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5. GRAN SERTÓN ESPANHOL E ARGENTINO: LEITURAS CRÍTICAS

5.4. Os críticos do Gran sertón espanhol

Publicada no ano de 1967, a tradução de Grande sertão: veredas para o espanhol já era muito esperada no âmbito intelectual da Espanha e da Hispanoamérica. Ao sair efetivamente, suscitou posicionamentos que nem sempre convergiram. A tradução de Crespo provocou fortes críticas, inspirou elogios de leitores e escritores e foi enaltecida pelo próprio Guimarães Rosa. As leituras que motivou não se reduzem ao momento em que foram produzidas, prolongam-se até o presente iluminando a obra de chegada de novas maneiras.

66 “Neologismo formado con el prefijo negativo des y la forma pronominal mi” (CRESPO, 1975, p. 458). 67 “Neologismo en el que se acumulan las ideas de rascar y clavar, aplicables al zarpazo de una fiera”

121 Examinam-se no presente tópico as leituras críticas que não se encontram na linha comparativista feitas por Emir Rodríguez Monegal (1966), por Mario Vargas Llosa (1967), por Antonio Maura (2006) e por Pilar Gómez Bedate (2009). Utiliza-se a ordenação cronológica para apresentar de início o crítico uruguaio Monegal que escreveu em 1966 para o número 6 da revista Nuevo Mundo uma profunda crítica sob o título “La novela brasileña: hacia una dicción nacional” sobre autores brasileiros, estimulado pela tradução quase finalizada de Grande sertão: veredas.

A tradução de Crespo já se encontrava em vias de publicação e Monegal, também diretor da revista, vê-se empenhado em produzir um dossiê acerca da literatura do Brasil. Na introdução do número chamada “La otra mitad” começa com uma constatação:

Ainda que o Brasil ocupe praticamente meia América Latina, a literatura brasileira é quase desconhecida no resto do continente hispânico. A aparente semelhança das línguas, cujo tronco comum é indiscutível, mascara uma dificuldade prática de leitura que acaba por desanimar aos hispanofalantes. Nisto, os brasileiros são muito mais ativos. Não é estranho ver livros em espanhol nas melhores bibliotecas particulares do Brasil. Por outro lado, é quase um sinal de esnobismo ver um livro de escritor brasileiro na biblioteca de um hispanoamericano. Acontece aqui algo similar ao que também revela uma análise profunda da geografia cultural da América do Sul: Brasil e América Latina se dão as costas [tradução nossa] (MONEGAL, 1966, p. 4)68.

Tal constatação de que apesar do Brasil e dos demais países da América Latina possuírem línguas muito próximas entre si, vigora a distância em relação ao conhecimento cultural mútuo, é um dos motivos tornam um número a respeito da literatura vizinha tão pertinente. Outro motivo é a reduzida tradução de autores brasileiros para o espanhol até o momento. De acordo com Monegal, eram apenas Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo e Jorge Amado, publicados ainda de maneira incompleta (MONEGAL, 1966, p. 4). Nesse contexto surge a tradução de Grande sertão: veredas:

68 “Aunque Brasil ocupa prácticamente media América Latina, la literatura brasileña es casi desconocida

en el resto del continente hispánico. La aparente semejanza de las lenguas, cuyo tronco común es indiscutible, enmascara una dificultad práctica de lectura que acaba por desanimar a los hispanohablantes. En esto, los brasileños son mucho más activos. No es extraño ver libros en español en las mejores bibliotecas particulares del Brasil. En cambio, es casi una señal de esnobismo, ver un libro brasileño en la biblioteca de un escritor hispanoamericano. Pasa aqui algo similar a lo que también revela un análisis profundo de la geografía cultural de América del Sur: Brasil y América Latina se dan la espalda” (MONEGAL, 1966, p. 4).

122 De Guimarães Rosa (ainda que pareça incrível quando se pensa que já está traduzido na Alemanha, na Itália, na França, nos Estados Unidos) só se conhecem na Hispanoamérica alguns poucos contos dispersos em revistas (quase todas rioplatenses também). Felizmente, Seix Barral de Barcelona anuncia agora vários volumes de sua obra, inclusive uma tradução de seu romance Grande sertão: veredas (MONEGAL, 1966, p. 4)69.

Nota-se, nesse contexto, que a tradução de Crespo é entendida como possibilidade de aproximação entre os vizinhos da América Latina e o Brasil. A intenção de Monegal, então, é a de apresentar aos seus leitores uma grande quantidade de páginas sobre “los principales creadores” daquele momento, em específico Guimarães Rosa e Clarice Lispector. Seu panorama em “La novela brasileña”, no entanto, começa na Semana de Arte Moderna de 1922, passando por Macunaíma. Primeiro, para abordar o que considera a busca do Brasil quanto a um modo particular de criação estética, ganho principal da Semana de Arte; segundo, pela importância do romance de Mário de Andrade em relação às qualidades mitopoéticas, à necessidade de rompimento com antigas tradições e principalmente à aspiração de trazer mudanças à perspectiva literária vigente (MONEGAL, 1966, p. 6). Monegal compara a importância de Macunaíma à de Ficciones, de Jorge Luís Borges. No entanto, não acredita que se assemelhem em importância estética, apenas enquanto um passo à frente na linguagem artística. Em verdade, o crítico uruguaio acredita que o romance andradeano se aproxima de Borges apenas nesse aspecto.

Monegal dedica outro tópico para tratar do que chama de “grupo del Nordeste” que retoma a ênfase no regionalismo e que o crítico compreende em tensão com o paulistano, de cunho mais cosmopolita. Nesse grupo do Nordeste, enquadra os autores Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado autores que buscam uma estética própria diferente da metrópole. Guimarães Rosa é colocado junto a esses autores, mesmo que depois de comentar com reservas a respeito dos citados anteriormente, passe a reconhecer francamente o relevo do autor mineiro abrindo um novo tópico intitulado “Mestre Guimarães”.

69“De Guimerães Rosa (aunque parezca increible cuando se piensa que ya está traducido en Alemania, en

Italia, en Francia, en Estados Unidos) sólo se conocen en Hispanoamérica algunos pocos cuentos dispersos en revistas (casi todas rioplatenses también). Felizmente, Seix-Barra/, de Barcelona, anuncia ahora varios volúmenes de su obra, incluso una traducción de su novela Grande sertáo: veredas” (MONEGAL, 1966, p. 4).

123 Segundo o crítico uruguaio, nas obras de Guimarães Rosa percebe-se a universalidade e o comprometimento com o território: “João Guimarães Rosa (nascido em 1908) conseguiu ser universal em seu enfoque sem deixar de estar comprometido com seu próprio território” [tradução nossa] (MONEGAL, 1966, p. 7)70. Nessa

perspectiva, devido ao estilo singular do autor acontece a dificuldade em traduzi-lo. A tradução norteamericana é posta como exemplo malogrado por se encaminhar pela rota mais fácil e tornar-se simplificadora. Em outro pólo, Monegal situa as traduções italiana e alemã:

Esta peculiaridade de seu estilo explica as dificuldades que apresenta o romance de Guimarães Rosa (e toda sua produção narrativa por outra parte) aos tradutores e ainda aos leitores que sabem português. De fato, a tradução norteamericana (realizada com enorme cuidado por James L. Taylor e Harriet de Onís) se lê muito mais facilmente que o original já que até certo ponto os tradutores se viram forçados a simplificar e explicar o texto. Segundo me disse Guimarães Rosa, só a recente tradução de Corpo de baile e a versão alemã de Grande

sertão: veredas realizam a tarefa quse impossível de ser ao mesmo tempo fiéis ao original e legíveis na língua em que se traduz. As versões francesas racionalizam em excesso, segundo ele, as complexidades da dicção original [tradução nossa] (MONEGAL, 1966, p. 7)71.

As traduções de Edoardo Bizzarri e de Curt-Mayer Clason, respectivamente, a italiana de Corpo de baile e a alemã de Grande sertão: veredas são postas em destaque por serem consideradas “fiéis ao original” e, ao mesmo tempo, legíveis na língua traduzida. Monegal valora uma tradução por manter o equilíbrio entre o estilo da obra de partida e o quanto ela se torna compreensível para os leitores da cultura de chegada. Sobre a tradução de Crespo, comenta:

Quanto às versões em espanhol, Guimarães Rosa se declara maravilhado com a que fez Ángel Crespo de seu último romance (“Devi tê-lo escrito em espanhol”, me disse, “é uma língua mais forte, mais adequada para o tema”) e aprovou com entusiasmo a de suas

70 “Joáo Guirnarães Rosa (nacido en 1908) ha logrado ser universal en su enfoque sin dejar de estar

comprometido con su propio territorio” (MONEGAL, 1966, p. 7).

71 “Esta peculiaridad de su estilo explica las dificultades que presenta la novela de Guirnarães Rosa (y

toda su producción narrativa. por otra parte) a los traductores y aún a los lectores que saben portugués. De hecho, la traducción norteamericana (realizada con enorme cuidado por James L. Taylor y Harriett de Onís) se lee mucho más fácilmente que el original ya que hasta cierto punto los traductores se vieron forzados a simplificar y explicar el texto. Según me dice Guirnarães Rosa, sólo la reciente traducción de Corpo de baile, y la versión alemana de Grande Sertao: veredas realizan la tarea casi imposible de ser a la vez fieles al original y legibles en la lengua a que se traduce. Las versiones francesas racionalizan demasiado, según él, las complejidades de la dicción original” (MONEGAL, 1966, p. 7).

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Primeiras estórias, feita por Virginia Fagnani Wey. Mas ainda as mais fiéis das versões resultam incapazes de dar em toda sua riqueza essa textura ao mesmo tempo sutilíssima e brusca que é a marca de fábrica de seu estilo. Traduzir a Guimarães Rosa é como traduzir a Joyce: o seu é também um mundo essencialmente verbal [tradução nossa] (MONEGAL, 1966, p. 7)72.

O crítico uruguaio afirma ter conversado diretamente com Guimarães Rosa e que este se pronunciou favorável tanto acerca do trabalho de Crespo, quanto acerca da tradução de Primeiras estórias por Virgínia Fagnani Wey. Assim, percebe-se que no contexto hispanoamericano, a Gran sertón: veredas foi uma obra aguardada, que envolveu não só a expectetiva pela tradução em si, mas também a preocupação por conhecer mais da literatura do país vizinho e dos escritores contemporâneos à publicação. Recorde-se que, nesse último aspecto, as escolhas de Monegal abrangeram Guimarães Rosa e Clarice Lispector.

O crítico uruguaio volta a incluir Crespo na revista Nuevo Mundo no número 8, em fevereiro de 1967, dessa vez diretamente um trecho da tradução de Grande sertão: veredas, sem abrir para comentários. Há apenas uma nota de rodapé, explicativa de quem é o autor brasileiro, congratulando a editora Seix Barral pela iniciativa e fazendo um breve resumo do romance. O trecho é do início do livro, em que Riobaldo, em conversa com seu silencioso interlocutor, se questiona a respeito da existência ou não do diabo e da realização ou não do pacto.

Em prosseguimento, examina-se o artigo do autor peruano Vargas Llosa que escreve “¿Epopeya del sertón, torre de Babel o manual de satanismo?” no ano de publicação de Gran sertón. Seu texto é lançado inicialmente na revista Amaru73, número 2 de abril de 1967, e relançado na Revista de Cultura Brasileña no número 5 de fevereiro de 2007.

O autor peruano propõe três potenciais entendimentos para Grande sertão: veredas e no decorrer do texto detém-se na tradução de Crespo para realizar sua crítica. Segundo Vargas Llosa o romance pode ser compreendido de forma abrangente como

72 “En cuanto a las versiones al español. Guimarães Rosa se declara maravillado con la que ha hecho

Angel Crespo de su última novela (‘Debí haberla escrito en español’, me dice, ‘es una lengua más fuerte, más adecuada para el tema’) y ha aprobado con entusiasmo la de sus Primeiras Estorias, hecha por Virginia Fagnani Wey. Pero aún las más fieles versiones resultan incapaces de dar en toda su riqueza esa textura a la vez sutilísima y brusca que es la marca de fábrica de su estilo. Traducir a Guimarães Rosa es como traducir a Joyce: el suyo es también un mundo esencialmente verbal” (MONEGAL, 1966, p. 7).

73 Publicada pela Universidade Nacional de Engenharia, circulou em Lima, Peru, com distribuição

125 uma epopeia semelhante a uma torre de babel, devido às peculiaridades do livro, ou como um registro de conceitos ocultos sobre satanismo.

Acerca dos comentários que tece sobre Gran sertón: veredas, aponta, em primeiro lugar, o resultado positivo alcançado pelo romance em território brasileiro. Lembra que a obra muitas vezes foi comparada a Ulisses, de James Joyce. Destaca que Crespo preocupou-se em visitar o Rio de Janeiro para pesquisar de modo mais apurado o autor brasileiro e que sua tradução foi enaltecida por Guimarães Rosa. Entretanto, Vargas Llosa discorda do autor brasileiro, pois assevera que o caráter inovador do romance não foi atingido por Crespo. Caráter que se realiza no uso de uma complexa linguagem, que adota neologismos, arcaísmos e inversões sintáticas. De acordo com Vargas Llosa:

A tentativa de Crespo era soberba, seu fracasso também excepcional. Sua tradução aparta, efetivamente, de todas as modalidades existentes do castelhano, mas em nenhum momento se impõe ao leitor como uma língua vivente e necessária; mas bem, dá a impressão todo o tempo de algo híbrido, artificioso, fabricado e paródico: lembra o esperanto [tradução nossa] (VARGAS LLOSA, 2007, p. 101)74.

Na perspectiva do escritor peruano a tradução de Crespo fracassou, porque não segue a naturalidade e a fluência que o original compõe ao entrecruzar distintas realidades. Desse modo, pensa tratar-se de uma obra menor, cuja artificialidade é percebida como prejuízo e a mistura do oral e do escrito não alcança igual espontaneidade. Vargas Llosa acredita que a tradução é menos séria que o original:

Em muitos casos, o que se espera na obra original tem efeitos encantatórios, hipnotizantes (a captura da consciência do leitor através da exclusiva música das palavras), na tradução de Crespo tem resultados cômicos, isto é, de ruptura do feitiço novelesco, de retorno à realidade (por exemplo, as misturas de mexicanismos: “échate p’atrás, mano”, com espanholismos: “el follón se hizo enorme”, “me cabreo”, “¡hala ite atizaba!”, “los catetos”, “judiadas”, e de casticismos: “asaz mal tiraban los Judas”, com galimatías: “se mellaba un llover bajo, se memellaba”) [tradução nossa] (VARGAS LLOSA, 2007, p. 101)75.

74 “La tentativa de Crespo era soberbia, su fracaso es también excepcional. Su traducción se aparta, en

efecto, de todas las modalidades existentes del castellano, pero en ningún momento se impone al lector como una lengua vivente y necesaria; más bien, da la impresión todo el tiempo de algo híbrido, artificioso, fabricado y paródico: recuerda al esperanto” (VARGAS LLOSA, 2007, p. 101).

75 “En muchos casos, lo que en la obra original tiene efectos encantatorios, hipnotizantes (la captura de la

conciencia del lector a través de la exclusiva música de las palabras), en la traducción de Crespo tiene resultados cómicos, es decir, de ruptura del hechizo novelesco, de retorno a la realidad (por ejemplo, las

126 Para o autor peruano, Crespo detanciou-se da maneira de significar da obra de partida, elaborando um idioma que destoa pelo tom artificial e pouco convincente quanto à oralidade própria do castelhano. Insere trechos com mexicanismos, espanholismos, casticismos e galimatias para exemplificar seu ponto de vista. Por essa multiplicidade de elementos, segundo Vargas Llosa, utilizados de modo desarmônico, o trabalho de Crespo não se conecta com o leitor. Nesse caso seria melhor que o tradutor espanhol optasse por outro rumo:

Teria sido melhor, talvez, que o tradutor se resignasse a trair parcialmente o texto brasileiro, vertendo-o a um idioma já existente, e não tentasse esta recriação estilística, claramente superior a suas forças. O mais grave desta tradução não é tanto que a linguagem inventada por Crespo careça de unidade e de fluência, não remeta a nenhuma realidade linguística e lhe falte agilidade, graça e ritmo, mas que, com frequência, seu barroquismo gramatical e suas fantasias coloquiais se obscurecen e complicam até sumir o leitor nas trevas [tradução nossa] (VARGAS LLOSA, 2007, p. 102)76.

Vargas Llosa sugere que seria melhor se Crespo tivesse deixado de lado o original e o pendor criativo e substituísse a complexidade do sertão de Guimarães Rosa por outra realidade que já exista. Isso se dá, porque o crítico peruano duvida do fôlego do escritor para a empresa que devia realizar. De acordo com a ideia de tradução estudada na terceira seção desta tese, admite-se que a solução colocada pelo autor peruano para os problemas que menciona não é a mais adequada.

Para o crítico, a obra de chegada atinge certo mérito apenas porque o original tem relevância suficiente para se destacar:

Todavia, ainda que estilisticamente desabilitada na viagem do português para o espanhol, o romance de Guimarães Rosa sobrevive e impressiona como uma alta, formidável criação, graças ao seu fogo imaginativo, sua riqueza anedótica, a variedade de planos de realidade em que se move, a viva e múltipla sociedade humana que retrata e a sutil perfeição com que se integram nele, graças à maestria do autor,

mezclas de mexicanismos: ‘échate p’atrás, mano’, con españolismos: ‘el follón se hizo enorme’, ‘me cabreo’, ‘¡hala ite atizaba!, ‘los catetos’, ‘judiadas’, y de casticismos: ‘asaz mal tiraban los judas’, con galimatías: ‘se mellaba un llover bajo, se memellaba’)” (VARGAS LLOSA, 2007, p. 101).

76 “Hubiera sido mejor, tal vez, que el traductor se resignara a traicionar parcialmente el texto brasileño,

vertiéndolo a un idioma ya existente, y no intentara esta recreación estilística, a todas luces superior a sus fuerzas. Lo más grave de esta traducción no es tanto que el lenguaje inventado por Crespo carezca de unidad y de fluencia, no remita a ninguna realidad lingüística y le falte agilidad, gracia y ritmo, sino que, a menudo, su barroquismo gramatical y sus fantasías coloquiales se oscurecen y complican hasta sumir al lector en las tinieblas” (VARGAS LLOSA, 2007, p. 101-102).

127 uma natureza chamativa, uma história de um dinamismo sem trégua e uma complexa problemática espiritual [tradução nossa] (VARGAS LLOSA, 2007, p. 102)77.

Destaca-se Grande sertão: veredas no que tem de elevado grau de elaboração, para ressaltar que, devido a excelência da obra de partida, a obra de chegada não foi um completo malogro.

No entanto, divergente da compreensão de Vargas Llosa situa-se outro crítico: Maura, escritor e tradutor espanhol, reconhecido atualmente por obras que divulgam a literatura brasileira na Espanha78. Examina-se o artigo “Recepción en España de Gran sertón: veredas” (2007), apresentado pela primeira vez no “Seminari 50 anys de Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa” na Universidade de Barcelona em novembro de 2006 e publicado na Revista de Cultura Brasileña, número 5, em 2007.

Nesse artigo, que publica na Revista de Cultura Brasileña do ano de 1963, Maura expõe que Crespo já era leitor de Guimarães Rosa antes de traduzi-lo, salientando a inovação do romance (MAURA, 2007, p. 108). O crítico frisa também que, no momento quando se produziu a tradução de Guimarães Rosa, o único autor regionalista brasileiro traduzido para a Espanha era Lins do Rego. Desse modo, Crespo tomou a dianteira, visto que o chamado Boom da literatura latino-americana aconteceria somente em 1967 com Cien años de soledad.

No meio intelectual do país da península, percebe-se a busca por estímulo através de novas composições de vanguarda:

A década de sessenta, por outro lado, é uma época de mudança na Espanha e os jovens intelectuais como Crespo aspiravam, seguindo as ideias de Antonio Gramsci e tal como se plasmaria em maio de 68, não só a defender uma nova estética, e sim também mudar de vida. Entretanto, tudo aquilo era ainda prematuro em 1963, ainda que, não por isso, o futuro tradutor de Grande sertão: veredas deixasse de perceber [tradução nossa] (MAURA, 2007, p. 109)79.

77 “Pero, aunque desabilitada estilísticamente en el viaje del portugués al castellano, la novela de

Guimarães Rosa sobrevive e impresiona como una alta, formidable creación, gracias a su fuego imaginativo, su riqueza anecdótica, la variedad de planos de realidad en que se mueve, la viva y múltiple sociedad humana que retrata y la sutil perfección con que se integran en ella, gracias a la maestría del autor, una naturaleza llamativa, una historia de un dinamismo sin tregua y una compleja problemática espiritual” (VARGAS LLOSA, 2007, p. 102).

78 Dentre os ensaios publicados pelo crítico, evidenciam-se os seguintes: El discurso narrativo de Clarice

(2003) e Cartografía literaria de Brasil (2014). Há também sua tradução de Casa Grande-Senzala (2010). Ao lado disso, colabourou com dossiês em revistas e participou de homenagens e conferências sobre a literatura brasileira.

79“La década de los sesenta, por otra parte, es una época de cambio en España y los jóvenes intelectuales

128 A geração de Crespo, ao longo da década de 1960, foi um grupo que buscou o