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2.3 A Gestão do Conhecimento

2.3.8 Críticas à Gestão do Conhecimento

Segundo Barbosa (2008), ‘Gestão do conhecimento’ é uma expressão que tem motivado debates na academia e no mundo organizacional. Nesse sentido, críticas foram estabelecidas ao longo de sua história. Algumas delas elencaremos a seguir.

A principal crítica à GC está no fato de que alguns pensadores afirmam que o conhecimento não pode ser gerenciado. Sobre isto, Wilson (2002) assegura que dados, informação e recursos informacionais podem ser gerenciados; porém, o conhecimento em si não, exceto pelo próprio conhecedor e, mesmo assim, de forma imperfeita (WILSON, 2002). Na mesma linha de pensamento, Krogh, Ichizo e Nonaka (2001, p. xi) afirmam: “estamos absolutamente convencidos de que não se gerencia o conhecimento, apenas capacita-se para o conhecimento”.

Nesse sentido, Alvarenga Neto; Barbosa; Pereira (2007) enfocam que os gerentes devem promover a criação de conhecimento, utilizando-se de capacitadores, como:

gerenciamento de conversas, motivação da visão do conhecimento, criação de contexto adequado, mobilização dos ativistas do conhecimento e socialização do conhecimento.

Barbosa (2008, p. 17), ao contrário dos autores citados, afirma que administrar ou gerenciar o conhecimento não implica exercer controle direto sobre o conhecimento pessoal.

Significa, sim, o planejamento e controle do contexto; enfim, das situações nas quais esse conhecimento possa ser produzido, registrado, organizado, compartilhado, disseminado e utilizado de forma a possibilitar melhores decisões, melhor acompanhamento de eventos e tendências externas e uma contínua adaptação da empresa a condições sempre mutáveis e desafiadoras do ambiente onde a organização atua.

Conforme o articulista, para muitos autores, o conhecimento, na melhor das hipóteses, pode ser gerenciado apenas pelo seu possuidor. Para outros, o conhecimento pode ser gerenciado, ainda que indiretamente, por meio da manipulação das condições que cercam a sua produção e uso.

Vasconcelos (2001) argumenta que existem três vertentes críticas principais: a primeira é a que assume ser impossível capturar, codificar e gerir conhecimento tácito de outrem, já que este está intimamente ligado à experiência pessoal. A segunda considera que, mesmo que o conhecimento possa ser sistematicamente mapeado, a compilação das experiências prévias seria insuficiente para auxiliar os processos de criação e inovação. E, segundo Behr e Nascimento (2008), para que a criatividade e a inovação se desenvolvam é necessária a coevolução entre conhecimento e ignorância, ou seja, entre o que é e o que não é conhecido. A terceira vertente é caracterizada como totalitarista, gerando uma excessiva visibilidade do indivíduo, o que acarretaria um entrave ao aprendizado e, consequentemente, à inovação. Segundo os autores,

[...] essa última vertente aproxima-se da abordagem de Foucault (1979) sobre o exercício do poder disciplinar nas instituições através do uso de estruturas pan-ópticas. O mapeamento da cognização coletiva poderia, nesse modo de ver, transfigurar-se num circuito de controle que impede a emancipação e a criatividade dos sujeitos, contrariando o objetivo inicial de catalisar inovações. Nesse esquema, acaba-se de induzir as pessoas ao autocontrole. Elas se tornam, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de dominação (BEHR; NASCIMENTO, 2008, p. 8).

Na mesma linha de pensamento, estão as reflexões de Telles e Teixeira (2002) ao explorarem as dimensões de dominação e emancipação dos sujeitos na organização baseada em conhecimento. Suas críticas referem-se especialmente aos aspectos de utilização das TIC enquanto instrumentos de poder, dominação e controle do indivíduo na organização. Esse aspecto se confirma nas reflexões de Baudrillard (2004) quando estabelece o termo ‘brancura operacional’ ao analisar os sistemas contemporâneos em suas situações extremas, cujas

subjetividades e até mesmo objetividades influenciam o funcionamento reativo das sociedades, sobre consequências do poder simbólico que nelas cogitam. Neste caso, as técnicas, a informação, as imagens embranquecem coisas da realidade, remodelando, sincronizando e manipulando subjetividades.

O autor impulsiona a reflexão dos modos de produção sociais contemporâneos, elencando o capital como fonte produtora de trabalho e o consumo muito além do gozo puro e simples deste capital adquirido, como um ‘fazer-gozar’ (permitir que outros gozem tal como o próprio indivíduo), em detrimento de uma operação modelizada e indexada pela gama diferencial dos objetos-signos dispostos pelo poder na sociedade. Aqui, o gozo é tido como uma performance interativa, como um ato comunicacional, no qual há comunicação no ‘fazer’: o fazer-falar, o fazer-saber, o fazer-crer, o fazer-agir. Seria este o problema da GC para Telles e Teixeira (2002), sinalizado a operacionalização da comunicação que perpassa a informação, a publicidade e a propaganda, a participação induzida e manipulada pelo embranquecimento e embelezamento das negatividades, purificando-as em novo formato: as positividades. Dito nas palavras de Baudrillard (2004, p. 53), “no ato de comunicação não deve existir ação além daquela que resulta de uma interação, se possível com tela de controle e retroalimentação incorporada”.

Nesse sentido, seria na categoria do ‘fazer’ da GC que a indução, persuasão, dissuasão, meditação, produção, solicitação, tecnicização, tornam-se factitivos ao próprio fazer organizacional, essencialmente no que concerne à utilização da TIC para obtenção de seus fins. A isto, remete-se a desmaterialização e o funcionamento sem fim do corpo, que leva ao estado de hipnose e ausência sobre máquina análoga em busca de finalidade alguma ou pela busca do cumprimento dos objetivos organizacionais apenas, com vistas aos passos performáticos operacionais numa ‘vacuidade profunda do conteúdo da ação’ (BAUDRILLARD, 2004).

Remete também ao determinismo tecnológico, defendido por Feenberg (2010), apresentado numa modernidade distópica, baseado na suposição de que as tecnologias têm uma lógica funcional autônoma que pode ser explicada sem se fazer referência à sociedade.

Presumivelmente a tecnologia é só social apenas em relação ao propósito ao qual serve, e propósitos estão na mente do observador. A tecnologia se assemelharia assim à ciência e à matemática devido sua intrínseca independência do mundo social. No entanto, diferentemente, da ciência e da matemática, a tecnologia tem impactos sociais imediatos e poderosos. Poderia parecer que o destino da sociedade é, pelo menos, parcialmente dependente de um fator não-social que influencia isto sem, no entanto, sofrer uma influência recíproca. Isto é o que significa "determinismo tecnológico" (FEENBERG, 2010, p. 3).

Conforme o Baudrillard (2004), os fatos acima estabelecidos caracterizam o uso atual do computador: o prazer hipnótico de absorção ou reabsorção estática das energias corporal e cerebral, como se fossem narcóticos e entorpecentes que plastificam a percepção das coisas e embelezam as negatividades no processo de exaltação à positividade estética. E afirma que a consequência é inexorável para a comunicação e a informação: “para que algo transite melhor e mais depressa, é preciso que o conteúdo esteja no limite da transparência e da insignificância” (BAUDRILLARD, 2004, p. 56). Então, a boa comunicação passa pelo aniquilamento de seu conteúdo e a boa informação passa pela transparência digital do saber.

Diante do exposto, Behr e Nascimento (2008) se dispõem do seguinte questionamento: a GC é uma nova base da relação entre o capital e o trabalho ou trata-se de um instrumento de dominação de controle?

Baseados em Schmitt e Faria (2004) e Baudrillard (2004), os autores consideram que atualmente as formas de controle social no seio das organizações visam não só atingir o corpo físico dos indivíduos-trabalhadores, mas também sua subjetividade. Nesse caso, uma das estratégias utilizadas pelas organizações é exercer o controle sobre o indivíduo através dos vínculos que este estabelece com a organização. Sendo assim, todo embranquecimento operacional por meio das comunicações intermediadas pelas tecnologias cogitaria no sentido de manipular subjetividades para a ‘redenção’ da organização, fazendo com que o indivíduo acredite que seu processo de trabalho é o mais importante, melhor, e que terá retorno social diferente daquele imposto pelo capitalismo. “Trata-se de um controle sutil, quase imperceptível, relacionado com os aspectos mais íntimos do indivíduo: seus desejos e sua necessidade de pertencer a um grupo e de estar realizado” (BEHR; NASCIMENTO, 2008, p. 7). Nesse caso, os autores estabelecem que o vínculo mantido entre indivíduo e organização pode ser de naturezas objetiva e subjetiva.

E seguem afirmando que essa apreciação será uma tentativa de superação da visão funcionalista da GC, através de uma abordagem crítica dos estudos teóricos em administração. Nesse sentido

[...] o corpo teórico que nutre o desenvolvimento da gestão do conhecimento está baseado numa perspectiva funcionalista e não considera os aspectos de singularidade do ser humano no contexto organizacional. Para esse corpo teórico, o conhecimento é algo que deve ser transplantado da mente das pessoas, do tácito, para os manuais organizacionais, isto é, para o explícito (BEHR; NASCIMENTO, 2008, p. 7).

E mais! Para os autores, a conhecida espiral do conhecimento carrega o argumento implícito de que a conversão dos conhecimentos tácitos em explícitos é uma forma de

controle do trabalho que tem como objetivo promover não somente o domínio dos meios de produção, mas também o do conhecimento tácito do trabalhador. Portanto, conversão do conhecimento tácito em explícito, como técnica de GC, nada mais é do que um mecanismo de controle, pelo qual os atores organizacionais são pressionados pela organização e pelos seus pares a transmitir seus conhecimentos tácitos, tornando-os explícitos. Isso leva a exposição a críticas de outros colegas e permite que a organização, por deter os conhecimentos, possa substituir um ator por outro com salário menor. Nesse contexto, a emancipação do trabalhador dar-se-á somente enquanto ele detiver seus conhecimentos tácitos (BEHR; NASCIMENTO, 2008).

Por outro lado, Rocha Neto (2003) argumenta que a sociedade do conhecimento está provendo a gestação de uma mutação capitalista, na qual não haveria uma tensão social entre o capital e o trabalho. A verdade é que as inovações podem ser difíceis, dolorosas e gerar tensões nas equipes. Por isso, o gestor deve aprender a administrar incertezas e inquietudes porque as organizações ofegam e o mundo se modifica. Todos constroem sua emancipação no limiar das mudanças, a partir de seus conhecimentos e suas experiências.

Outra crítica está em meio a pensadores que afirmam que GC é um modismo gerencial. Gibson, Tsone e Blackwell (2003) enfatizam que modismos gerenciais tendem a ser incorporados em práticas gerenciais convencionais e, por isso, expressões como ‘qualidade total’ (QT), administração por objetivo (APO), e a GC tendem a ser substituídas. Junto a isto, Ponzi e Koenig (2002) afirmam que a hibridação interdisciplinar da GC aponta para a tendência da substituição do termo por outros a ela associados, como capital intelectual, ativos intangíveis, ou “sendo combinados com conceitos que refletem aspectos mais especializados, tais como compartilhamento do conhecimento, redes sociais e outros” (BARBOSA, 2008, p. 13).

Barbosa (2008) contra argumenta afirmando que, mais que um modismo, à medida que a GC torna-se, de fato, um elemento permanente da atenção gerencial, ela continuará a evoluir e se transformará em um conceito mais claro e de fácil entendimento. Tal evolução pode ser percebida por meio das publicações periódicas das mais variadas áreas do conhecimento, que, paradoxalmente, leva a outra crítica: a da GC ter-se tornado, progressivamente, um campo interdisciplinar.

Esse discurso da integração disciplinar encontra-se bastante presente nas reflexões teóricas sobre o campo, constatando-se “tendência à dispersão e à superficialidade desse empreendimento científico, que, em última análise, coloca em suspenso as construções teórico-metodológicas nele fundamentadas” (SOUZA, DIAS; NASSIF, 2011, p. 57). Isso

levaria às confusões conceituais, metodologias inadequadas, imprecisões terminológicas, relações disciplinares abstrusas, que dificultam a compreensão da área.

Em relação à questão prática da GC, a crítica se volta para alguns fatores desfavoráveis ou aspectos negativos à sua efetividade organizacional. Ela concerne à proposição de modelos e implantação de programas de GC específicos que, por sua vez, fazem desacreditar em sua eficácia. Esse viés é refletido por Saz (2001) ao elencar os pontos de decadência de um programa de GC que influenciam diretamente nas observações teóricas da área:

a) Mau planejamento e organização do trabalho – Permite: não definição de metas, objetivos finais e parciais, prioridades, nem seu grau de importância; o desconhecimento das fases críticas e de um plano claro de execução; descontrole do tempo de realização de cada tarefa por não saber seu nível de dificuldade, implicando em custos, tempo e utilização demasiados de recursos; sobrecarga de trabalho e acumulação de tarefas, falta de tempo, mudanças nos hábitos laborais.

b) Acumulação de poder por parte dos diretivos – Uma direção autoritária ou uma estrutura hierárquica origina falta de comunicação, divisão de ideias, pouca renovação e permanência de posições estáticas.

Sobre os modelos de GC, as críticas não são encontradas facilmente na literatura. Porém, nas falas de refletidores atuantes em programas de mestrado e doutorado e em encontros científicos, encontramos defensores de pensamentos de que qualquer estabelecimento de modelos, para qualquer área ou atuação, molda subjetividades e condiciona atores à obtenção e compartilhamento de conhecimentos que atendam, especificamente, os objetivos da organização.

Miranda et al. (2008, p. 152) asseguram que

[...] as pessoas têm seus pressupostos estabelecidos sobre o mundo. Suposições que, embora tomadas como certezas, são sujeitas a erros. Com frequência, acham-se presas a esses preceitos sem saber disso. De geração em geração, isso pode ir mudando lentamente. Pesquisadores atribuem essas ideias estabelecidas e cristalizadas nas mentes das pessoas aos modelos mentais.

Senge (1998) diz que os modelos mentais são imagens internas arraigadas sobre o funcionamento do mundo. Imagens que limitam as formas de pensar e agir. Eles sugerem que fiquemos presos a esses pressupostos, que nos fazem recriar a realidade, manter os mesmos relacionamentos, o mesmo modo de pensar e agir.

acima. Apesar das críticas, os autores asseguram e defendem que modelos como o de Senge (1988) e Nonaka e Tacheuchi (1997), por exemplo, detêm a ideia central de que sejam consideradas práticas subjetivas que tacitamente complementam e excedem o formalismo que descreve o trabalho, isto é, capturar as práticas informais e as inovações que são adicionadas às tarefas organizacionais formalmente descritas e documentadas. A identificação e documentação dessas práticas serviriam de alavanca para novas e proveitosas ideias.

Como conclusão, concordamos com Valentim (2007), que assevera que ao refletir e entender a GC é relevante basear-se num modelo, visto que facilita o trabalho a ser executado para as demandas existentes. Diferentes modelos de GC apresentam maior clareza sobre como se deve trabalhar o conhecimento existente na organização e as diferentes formas de utilizá-lo. Em definitivo, a base para implantar um modelo de GC em uma organização é conhecer e saber utilizar de forma adequada o capital intelectual disponível, motivar constantemente as pessoas quanto à troca de informação e conhecimento.

Dessa exposição, acreditamos que ‘nosso fio de Ariadne’ proposto pelas reflexões por meio de conversas com os orientadores e leituras orientadas, nos leva agora a um novo caminho: descrever, recriar, reconstruir o PJU como o olhar da GC para, só então, fomentar pelo diálogo, a construção da proposta de GC voltada, especificamente, para o PJU-PB, e para as organizações públicas cuja gestão se realiza por meio de redes. Com esta transcrição, encerramos esta seção, reiterando que seu conteúdo é vital como fundamentação para nosso tema.