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Críticas e Objeções

No documento Filosofia da Religião I (páginas 54-59)

A estratégia recente para atacar a fundamentação é alegar ou que é um ideal incapaz de ser realizado ou que em certo sentido é incoerente.

1. Não há declarações incorrigíveis que possam servir de proposições epistemologicamente básicas para o conhecimento preceptivo. Para entendermos esta crítica, devemos passar em revista um pouco de história da epistemologia. Conforme dissemos em nossa discussão sobre a indubitabilidade, alguns epistemologistas sustentavam que para qualquer alegação contar como conhecimento, deve ser indubitável ou incorrigível. No decurso do tempo, foi considerado necessário que pelo menos as proposições básicas (fundamentos) fossem incorrigíveis. Assim seriam

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garantidos fundamentos infalíveis para nosso conhecimento. Hume argumentava que qualquer conhecimento do mundo externo (o que chamava de matérias de fato) era, em princípio, falível. Ou seja, sempre seria concebível que o contrário pudesse ser a verdade. Mas mesmo depois de Hume, alguns epistemologistas procuravam fundamentos infalíveis. Ayer, por exemplo, os procurava nos dados dos sentidos, e Husseri, numa análise da estrutura da consciência. A maioria dos epistemologistas não ficaram convictos, no entanto, pelas tentativas de Ayer e de Husseri, pois argumentavam que os candidatos para serem proposições básicas infalíveis acerca do mundo externo ou não eram conhecimento de modo algum, ou não eram incorrigíveis.

A resposta a esta crítica tem sido de dois tipos. Primeiramente, podemos continuar a sustentar que existem proposições básicas suficientes para edificar uma epistemologia compreensiva. Neste caso, estaríamos rejeitando a crítica de Hume.

Em segundo lugar, poderíamos aceitar a análise de Hume e tomar por certo que não é necessário que todas "as proposições epistemologicamente básicas sejam incorrigíveis. Os filósofos sustentam, caracteristicamente, que algumas crenças básicas são incorrigíveis (e. g., a matemática e a lógica) e que algumas não o são (e. g., o mundo externo). Destarte, o fundamentacionista contemporâneo John Pollock divide proposições epistemologicamente básicas entre as que são incorrigíveis e as que são prima fade justificadas (estas não são incorrigíveis). Outros filósofos chamam esta classe de intrinsecamente aceitáveis ou críveis.

Por exemplo, começamos com a conjectura da veracidade de uma crença. Na ausên-cia de qualquer razão para rejeitar esta crença que é justificada prima fade, estamos justificados em crer nela. Isto não quer dizer que semelhante crença não poderia esta errada nem não será revisada. A aceitação de crenças justificadas prima fade é simplesmente um reconhecimento de que (1) a justificativa deve realmente parar nalgum lugar e (2) nem todo o conhecimento é incapaz de fundamentos incorrigíveis.

Pollock chama de derrotadora qualquer crença que funciona como uma razão para rejeitar uma crença justificada prima fade, porque demonstra que a crença está errada. As duas respostas dos fundamentacionistas afirmam que pelo menos algum conhecimento apoia-se em fundamentos indubitáveis.

2. Não há crenças diretamente justificadas que possam servir como proposições ou crenças epistemologicamente básicas. A segunda objeção tem uma semelhança à primeira, mas é um ataque mais sério contra a fundamentação). Respondendo à primeira crítica, foi possível reconhecer a objeção e ainda manter o ponto de vista (embora esta não fosse a única maneira de defender a fundamentação). Do outro lado, esta segunda crítica visa diretamente uma das alegações centrais, de que há proposições imediata ou diretamente justificadas.

A objeção é do seguinte tipo. Qualquer alegação espontânea, seja observacional, seja introspectiva (e.g., "Aparece a mim, de modo vermelho"), não leva consigo quase nenhuma suposição da verdade, quando consideramos a alegação por si mesma.

Usualmente aceitamos as alegações como sendo verídicas, por causa de nossa confiança num grupo inteiro de suposições do meio ambiente situacional. Nestas suposições estão incluídas a fidedignidade do observador, as condições segundo as quais as observações foram feitas, e o tipo de objetos acerca dos quais as alegações foram feitas. Resumindo, conforme diz o argumento, a aceitação de qualquer

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alegação depende de, e, portanto, é determinada por (ainda que não seja conscientemente), a inferência a partir destas condições. Logo, não há crenças ou proposições diretamente justificadas.

Esta objeção parece ser incorreta por vários motivos. Ainda que fosse verídica, ataca-ria somente o conhecimento do mundo externo. Embora esta seja reconhecidamente uma parte importante do nosso conhecimento, há outros tipos de fundamentacionistas. Mais deliberadamente, William AIston argumentou que esta objeção contém uma confusão. AIston diz que, segundo parece, confirma a alegação de que não há crenças diretamente justificadas, mas, na realidade, não faz assim. Ao examiná-la de perto vemos que a crítica não está dirigida contra o observador que faz uma alegação introspectiva ou observacional, mas, sim, contra nós por aceitarmos sua alegação. Ou seja: há uma mudança sutil da perspectiva na primeira pessoa para a terceira pessoa. Tudo quanto nossa segunda objeção mostra é que teríamos motivos diferentes para aceitarmos as alegações do observador do que teríamos para fazermos nós mesmos tais alegações. Um observador bem poderia ser diretamente justificado em aceitar uma crença, ao passo que nós, na melhor das hipóteses, seríamos mediatamente justificados em acreditarmos naquela alegação.

3. A fundamentação, afinal, leva ou a uma regressão infinita, ou ao dogmatismo, Além disto, os oponentes argumentam que a fundamentação será culpada de uma regressão infinita de justificações se dizemos que precisamos saber as bases em que nossas proposições são justificadas. Sempre, pois, será possível exigir que tenhamos bases para conhecer as bases, e assim por diante. Do outro lado, se não é necessário saber as bases sobre as quais nossas proposições básicas estão justificadas, então acabamos ficando com o dogmatismo. O dogmatista simplesmente assevera - sem a possibilidade de razões justificantes — que os fundamentos (i.é., as proposições epistemologicamente básicas) são justificados.

Há, no entanto, duas respostas a esta objeção. A primeira é alegar que há crenças ou proposições auto-autenticantes ou auto-justificantes que se constituem nos fundamentos do conhecimento.

Uma segunda resposta é sugerida por William AIston, e John Pollock dá um indício dela. AIston distingue entre dois tipos de fundamentação, a fundamentação iterativa e a fundamentação simples. AIston rejeita a fundamentação iterativa (repeticiosa) porque ela pode realmente levar à regressão infinita, conforme a objeção feita. Do outro lado, argumenta que a fundamentação simples escapa à acusação de uma regressão infinita sem cair na armadilha do dogmatismo. Evita a regressão infinita ao fundamentar o conhecimento em proposições básicas imediatamente justificadas, sem exigir que saibamos que estas crenças fundamentais são justificadas. A base lógica para dar semelhante passo é que a justificativa deve parar algum lugar. AIston assevera que a acusação de dogmatismo pode ser evitada, também. Na maioria dos casos, nossas crenças básicas não são desafiadas, nem por alguma outra crença, nem pela objeção doutra pessoa. Logo, usualmente a questão do dogmatismo ou da arbitrariedade não vem ao caso. Parece que Pollock concorda, quando chama algumas proposições epistemologicamente básicas de justificadas prima fade. Uma crença é justificada até que seja comprovada injustificada.

Mas, e se há algum desafio contra uma crença básica? Como poderemos evitar o dog-matismo em tal caso? AIston responde que, embora seja verdade que os

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fundamentacionistas simples requerem que algumas crenças sejam imediatamente justificadas, o conceito reconhece que todas as crenças requerem alguma justificativa mediata. Para as crenças fundamentais, esta justificativa mediata será algum princípio epistemológico válido que define as condições para a justificativa, mas não inclui a asseveração doutras crenças justificadas. O que crê será imediatamente justificado em manter aquela crença porque pensa que aquele princípio é válido, e a crença em epígrafe enquadra-se naquele princípio.

Suponhamos, por exemplo, que cremos ser um princípio epistemológico válido que as aparências numa iluminação normal, percebidas por um observador fidedigno, são geralmente corretamente relatadas. Então, seremos imediatamente justificados em crer que vemos uma cor vermelha se a iluminação for boa e nós formos bons observadores. O argumento de AIston é este — as razões que temos para aceitar crenças imediatamente justificadas são necessariamente diferentes daqueles que temos para aceitar crenças mediatamente justificadas. AIston chama as razões dadas para as crenças imediatamente justificadas de "meta-razões"; têm a ver com as razões para considerar uma crença justificada. Desta maneira, a acusação de dogmatismo é evitada.

Outra maneira possível de responder à acusação de dogmatismo, que nos leva muito perto da primeira resposta, é simplesmente indicar que a premissa(s) é justificada; é auto-justificante porque sua veracidade é evidente em si mesma. E sua veracidade é evidente em si mesma porque, quando alguém examinar o significado do predicado, descobre que é o mesmo significado do sujeito. Outros alegam que algumas premissas são auto-justificantes, porque não podem ser negadas sem contradição ou inconsistência.

4. As crenças fundamentais ou epistemologicamente básicas não se constituem em razões logicamente necessárias para crer em proposições num nível superior. Esta objeção é muito semelhante à nossa primeira crítica, que alegava que não há crenças básicas incorrigíveis ou epistemologicamente incorrigíveis. Aqui, o argumento é que as crenças epistemologicamente básicas, ou as crenças mais baixas na estrutura, não se constituem em razões logicamente conclusivas para sustentar crenças mais altas na pirâmide. Noutras palavras, não garantem a verdade das crenças num nível mais alto.

A resposta a esta crítica pode adotar uma de duas abordagens. Primeiramente, pode-mos atacar a crítica diretamente ao alegar que a objeção é falsa. De modo geral, o problema centraliza-se no nosso conhecimento acerca do mundo externo. Por exemplo, argumenta-se que a crença de que parece que vemos uma casa não é uma razão logicamente conclusiva para alegar que há uma casa. Podemos estar errados acerca da sensação que pensamos que estamos tendo. Pode-se responder, no entanto, que há razões logicamente conclusivas mais para baixo na estrutura.

Uma segunda resposta é aceitar a alegação de que nem todas as razões que se cons-tituem em justificativa mediata são logicamente conclusivas, mas, ao mesmo tempo, asseverar que razões logicamente conclusivas não são necessárias em todos os casos.

Alguém poderia alegar que tudo quanto é necessário é que as razões sejam boas razões. Exigir que toda a justificativa seja logicamente conclusiva é requerer que todos os nossos conhecimentos sejam indubitáveis.

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5. Não há suficientes crenças ou proposições epistemologicamente básicas ou imediatamente justificadas para uma epistemologia compreensiva. As críticas discutidas até esta altura podem ser respondidas favoravelmente ao fundamentacionista, especialmente se nos dispusermos a adotar a posição mais moderada. Estas últimas duas objeções, no entanto, são menos decisivas a favor ou da fundamentação ou dos seus oponentes. A maneira segundo a qual a pessoa julga a exatidão e a severidade destas críticas determinará se ela é uma fundamentacionista ou uma coerentista.

A posição pode ser resumida da seguinte maneira. A estrutura defendida pelo funda-mentacionista pode ser sustentável. A fundamentação simples pode evitar tanto a regressão infinita quanto o dogmatismo. Pode haver crenças imediatamente justificadas, e crenças numa posição mais baixa na estrutura epistêmica que possam servir de razões para crenças mais altas na estrutura. Mas é argumentado que não há crenças epistemologicamente básicas ou imediatamente justificadas para servir de fundamento para todos os tipos do conhecimento. Destarte, alega-se, a fundamentação fracassa como estrutura compreensiva para a justificativa epistemológica.

Para julgar esta crítica, teríamos de formular uma epistemologia para cada área do conhecimento (e.g., a matemática, a lógica, a ciência natural, a história, etc.) segundo um modelo fundamental e avaliar sua eficácia. Semelhante tarefa ultrapassa as limitações de espaço deste capítulo. Mesmo assim, John Pollock fez esta tentativa no seu livro Knowledge and Justifícation. É seu argumento que fundamentos suficientes podem ser achados.

6. A sobrecarga de teorias torna impossíveis as proposições básicas. Esta crítica brota, em grande medida, das idéias dos filósofos da ciência tais como Thomas Kuhn e Paul Feyerabend. Argumentaram que nada existe como a pura experiência ou o puro fato contra os quais talvez tenhamos que testar nossas crenças para ver se são justificadas ou verídicas. Pelo contrário, é a teoria (um quadro do mundo) que opera em todos os níveis da experiência. Estes filósofos argumentaram que a teoria determina aquilo que será considerado um fato; teorias alternativas acerca do mundo produzirão fatos diferentes.

A aplicação desta tese à fundamentação é a seguinte. A fundamentação requer que haja proposições básicas que são diretamente justificadas. No entanto, se for verdade a sobrecarga de idéias, então parecerá que todas as nossas crenças são afetadas pela teoria. Daí, a distinção entre os níveis inferiores e superiores da pirâmide desmorona.

O O R Re el la ac c io i on n a a me m en n to t o e e n n tr t re e a a F é e e a a R Ra az ã o o

Uma das questões mais básicas que confrontam o cristão na filosofia é como relacionar a fé com a razão. Que papel tem a revelação em determinar a verdade filosófica, se é que tem algum papel? Inversamente, que papel, se tiver algum, a razão desempenha em determinar a verdade divina? Estas não são perguntas fáceis, e os cristãos têm respondido a elas de maneiras diferentes.

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Antes de ser possível entender estes pontos de vista, os termos revelação e razão de ser definidos. A "revelação" é um desvendamento sobrenatural por Deus de verdades e não poderiam ser descobertas pelos poderes da razão humana, sem ajuda. A

"razão" é a cidade natural da mente humana descobrir a verdade.

As soluções à questão de qual método é uma fonte fidedigna da verdade são divisíveis em cinco categorias básicas; (1) a revelação somente; (2) a razão somente;

(3) a revelação sobre a razão; (4) a razão sobre a revelação; e (5) a revelação e a razão.

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