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Florestan Fernandes

No documento 2014DarcielPasinato (páginas 113-117)

3.3 Personagens em destaque: trajetória de alguns signatários

3.3.4 Florestan Fernandes

Em sua dissertação de mestrado, intitulada Saber e compromisso: Florestan

Fernandes e a escola pública, Robinson dos Santos (2002) aponta que para Florestan

Fernandes46 parece perdurar na sociedade brasileira (década de 1960): o descaso de modo geral com a educação, sobretudo com os professores.

Em 21 de novembro de 1959, Florestan Fernandes lançou um apelo aos educadores liberais num artigo no jornal O Estado de S. Paulo, para que se posicionassem na Defesa da Escola Pública, já que os políticos haviam cedido em face das pressões e permitido que se conduzisse a discussão de acordo com os seus interesses. Analisando a contribuição de Fernandes, acrescenta Santos:

Entre o final de janeiro e início de fevereiro de 1960, Florestan escreveu mais uma série de artigos no mesmo jornal, intitulados “Em defesa da escola pública”. Neles discutia uma série de questões relacionadas com o papel do Estado Democrático em face da educação particular, aos deveres do Estado em matéria de ensino e quanto à gestão dos recursos públicos. Nas três principais colocações feitas, procurava esclarecer aquelas questões, bem como combater os argumentos dos seus adversários, que, segundo ele, seriam de má fé (2002, p. 94-95).

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Florestan Fernandes nasceu em São Paulo em 22 de junho de 1920. Sempre defendeu a escola pública e a educação em geral, destacando-se no debate do projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação promulgada em 1961. Faleceu em 10 de agosto de 1995.

Em relação à citação do parágrafo anterior, “o primeiro argumento analisado era de que seus oponentes defendiam que o Estado, para agir democraticamente, deveria beneficiar com equidade a escola pública e a escola privada” (SANTOS, 2002, p. 96). Sobre este argumento, Fernandes destaca que o Estado democrático tolerava e amparava a existência de sistemas educacionais particulares. Outro argumento dos defensores do ensino privado era que a família era a responsável pela educação e que o Estado não poderia querer monopolizar esse direito. A terceira questão que Florestan Fernandes analisava era a destinação dos recursos públicos para a manutenção da escola privada. “Ele deixava claro que não era contra a existência dos estabelecimentos confessionais e particulares de ensino, desde que se mantivessem com seus próprios recursos” (SANTOS, 2002, p. 97).

Um importante artigo escrito por Florestan Fernandes (1960a), intitulado Em defesa da

Escola Pública47, chama a atenção para o índice elevado do analfabetismo e a precariedade da

rede pública de ensino na década de 1960. Neste, Fernandes (1960a, p. 109) descreve que “há milhões de analfabetos no Brasil. Não temos uma boa escola primária; não dispomos de uma boa rede de ensino secundário, professores bem formados para todas as escolas, entre outros”. Continuando, Fernandes ainda denuncia que o ensino particular de forma alguma havia sido ameaçado no Brasil. Muito pelo contrário, foi reconhecido e protegido pelas leis, “colhendo contínuos benefícios, legais e até ilegais, dos poderes públicos – da isenção tributária a favores diretos, na doação de terrenos, de equipamentos e de recursos ou em subvenções de várias espécies, que beneficiam principalmente muitas escolas católicas” (FERNANDES, 1960a, p. 111). Mesmo assim, chamamos a atenção que o Estado que tolerava e de certa maneira amparava tanto a escola pública quanto a escola privada, era acusado de pretender destruir a segunda para beneficiar a primeira.

Outra questão importante nesse debate é o poder que a Igreja Católica exercia na política e na educação. A ela, acabou aliando-se outro grupo os proprietários das escolas privadas. Esse grupo não tinha poder, porém, se apoiou no poder religioso. Seu objetivo era explorar o ensino com fins lucrativos.

Florestan Fernandes chama a atenção para a democratização do ensino48, em outro

artigo publicado em 1960, onde alerta que a democratização do ensino foi um dos pesados encargos herdados pela República no Brasil. Continua, que de fato a instrução “fora um

47 Artigo retirado do livro organizado por Roque Spencer Maciel de Barros (1960). Diretrizes e Bases da Educação Nacional. p. 104-118.

48 Artigo retirado do livro organizado por Roque Spencer Maciel de Barros (1960). Diretrizes e Bases da Educação Nacional. p. 154-165.

privilégio aristocrático na antiga ordem social escravocrata e senhorial; assim se manteve ao longo de mais de meio século de experiências republicanas” (FERNANDES, 1960b, p. 155). O que na verdade faltou foram recursos financeiros, humanos e culturais para fazer mudanças profundas no sistema educacional existente (décadas de 1950 e 1960).

Em outro livro que utilizamos nessa parte da dissertação, denominado Florestan

Fernandes de Marcos Marques de Oliveira (2010), o autor destaca que Fernandes colocava,

em linhas gerais, que os defensores da escola pública indicavam as seguintes medidas para o ajustamento da educação aos requisitos econômicos, políticos, sociais e culturais da ordem social democrática:

a) a extensão do ensino primário a todos os indivíduos em idade escolar, assegurando a todas as regiões do país, independentemente de sua estrutura demográfica e de suas riquezas, meios para incentivar esse desiderato; b) a diferenciação interna do sistema educacional brasileiro, de modo a dar maior amplitude às funções educacionais dos diferentes tipos de escolas, ajustando-as convenientemente às necessidades educacionais das diversas comunidades humanas brasileiras – incluindo uma proposta de “revolução educacional” que levasse à mudança de mentalidade e hábitos pedagógicos, redefinindo o uso social da educação por meio de novas concepções educacionais; c) e, por fim, a abolição da seleção educacional com fundamento em privilégios (de riqueza, de posição social, de poder, de raça ou de religião). (OLIVEIRA, 2010, p. 43).

Diante disso, Oliveira (2010, p. 44) coloca que “o objetivo de Florestan Fernandes era conscientizar a população brasileira sobre os problemas educacionais, por meio do exercício legítimo da pressão política em artigos de jornais, assim como em conferências em sindicatos e igrejas”. E acrescenta que a mensagem, em resumo, era uma só: “a relevância da democratização do ensino como mecanismo de abolição das barreiras que restringem o uso da educação para a manutenção dos privilégios sociais” (OLIVEIRA, 2010, p. 46). Florestan Fernandes fez isso atravessando diversas dimensões da realidade, “sintetizando aspectos micro e macrossociológicos, permitindo um entendimento do campo educacional como uma síntese entre a sociedade, o sistema escolar e o plano pedagógico” (OLIVEIRA, 2010, p. 47).

Outro trabalho que trata sobre a trajetória de Florestan Fernandes na defesa da escola pública é a dissertação de mestrado de Cristiane Silva Mélo (2009), intitulada Estado e

Educação pela imprensa: o debate de Florestan Fernandes ante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1959-1961), onde a autora coloca que “o Estado era o órgão

levantada por muitos educadores nas discussões dos problemas educacionais brasileiros em meio às discussões sobre a LDB” (MÉLO, 2009, p. 60). Também, achamos importante, diante do que já foi discutido, assinalar que, na sociedade, as discussões sobre os deveres do Estado para com a oferta do ensino nacional vinham sendo destacadas desde a apresentação do projeto de lei elaborado pela comissão de especialistas e pela iniciativa do Ministro Clemente Mariani, em 1948.

No final da década de 1950, o movimento de Defesa pela Escola Pública teve como centro de irradiação a Universidade de São Paulo e obteve a participação de estudantes, em especial alunos dos cursos de Pedagogia e Ciências Sociais, que se organizaram de modo a estudar, debater e propagar o movimento. A campanha teve por princípio a defesa do ensino público, em contraposição ao projeto substitutivo (Carlos Lacerda) em discussão no Congresso Nacional que defendia a escola privada.

Florestan Fernandes destacava ser necessária a efetivação do Estado-educador, enquanto instituição mantenedora de um ensino público e gratuito para toda a população. “Era preciso que a ação mínima do Estado, na resolução de problemas referentes ao ensino nacional, se convertesse em ativa participação no desenvolvimento e na organização da instrução pública” (MÉLO, 2009, p. 70). Desse modo, Fernandes apontou “o Estado como responsável pelo ensino público e pela oferta de uma educação de qualidade à população” (MÉLO, 2009, p. 71). Ressaltamos que a ação do Estado para com a oferta da educação geralmente é entendida como um modo de garantir aos indivíduos acesso ao conhecimento científico, elaborado social e culturalmente.

Outra questão importante no debate da presente dissertação, diz respeito à destinação das verbas para o ensino público. Sobre isso, Florestan Fernandes lutou bastante, ao considerar que o Estado deveria assumir sob sua responsabilidade a destinação das verbas para a escola pública e garantir uma educação de qualidade para toda a população brasileira. Empenhou-se na defesa de um ensino de caráter público e democrático, causa hasteada nas diversas atividades de que participou durante a época em que tramitava no Congresso o Projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A Campanha em Defesa do Ensino Público contou com a participação de muitos intelectuais e educadores das mais diversas áreas do conhecimento na defesa de uma educação de caráter público para a sociedade. Fernandes aliou-se aos educadores em prol da causa do ensino público, em contraposição aos princípios de liberdade de ensino proposto pelo substitutivo Lacerda.

A educação pública era, na concepção dos signatários, o meio mais propício à oferta de educação para todos. Esta era a condição para a oferta de uma educação democrática a ser disponibilizada não apenas à elite, mas também às classes populares. A instrução pública poderia alcançar todos os indivíduos, independentemente da “raça”, “religião” ou “situação econômica”. A ação do Estado em subvencionar os estabelecimentos particulares, defendida pelos signatários da campanha, era importante para a efetivação de uma educação de qualidade pelo viés do ensino privado. De acordo com Fernandes, eles não eram contrários à expansão das escolas particulares, mas a favor da qualidade da educação, em todos os níveis e modalidades, a ser ofertada à população brasileira (MÉLO, 2009, p. 81-82).

Esse era o objetivo da Campanha, zelar pela manutenção de um Estado democrático cujas ações no âmbito da educação se efetivassem com vistas ao bem comum da população em geral e não dos interesses particulares de ministros, governantes e representantes de grupos sociais na proposta de reformas, pois estas, provenientes de interesses pessoais, não provocavam mudanças no ensino nem obtinham a solução para os inúmeros problemas que se verificavam em sua organização. “Era dever do Estado democrático, manter as escolas fundadas por sua iniciativa para que prevalecessem condições de acesso à educação para toda a população” (MÉLO, 2009, p. 82). A ação do Estado não deveria se restringir ao auxílio de estabelecimentos de ensino privados, impedindo o desenvolvimento do ensino de caráter público.

Por fim, em relação ao Manifesto de 1959, Mélo (2009, p. 90) destaca em seu trabalho que “Florestan Fernandes assinou o Manifesto de 1959 porque considerava necessário que houvesse mudanças na organização e nas condições de acesso aos níveis de ensino”. Florestan Fernandes conferiu importância à ação de intelectuais na defesa de reformas que pudessem beneficiar o desenvolvimento da educação nacional, pois concebia como dever de todos zelar por um ensino de qualidade, cuja função se voltasse para a formação integral do indivíduo para a sociedade. Também, se posicionou contra o texto da legislação educacional proposto por Carlos Lacerda, e defendeu a necessidade de o Estado direcionar verbas para a ampliação e equiparação de escolas nas regiões brasileiras.

No documento 2014DarcielPasinato (páginas 113-117)