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Críticas à cultura estética

No documento A ARTE E A EDUCAÇÃO EM PLATÃO E SCHILLER (páginas 53-55)

Segundo Beiser,85 no desenvolvimento das cartas, o problema fundamental de Schiller parece ser mais prático do que teórico. Schiller tem muitas expectativas em relação à arte; ele presume que, colocando a arte como elemento primordial da educação, é possível transformar radicalmente o modo de pensar e de agir dos homens. Até esse ponto da leitura das cartas, pode-se ter a impressão de um Schiller idealista e otimista demais. Segundo Fort,86 na verdade as cartas se organizam de uma maneira diferente dos tratados filosóficos. Das vinte sete cartas, as nove primeiras contêm as conclusões, enquanto as posteriores desenvolvem as premissas. São organizadas como uma pirâmide invertida: as conclusões vêm em primeiro lugar, e depois seguem as

83 Idem, op.cit., p. 28-9.

84 BEISER, Frederick. Schiller as Philosopher: A Re-Examination, Oxford University Press, 2005. cap. 4.

parte 8.

85 Idem, op.cit., cap. 4. parte 6.

54 demonstrações; isso ocorre porque o objetivo de Schiller parece ser capturar a atenção do leitor. As primeiras cartas aparecem redigidas por declarações quase impulsivas; nas outra série de cartas, o autor expõe com mais rigor suas teorias filosóficas.

Na décima carta, Schiller se adianta às críticas de que ele seria idealista e otimista demais em relação ao poder das artes; ele expõe os argumentos que conduzem à critica da educação artística, e então distingue dois tipos de adversários. Existem indivíduos que desprezam a arte, pois jamais experimentaram o sentimento estético por excelência; portanto, são incapazes de enxergar como a bela cultura pode dignificar o homem. Para esses homens, toda finura no trato, graça, delicadeza e grandeza no comportamento são tidas como dissimulação, exagero e afetação; com esse tipo de indivíduo, Schiller prefere não se ocupar.

Mas Schiller admite a existência de adversários da arte mais dignos de atenção. Numa clara referência a Platão ou a Sócrates – personagem do livro A República –, o autor afirma: “já na Antiguidade existiam homens que nada viam de menos benéfico que a bela cultura, inclinados, por isso, a vedar às artes da imaginação o acesso à República”.87 Segundo ele, essas vozes argumentam que os encantos da beleza são inegáveis e, quando em boas mãos, podem gerar bons frutos; mas, em mãos danosas, a arte é capaz também de produzir grandes estragos. A fascinação que a arte provoca pode facilmente, conforme o caso, desviar o homem da verdade e da justiça, induzindo-o ao erro; o gosto artístico veria apenas a aparência das coisas, perdendo-se a distinção entre a verdade e o falso, entre o justo e o injusto. Mesmo os homens capacitados podem ser afastados do árduo caminho das leis e dos deveres, por causa do poder sedutor da beleza e do enfeite. Segundo esses críticos, a aparência muitas vezes se opõe à verdade; a aparência pode mascarar um vício como virtude e exaltá-lo sem problema.

Schiller parece concordar que essa situação ocorreu muitas vezes na história da humanidade, citando, a título de exemplo, os casos das culturas árabe, florentina, romana, e mesmo da cultura grega.88 Nesses casos, a idade áurea da arte e da beleza surge apenas no ocaso das liberdades civis e políticas, e não junto com elas. Essa aceitação de parte da crítica à cultura estética mostra que o poeta não é ingênuo, estando a par dos problemas que pode vir a enfrentar.

Entretanto, Schiller oferece alguns argumentos em defesa da arte e da beleza. O primeiro argumento é este: não se deve abdicar de um grande poder apenas porque este

87 SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem. São Paulo: Iluminuras, 2002. p. 54. 88 Idem, op.cit., p. 56-7.

55 pode ser usado de forma errada. Não parece haver nenhum substituto à altura da energia de caráter que a arte possui. Segundo o autor, a beleza é o maior e mais eficiente motor que pode levar o homem à grandeza e excelência. Abdicar a esse poder não parece solução viável, pois nada se pode colocar no lugar da beleza; sem arte, o homem facilmente será entregue à rudeza ou à demasiada severidade. Arte e beleza são elementos necessários para a construção de um homem equilibrado.

Concretamente, Schiller concede a seus críticos o argumento histórico que a arte realmente parece corromper o homem. Não obstante, acrescenta ele, esta não é a verdadeira questão. Será preciso compreender realmente o conceito de arte e como ela pode interagir com o homem, a fim de perceber qual deve ser a arte real. Os críticos podem estar se referindo a uma falsa concepção de beleza; portanto, será preciso encontrar o real conceito racional de beleza para definir qual seu verdadeiro efeito no homem.

Schiller vai procurar então um conceito normativo de beleza, mostrando que tal noção é necessária para a natureza humana como ela é. Para determinar isso, será preciso primeiramente abstrair as peculiaridades e as contingências que cercam a natureza humana em suas manifestações históricas; deve-se distinguir os impulsos humanos fundamentais, para então observar como esses impulsos podem alcançar a sua máxima potência através da beleza.

Schiller ainda argumenta, em defesa da beleza, que não devemos olhar para a experiência do mundo, a fim de julgar a beleza; esta deve ser pensada principalmente como conceito, como ideia ou ideal, que nunca foi ou será alcançado em sua totalidade, no mundo sensível; portanto, a proposta do poeta se refere a uma ideia muito específica de beleza. A fim de desenvolver melhor sua analítica do belo e como a beleza pode influenciar o homem, Schiller passa a investigar a concepção de homem, numa espécie de antropologia filosófica.

No documento A ARTE E A EDUCAÇÃO EM PLATÃO E SCHILLER (páginas 53-55)