o olhar perceptivo do homem, bem como suas atitudes sobre o meio ambiente, permeiam o mundo literário. Dessa forma, a obra literária deve ser vista em todas as suas dimensões, estilisticamente e esteticamente, uma vez que no texto, o contexto sociocultural e histórico remete à representação de fatores externos da sociedade de cada época. Assim, a literatura tem sua própria verdade e essa verdade literária vai ser analisada na obra em questão sem ignorar, no entanto, seu diálogo com o externo.

Nesse contexto, o olhar ecocrítico se direciona também ao indivíduo e suas relações com a natureza no contexto social, cultural e como essas ações se manifestam através do tempo. Nesse sentido, observam-se as ideias de Antonio Candido em Literatura e Sociedade (2006), em que se pode observar que o autor critica o exagero da visão unilateral da análise que, ao cabo, deixa capenga a visão crítica do analista. Ele observa que, anteriormente, a visão social dentro da literatura era realmente a mais importante.

Não deixando de lado a importância desses aspectos que devem ser observados na obra literária, Candido chama atenção para uma visão crítica que observa a obra pelos aspectos estilísticos internos sem abandonar os aspectos externos, como sociais, psicológicos e históricos, fundindo texto e contexto. Assim, ele afirma que: “Tanto o velho ponto de vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam como momentos necessários ao processo interpretativo.” (2006, p. 14)

Dessa forma, externo e interno não se desassociam e, embora os aspectos sociais sejam percebidos pela análise crítica, devem ser vistos como constituintes estéticos, ou seja, o modo como se monta a obra e como estão expostos seus elementos internos é que vão incitar a representação do externo. Desta forma, “saímos dos aspectos periféricos da sociologia, ou da história sociologicamente orientada para chegar a uma interpretação estética que assimilou a dimensão social como fator de arte.” (CANDIDO, 2006, p. 17) Nesse sentido, a análise deixa de ser social e passa a ser crítica literária, sendo os aspectos internos e externos unidades de um todo estético-literário.

Para Candido, os fatores históricos e sociais, por eles mesmos, podem ser importantes para o historiador ou sociólogo, mas não para o crítico literário que deve ver esses fatores dentro de um contexto fictício, ou seja, do contexto literário. A literatura, segundo ele,

depende de fatores externos, mas não podem só eles sustentar a análise literária. Assim, ele mostra, desde a antiguidade, como a literatura representa fatores, sociais, econômicos, culturais em cada época, mas que, analiticamente, esses fatores vão ser vistos pela força estilística e pelo valor literário na obra.

É nesse contexto que enfatizamos a importância de se ter, por um lado, uma leitura da percepção do homem em relação à natureza, pelo viés literário, ou seja, por aquilo que a literatura nos permite observar e analisar esteticamente e, por outro lado observar, na verdade fictícia da obra que ora analisamos, como esses aspectos se revelam, uma vez que: “Articular historicamente o passado [...] significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”. (BENJAMIN, 1994, p. 224). Nessa perspectiva, Rosa se apropria dos “relampejos” da história para criar, a sua história fictícia.

Assim, é fundamental perceber a importância da abordagem histórico-sociocultural como uma das formas de ver a relação homem-natureza, através da literatura. Esse olhar, entre outros interesses, permite ver a condição perceptiva do homem em relação ao meio social e ambiental e suas ações sobre ele, bem como suas expressões culturais, entre elas a troca linguística e cultural, em diferentes épocas, uma vez que a língua é uma expressão sociocultural do passado e do presente, como observam Pérez e Ehrmantraut (2008, p. 10): “Essas líneas transversas conferen existência material la uma red de significados sociales que si inscreben em los procedimientos de retorización de las linguajes”.

As autoras, no livro Pensar la cultura IV, retóricas de la deshumanización (2008), buscam evidenciar como os textos literários apresentam as performances culturais em tempos e lugares e afirmam que: “La cultura se memoriza en las metáforas y desde ella se dinamiza a medida que adquiere nuevas significaciones”(p. 16).

Assim, as migrações linguísticas mostram, através do tempo, certa pluralidade simbólica do dizer, uma vez que cada cultura o recria e dá-lhe sentidos distintos. Desse modo, os textos literários trazem essa perspectiva ficcionalmente. Em GSV o narrador discursa, criando palavras novas e reinventando outras para que se aliem ao contexto narrado.18 Rosa

18

Não se pode ignorar, nesse caso, o conhecimento filológico de Guimarães Rosa, que falava 17 idiomas e trazia deles, contribuições para as falas de seus personagens e para os nomes deles, genialmente, criados por Rosa, como é o caso de Moimechego: moi, (do francês); me, (do inglês); ich, (do alemão) e ego, (do latim).

faz de Riobaldo um brincante com as palavras: “desendoidecer, desdoidar, pedacinhozinho, estremeceuzinha, opiniães”, os nomes dos jagunços e até o sr. Quelemém são frutos da junção, aglutinação, criação, e recriação de palavras feitas pelo narrador, que vão ilustrando e complementando a narrativa. Sem ignorar o nome do próprio narrador Rio-Baldo, que traz a carga semântica do caráter dele e Dia-dor-im, que remete à fusão de sentimentos que ele provoca ao narrador.

Portanto, a língua nas obras de Guimarães Rosa é um assunto importante e particular, ele tem uma propriedade e uma criatividade que deixa o leitor encantado e, ao mesmo tempo, cúmplice dessa nova linguagem, uma vez que os personagens invadem linguisticamente o universo do leitor e o tocam de modo que o deixam curioso e embevecido. São palavras que veiculam sentidos, mas que também alargam e arbitrariam esses mesmos sentidos. Poderíamos dizer que Rosa cria sua própria língua para a literatura, porém, suas combinações linguísticas, enquanto trazem neologismos e formas esdrúxulas à linguagem, harmonizam de alguma forma, a fala dos personagens, fazendo-nos compreender, mais uma vez, a complexidade dos opostos que findam por se completar. Ao mesmo tempo, em prol de uma forma linguística que se aproxime ao máximo dos falantes do sertão, Rosa subverte a linearidade, a acentuação e outras convenções gramaticais, como explica o editor, no livro sobre as correspondências entre Rosa e seu tradutor italiano, Edoardo Bizzarri (2003, p. 8):

Traduzir Rosa é necessariamente fazer a travessia da “língua de Guimarães Rosa” e do microcosmo de sua linguagem, língua e cosmos, esses que se inter-relacionam sobretudo nos detalhes _ desde a posição de um prefixo ou a colocação “indevida” de um acento até a sonoridade de uma “nova” palavra para dar a exata tonalidade de uma planta típica do sertão.

O próprio Rosa, no mesmo livro, diz que cada língua possui uma verdade que não pode ser traduzida. Rosa se faz tradutor do “sertanês” e a língua, como algo inerente ao humano, acompanha todos os aspectos sociais, culturais e se transforma à medida que se alteram esses aspectos. Ela compartilha da criação humana nas formas de se comunicar literariamente em várias dimensões e a capacidade criadora do homem como sujeito social se constitui de uma mutabilidade em todos os sentidos, porque há sempre uma relação tempo- espaço, pois são os indivíduos que “constroem” e transformam os seus meios, sendo agentes das modificações materiais e imateriais, lógicas ou ideárias; reais ou imaginárias; científicas ou mitológicas. Esses são alguns dos fatores que nos permitem perceber o porquê das várias concepções do homem sobre tudo o que há, através dos tempos e das diferentes culturas.

Em GSV esses aspectos ganham notoriedade pela própria dinâmica da narrativa. Há a representação de dois mundos. O primeiro é o citadino, comandado pelos governantes, juntamente com a milícia, que era odiada em virtude dos desmandos pelo abuso de poder. Esse aspecto é enfatizado por Riobaldo ao narrar a cena do trem, quando ele encontra o delegado Jazevedão, cujo nome já remete ao poder e à maldade dele, pelo sufixo aumentativo (ão). O nome remete, ao mesmo tempo, à condição de inexistência: - Jaz - que, oralmente, tem a concepção semântica de morte.

O outro mundo é o sertão, com cultura, costumes, crendices e uma dinâmica de vida totalmente diferente, mas interessava às forças dominantes, pela possibilidade de poder que oferecia a sua conquista, tanto no que se refere ao econômico, quanto à dizimação dos jagunços e à destruição do poder paralelo. Esse contexto ficcional remete a um período em que o Brasil vivia esse clima de guerra entre milícia, jagunços e cangaceiros, como remete, também, ao momento de transição do Brasil Rural para o citadino industrial, com o sertão sendo tomado e ocupado de maneira imprópria.

Por outro lado, os excluídos do sertão continuaram a sê-lo na urbe, ocupando “mundos” diferentes em um mesmo espaço e desenhando mais nitidamente as desigualdades de classes, repetindo tantas outras situações já vistas, como a desterritorialização e reterritorialização de negros e índios no Brasil e em outros países e de outras comunidades, a exemplo das que foram retiradas de seus habitats para construção de hidroelétricas.

Essa condição de “desumanização” do homem perante o outro é, também, um aspecto

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