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Crenças e concepções: entre certezas e crises do ensino

Nesta seção, será apresentado os embasamentos do ensino de ciências para a formação cidadã, considerando a importância da reflexão para um ensino crítico favorecendo uma aprendizagem significativa que aproprie o sujeito de um saber articulado e de caráter social, considerando os alunos como sujeitos.

O Ensino de Ciências comprometido socialmente com a formação do cidadão ultrapassa a ideia de transmissão-recepção e passa a operar numa nova racionalidade, numa abordagem problematizadora, numa relação reflexiva entre os conceitos e os contextos, não satisfazendo listar informações e repeti-las, tornando-se, assim, importante diferenciar informação e conhecimento. Neste sentido, para Pimenta (1997), conhecer implica um estágio de trabalhar com as informações classificando-as, analisando-as e contextualizando-as.

Assim, a formação inicial e continuada são espaços para refletir e reelaborar a crença epistemológica dos professores, sendo importante revisitar as principais abordagens epistemológicas da Ciência.

Em meio ao que foi discutido, crê-se que a travessia da formação do professor implicará na passagem de cenários antigos para cenários renovados do Ensino de Ciências. De acordo com Cachapuz (2005) para renovar as imagens que são constitutivas da Ciência, é preciso primeiramente rever as premissas e como estão organizadas as formações inicial e continuada dos professores, a fim de atualizá-las.

É importante destacar que o foco dado à reflexão sobre a formação continuada dá- se por conceber que o professor conhecedor das teorias que fundamentam sua prática, poderá tomar consciência das escolhas didáticas, da visão pedagógica e da visão de Ciência apresentada nos livros e nas atividades pedagógicas, favorecendo uma opção sobre o ensino participativo, considerando os alunos sujeitos ativos e participativos, se colocando com consciência sobre os temas pertinentes à Ciência no dia a dia. Neste aspecto, admite-se que a formação tem um grande desafio, pois uma visão ultrapassada, tradicionalista, da Ciência ainda está fortemente presente nas salas de aula.

Pensar a epistemologia moderna como uma investigação é um desafio à formação dos professores e às suas práticas pedagógicas, superando o que Carvalho e Gil-Pérez (2003) denominaram de visão simplista sobre o Ensino de Ciências. Como já discutido, comumente a Ciência é abordada em sala de aula, essencialmente, por transmissão-recepção dos conhecimentos científicos já elaborados, de forma fechada e como única verdade, sem relacioná-los com mundo social e debatê-los diante das experiências dos estudantes.

A concepção educacional integrada ao pensamento reflexivo extrapola a perspectiva do treino e da preparação e considera a capacidade de aprender reflexivamente o saber científico. Essa abordagem proporciona um olhar de superação para a cultura educacional tradicionalista. Assim, pensar o Ensino de Ciências na contemporaneidade requer adotar não apenas novos métodos, mas, sobretudo, uma nova concepção, uma nova cultura educacional que, de forma imprecisa, possa ser vinculada ao chamado construtivismo. (POZO; CRESPO, 2009, p.19)

Considerando a necessidade de uma nova abordagem para o Ensino de Ciências, torna-se importante que se argumente que, a visão disciplinada e fragmentada deve ser substituída pela apreciação do contexto e da reflexão dos temas estudados. O ensino deve estar atento às características dos alunos, às necessidades pedagógicas, considerando a dinâmica humana de desenvolvimento para poder realizar uma real intervenção pedagógica

nas aulas de Ciências objetivando a aprendizagem significativa. Esse é o jogo e a disposição da aprendizagem: compor as Ciências de um conjunto de propósitos articulados ao ensino.

Vive-se, portanto, em constante processo de aprendizagem, aprendendo sempre, fazendo novas relações, apoiados em saberes editados historicamente, em saberes da experiência e em saberes socialmente construídos no campo escolar. Segue-se o raciocínio da aprendizagem significativa, de uma aprendizagem que contribua para o cidadão escolher, opinar e participar da vida social. “E de maneira muito especial, como futuros cidadãos, mais do que tudo, vão precisar de capacidade para buscar, selecionar e interpretar a informação.” (POZO; CRESPO, 2009, p.24)

Dessa forma, entende-se que a compreensão do professor sobre o ensino e a aprendizagem em Ciências é uma premissa significativa e orientadora de sua ação docente. Segundo Gerhard (2010) o processo de aprendizagem escolar é complexo, influenciado por fatores de diversas naturezas, sendo alguns deles relacionados à atuação docente. Ao exercer sua função de professor, o educador utiliza-se de concepções e princípios que norteiam diretamente a sua prática.

Assim, a educação científica deve visar a aprendizagem significativa, que tenha sentido e interaja de modo contextualizado, tecendo os temas às suas várias dimensões: sociais, éticas, políticas e científicas, estruturadas em um tripé integrado entre conteúdos, procedimentos e atitudes, a fim de efetivar um paradigma de Ensino de Ciências construtivo.

Pozo e Crespo (2009) percebem a educação científica integrada a três eixos de conteúdos: conceitual, procedimental e atitudinal, o que exige do professor abertura para uma nova abordagem do Ensino de Ciências, um professor capaz de ensinar considerando, em seu planejamento, a escolha didático-metodológica desses eixos, equilibrando-os em sua proposta de ensino.

O conteúdo procedimental envolve a lógica da ação pedagógica dialógica e participativa, com a intenção de desenvolver a capacidade reflexiva acerca da realidade complexa, favorecendo que os alunos construam instrumentos para realizar procedimentos de análise dos objetos de estudo.

O conteúdo atitudinal refere-se à formação de atitudes e valores relativos ao conteúdo trabalhado, visando construir o papel de cidadão com potencialidade de intervir na realidade. Os conteúdos atitudinais são compostos pelo processo sociedade-indivíduo- sociedade.

Os conteúdos conceituais trabalham com símbolos, paradigmas, conceitos e ideias, que capacitam o aluno a compreender e reorganizar sua visão de mundo, através da

reflexão sobre os conteúdos de ensino, elaborando generalizações, regularidades e relacionando à dimensão conceitual do conteúdo numa perspectiva científica, criativa.

Se os processos de ensino estão implicados nessa integrada rede, pode-se dizer que todos os aspectos têm igual valor e que cada um terá particularidades e relevâncias que resultarão na aprendizagem significativa.

O que se pode intuir, é que o papel do ensino é tratar dos aspectos conceituais, com rigor, com método e com diálogo científico e este mesmo ensino deverá dedicar atenção e rigor metodológico aos procedimentos e à formação das atitudes. A capacidade de apropriar o aluno do saber fazer, do operar as estratégias e, por fim, de assumir atitudes e posicionamentos coerentes com o conceitual e o procedimental é o que formará o sujeito crítico e atuante.

Essa compreensão sobre o ensino promove uma revisitação na ação docente, com coerência entre a palavra e a ação, com cuidado entre o dito e o vivido e com firmeza na apresentação da aula. Portanto, o professor será um articulador do processo de aprender a aprender, integrando o conteúdo (sólido), procedimento (líquido) e atitude (gasoso), como elementos indispensáveis para a construção de saberes significativos. Essa reflexão altera de modo radical o lugar do Ensino de Ciências para a responsabilidade e da sua importância para a vida do aluno.

Diante de todo este emaranhado de considerações, no entanto, é importante que, neste sentido, sejam requeridas reflexões mais sistemáticas sobre o conhecimento, a forma de produzi-lo ou mesmo de torná-lo válido e o modo como este conhecimento é apropriado pelo sujeito. Ou seja, na formação inicial e continuada do professor, reflexões epistemológicas colocam-se como centrais. Tornando-se consenso a ideia de que qualquer mudança pedagógica requer uma compreensão firme sobre a natureza da Ciência que se quer ensinar.

Na próxima seção, serão abordadas as concepções de ciências, que têm permeado o ideário científico, considerado um debate significativo para a tese. Nesse sentido, serão discutidas as teorias científicas que nortearam a ação docente, a seleção desses conteúdos, a postura dos estudantes, desenvolvidas, principalmente, nas concepções que definiram o Ensino de Ciências.