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Críticas feitas por católicos aos liberais

No documento 2014DarcielPasinato (páginas 86-90)

Nesse tópico, discutiremos as críticas feitas por católicos aos liberais nas páginas da

Revista Vozes. Antes, de iniciar a discussão indicaremos os artigos tomados como referência

na análise.

● João Antônio Cabral de Monlevade (1960). Inimigos da Liberdade de Ensino; ● Abelardo Ramos (1959). Educação gratuita e o Estado;

● Abelardo Ramos (1960a). Pobre do pobre, com Dr. Anísio; ● Abelardo Ramos (1961a). O que defendemos;

● Abelardo Ramos (1961b). Dr. Anísio vem à Chuva;

● Humberto Rademakers (1961). A Liberdade de Cátedra do Sr. Roque Spencer

Maciel de Barros.

No início da década de 1960, João Antônio Cabral de Monlevade, importante defensor do ensino privado brasileiro, publica um artigo na Revista Vozes, intitulado Inimigos da

Liberdade de Ensino, onde criticava a legislação do ensino no Brasil, mais especificamente, a

Constituição de 1946. Monlevade alegava na sua fala que o documento era:

[...] uma fonte de renda para muitos. Beneficia exageradamente catedráticos da escola pública de nível superior. Um catedrático parece incrível, tem dois, três, até quatro assistentes. E alguns, não só não dão aulas, mas nem sequer são orientadores no campo das pesquisas. Têm salários fixos, ganhos sem o cumprimento do dever, sem orientar as pesquisas e sem ministrar aulas (1960, p. 696).

Na mesma fala, Monlevade (1960, p. 697) descreveu que “há muitos professores das escolas oficiais honestos a quem se deve respeito, outros deveriam modificar a vida ou perder os cargos”. A escola pública, segundo o autor, deixaria de ser uma fonte de renda para esse tipo de professor e se tornaria um ofício em benefício da educação da juventude.

Na conclusão do seu artigo, Monlevade (1960, p. 698) defendia que “neutra seria a escola que não informasse ou não ensinasse nenhuma doutrina, ou transmitisse todas da mesma maneira”. Na mesma fala, o autor acrescenta que os pais não cristãos que desejarem escola neutra têm direito à escola segundo sua convicção. “A criança que chega à escola é um complexo de tendências variadas de instintos bons e maus, de inteligência que nasce e de ignorância, de vontade que desperta e de paixões que se opõem” (MONLEVADE, 1960, p. 698). Conclui dizendo que colocar a questão escolar em sua verdadeira perspectiva é meio caminho andado para dar-lhe solução justa e aceitável para todos.

Outro defensor do ensino privado desse período analisado, Abelardo Ramos, em seu artigo Educação gratuita e o Estado, destaca que a educação atuava como fator de integração dos seus membros e constituía o princípio dinâmico do aperfeiçoamento destes. Portanto, a liberdade de ensino era, na visão do autor, a possibilidade de se exprimirem os tipos de educação que deveriam atender à diversidade dos grupos humanos. Ramos (1959, p. 490) conclui que “a escola tem de ser instituição com características assemelhadas à família e não à repartição pública”.

A Constituição Federal de 1946 garantia que a educação deveria ser para todos. Segundo Ramos, era nisso que estava o interesse público, que “não é atribuição do Estado ter um papel de educador único. Prova disso é que a educação de cada aluno custa mais na escola pública do que na escola particular” (1959, p. 493). Por fim, ao concluir a sua fala, Ramos (1959, p. 493) coloca que se o aluno recebesse do Estado à complementação, “garantido a livre escolha, as escolas seriam de melhor qualidade e os pais poderiam recusar a educação de péssima qualidade, como atualmente o Estado oferece” (lembrando que esse debate era do final da década de 1950).

Com isso, Ramos (1959, p. 495) defende que “é visível que a melhor educação só se poderá obter em estabelecimentos particulares”. Seguindo o mesmo raciocínio, Ramos (1959, p. 495) ressalta que “o caminho do Estado socialista prepara-se, preparando-se homens em disponibilidade, embora hábeis na ciência ou na técnica. Alcançando o Estado socialista, as crianças já são educadas, mas dentro de uma docilidade à filosofia do regime”. O que Ramos observa diante disso, é que a melhor educação, que atinge gratuitamente ao maior número de

brasileiros, dentro do preceito constitucional e respeitando a liberdade e dignidade de cada indivíduo, só pode ser a educação através dos estabelecimentos privados.

Em outro artigo intitulado O que defendemos, Abelardo Ramos (1961a, p. 5) discute que “o laicismo de Estado significa, na verdade, a separação obrigatória entre o Poder Político, concretizado no Estado, e os credos religiosos”. Porém, não significa a separação obrigatória entre a Nação e a Religião. Ramos (1961a, p. 6) ressalta que “somente nos regimes totalitários a vontade da Nação é substituída pela da facção governamental”. O laicismo da Escola significaria, na fala do autor, a separação “entre a Nação e a Fé, a separação entre o Homem e seu Criador”.

Segundo Ramos, a separação obrigatória entre o Estado e a religião poderia acontecer, porém a separação entre a Nação e Deus seria impossível. Em relação ao laicismo do Estado, o autor coloca que “se revogado estiver o laicismo do Estado, se o Estado se intromete, por característica de função, no âmbito reservado à consciência, os próprios materialistas nos ordenam disputar o Estado religioso, em que se houvera transformado o Estado leigo” (RAMOS, 1961a, p. 8).

Em relação à liberdade de cátedra, o padre Humberto Rademakers escreve um artigo, em maio de 1961, intitulado A Liberdade de Cátedra do Sr. Roque Spencer Maciel de

Barros40. Inicialmente, Rademakers fala da Constituição de 1946 no que diz respeito ao Art. 168, que garantia a liberdade de cátedra. Continua afirmando que “todo o professor está preso à disciplina determinada que seja a sua cátedra. Incursões em outras matérias, divagações sobre outros assuntos, são a ele, vedadas” (RADEMAKERS, 1961, p. 375).

É a partir desse momento que inicia as críticas ao educador Roque Spencer Maciel de Barros. Rademakers (1961, p. 376), em seu artigo, destaca que “a liberdade de cátedra é a liberdade de procurar a verdade com meios legítimos, e de ensinar a verdade conforme manda a consciência, isto é, respeitando as limitações”. Dentro dessa fala, Rademakers descreve Roque Spencer da seguinte maneira:

40

Dentre os docentes da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, destacou-se a figura do Professor Roque Spencer Maciel de Barros. Em palestras, reuniões públicas e artigos na imprensa, ele foi incansável na defesa da escola pública, laica e obrigatória. O que o situou de um modo muito especial nessa campanha foi o fato de ter escolhido como tema principal de combate o princípio da liberdade de ensino, que o Deputado Carlos Lacerda alegava ser o princípio filosófico de seu substitutivo. Naquele momento, os que tomavam posição contrária a esse projeto eram pronta e levianamente acusados de adeptos de valores antidemocráticos e de pretenderem o monopólio estatal da educação (AZANHA, 1999, p. 3).

Roque Spencer tem alergia de falar nos pais dos alunos, não quer ouvir o direito deles e não conhece o respeito pela orientação do lar. Aliás, o próprio Sr. Roque imediatamente sente que está sendo ingênuo demais e volta sem demora à decantada liberdade de cátedra, não percebe que assim elimina não só a liberdade do aluno, mas também e ao mesmo tempo a liberdade do direito, e do inspetor, pois quem ocupa a cátedra é o professor e mais ninguém (1961, p. 377).

Diante das colocações, Rademakers vai mais longe, defende que Roque Spencer queria acabar com a escola religiosa. Queria também, atribuir a todos os professores o direito de anular a liberdade dos alunos. “Numa escola particular ideológica, a situação é diferente. Os professores são escolhidos em obediência à orientação da escola em consonância com a convicção básica dos alunos, isto é, dos pais. Valoriza o aluno e afirma a liberdade dos pais” (RADEMAKERS, 1961, p. 378). Por fim, conclui Rademakers a sua fala, afirmando que a liberdade de cátedra numa escola pública, consistiria em esconder sua própria ideologia e religião.

Outro educador que será alvo de muitas críticas é Anísio Teixeira. Sobre essa questão, em 1960, Alberto Ramos publica mais um artigo na Revista Vozes intitulado Pobre do pobre,

com Dr. Anísio, no qual defendia que era “pura demagogia” dizer que a Igreja Católica era

adversária da escola para o pobre. É nesse momento que entra a figura de Anísio Teixeira no debate. “Foram os antecessores ideológicos do Dr. Anísio, seus padrinhos de todas as horas, os que se rebelaram contra a educação do indivíduo de baixa extração” (RAMOS, 1960a, p. 454). Por isso, acrescenta o autor, é que “o plano anisiano, oferece habilidosa disposição de obstáculos aos que desejam ascender” (RAMOS, 1960a, p. 455).

Continuando as críticas a Anísio Teixeira, Abelardo Ramos escreve outro artigo em agosto de 1961, intitulado Dr. Anísio vem à Chuva, onde afirma que amadores e diletantes pretendiam atrelar a escola pública a um sistema laicista e afastá-la da inspiração espiritualista. Sobre essa questão, acrescenta que “de fato são amadores e diletantes em educação os manipansos de esquerda, que só visam garantir, pela educação, a sobrevivência de regimes” (RAMOS, 1961b, p. 619). Ramos defendia que em tal sistema não havia educação, apenas existia uma preocupação jurídica de princípios que queriam a absorção dos homens pelo Estado, aí levanta as seguintes questões:

[...] é possível, assim caminhar para a democracia? Quem arriscará a própria vida, pela coletividade, na qual, segundo o ensino, não medram sentimentos altos, mas se juntam libidos e volúpias incestuosas, toda uma corja, a lutar pela epiderme e o paladar, a manter o espantalho moral, tão só para que nele venham corvos fazer a sesta? (RAMOS, 1961b, p. 619).

Por fim, Ramos (1961b, p. 620) observa que “oculta à razão, porque uma escola cuja existência decorre de limitações econômicas deve incorporar restrições de caráter ideológico” e encerra o artigo dizendo que “o Estado pode ficar com a escola, mas que respeite aqueles que pensam ao contrário e tenham ideias opostas. O que de fato importa é que se assegure a liberdade de cátedra, princípio constitucional brasileiro” (1961b, p. 620).

No documento 2014DarcielPasinato (páginas 86-90)