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O período de 1967/1974 constituiu-se num dos momentos de maior intensidade de crescimento econômico nacional, que se apresentou através de transformações nas estruturas produtivas, comerciais e financeiras. Verificou-se, por parte do poder público, uma política de incentivo à industrialização, o que beneficiou a instalação das multinacionais no território brasileiro.

As condições favoráveis da economia internacional (entre fins da década de 1960 e meados da seguinte), em termos de participação no comércio internacional, de acesso fácil ao crédito externo e de menores restrições à importação de tecnologia já amadurecida, permitiram, a princípio, um crescimento acelerado da economia brasileira.

O Estado brasileiro, fortemente estruturado, impôs as políticas econômicas necessárias ao avanço da industrialização e à modernização conservadora, tanto do setor industrial quanto da agricultura, visando ampliar o volume de comércio exterior, a fim de aproveitar o substancial aumento do comércio internacional, que ocorria no período.

As excepcionais taxas de crescimento da economia brasileira, verificadas durante o Regime Militar, entre 1967 e 1974, possibilitaram aos mandatários do país a formulação do projeto Brasil Potência, com o objetivo de se propagandear a suposta conversão do Brasil numa das maiores potências econômicas mundiais. Para a realização de tal projeto, o Governo Militar programou uma soma grande de investimentos em insumos básicos, bens de capital e infra - estrutura. Ao mesmo tempo, no plano ideológico, disseminou-se a idéia- força de Brasil Potência, com a divulgação de slogans como Brasil: ame-o ou deixe-o, ou este é um país que vai para frente. A mídia foi intensamente usada, manipulada e censurada. A reforma da política educacional tornou-se também parte do programa hegemônico da Ditadura Militar. Propunha-se uma reforma que viesse ao encontro do ufanismo nacional, e que, ao mesmo tempo, garantisse a manutenção da supremacia do capital sobre o trabalho.

Esses elementos constituíam-se em catalisadores da obtenção do consenso nacional contra a ascensão do movimento operário e da emergência das idéias socialistas. Em função da consolidação do modelo econômico de desenvolvimento, baseado na

internacionalização da economia brasileira, o Estado procura realizar a reordenação de suas políticas em todos os níveis.

É em conformidade com esse reajuste político que se objetivava a redefinição da política educacional, estabelecendo novas diretrizes para a educação brasileira (RODRIGUES, 1982: 103-140). Nesse contexto, entraram em cena os convênios firmados entre o Brasil e os Estados Unidos, através do Ministério da Educação e Cultura - (MEC)- e da Agency for International Development - (AID)-, conhecidos como Acordo MEC - USAID, efetivados em 1964, 1965, 1966, 1967, 1968. Tais acordos visaram a formação de mão-de-obra qualificada, que atendesse ao avanço da industrialização brasileira, a fim de acelerar o desenvolvimento nacional, tal como concebiam os tecnocratas de plantão.

Os acordos MEC - USAID, cujo objetivo principal era a adequação da educação brasileira ao interesse do desenvolvimento capitalista da época, lançaram as principais bases das reformas dos diversos níveis de ensino (ROMANELLI, 1987) A característica principal desses acordos foi a tentativa de adequação dos sistemas sociais dos países periféricos ao processo de uniformização promovido pelo capitalismo internacional. Tratava-se da importação de técnicas de ensino modernizantes, que imprimisse um redirecionamento do ensino e da pesquisa.

Todos os fatos que mencionamos até aqui, os quais consideramos relevantes em relação à vida da universidade brasileira, constituíram parte de um processo que culminou com a Reforma Universitária de 1968, que foi, no período, o acontecimento de maior impacto na área educacional. Com essa reforma, pretendeu-se transformar a universidade, ajustando-a técnica, cultural e politicamente ao modelo de desenvolvimento imposto ao país1 . Visou-se, então, transformar a universidade brasileira em uma “universidade voltada para a produção de tecnologias, ajustada às exigências da modernização acelerada” (ROMANELLI, 1987: 223).

Campinas, no referido período, reproduziu o padrão típico de crescimento urbano que se manifestou nas grandes cidades brasileiras. Nos anos 60/70, verificou-se na cidade um elevado fluxo migratório. Campinas e região receberam 21% do total da migração e população total do Estado. Em 1970, a região de Campinas, que engloba também as cidades de Jundiaí e Rio Claro, respondia por 8,5% da produção industrial brasileira, possuía 1.200 empresas-industriais e 200 unidades vinculadas à construção civil. As principais atividades das 1.200 empresas instaladas na região de Campinas, em termos percentuais, foram as seguintes (MEDEIROS, et al., 1990):

• 35% das empresas pertenciam ao setor mecânico, metalúrgico, eletro - eletrônico e transporte;

• 12% ao setor madeira e mobiliário; • 12% a minerais não metálicos; • 10% têxtil, vestuário e calçado; • 7% produtos alimentícios; • 7%, editorial e gráfico;

• 5% químico, farmacêutico e petroquímico; • 12% outros setores.

Verifica-se, então, a consolidação da produção industrial como a mais destacada atividade econômica de Campinas. Assim, na década de 70, acentuou-se a divisão do trabalho na região, destacando-se as atividades urbanas de apoio à produção industrial.

Ao lado do desenvolvimento industrial, ocorreu o aumento da demanda por recursos tecnológicos. Deste modo, o emergente parque industrial da região exigiu soluções tecnológicas originais ou adaptações de tecnologia importada, que necessitava de ajustamento. Eis, então, o quadro ideal para a instalação em Campinas de uma universidade voltada para a formação de recursos humanos e a produção tecnológica.

É dentro deste contexto histórico que surge a UNICAMP- Universidade - Estadual de Campinas -, em 05 de outubro de 1966. Trata-se de uma Universidade fundada sob o domínio do autoritarismo. O regime militar, que então comandava o país, propiciava, dessa forma, a instalação de uma universidade que, intencional e programaticamente, busca relações mais estreitas com o setor produtivo.

A UNICAMP foi criada pela Lei número 7.655 de 28 de dezembro de 1962, alterada pelas Leis números 9.715, de 30 de janeiro de 1967, e 10.214, de 10 de setembro de 1968, com sede e fórum na cidade de Campinas, Estado de São Paulo. É uma entidade autárquica estadual de regime especial, na forma do artigo 4o. da Lei Federal número 5.540 de 28 de novembro de 1968, com autonomia didático-científica, administrativa, financeira e disciplinar. Rege-se pelos Estatutos, baixados pelo Decreto Estadual número 52.255, de 10 de julho de 1969, pelo Regimento Geral baixado pelo Decreto Estadual de número 3.467, de 29 de março de 1974 e pela legislação específica vigente (VAZ, 1966).

Embora criada em 1962, sua implantação efetiva foi realizada após a publicação do Decreto número 45.220, de 09 de setembro de 1965, criando a Comissão Organizadora da Universidade. Até aquela data, na Universidade, funcionava apenas a Faculdade de Medicina criada pela Lei número 4.996, de 25 de novembro de 1963. Entretanto, é com a autorização dada pelo Conselho Estadual de Educação pela resolução número 46, de 19 de dezembro de 1966, que a universidade entra na fase real de instalação. Destaca-se a criação dos Institutos de Biologia, de Matemática, de Física, de Química, bem como da Faculdade de Engenharia de Campinas (VAZ, 1966).

Prevalecia no discurso oficial da época a idéia de que a universidade brasileira estava isolada dos problemas relacionados com o contexto social. Esse discurso tomava os problemas sociais apenas sob o ângulo técnico-produtivo. Nos discursos do fundador da UNICAMP, Zeferino Vaz, esse tipo de preocupação esteve sempre presente. Zeferino Vaz, homem de confiança do governo militar, antes de ser nomeado interventor na Universidade de Brasília (UnB), havia sido o primeiro diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP. Era autoritário e centralizador, mas sempre respeitou a autonomia das atividades acadêmicas e científicas.

São célebres três frases do professor Zeferino, que marcam sua concepção de universidade: “as coisas mais importantes para construir uma universidade são, em primeiro lugar cérebros, e em segundo, cérebros, em terceiro, cérebros, e em quarto equipamentos de laboratório”. Uma outra muito conhecida: “vou buscar, para formar a universidade, onde quer que estejam situados no mundo, os cérebros de vanguarda...”. No período militar, Zeferino Vaz nunca deixou que militares invadissem ou intervissem diretamente na universidade. Costumava dizer que “dos meus comunistas, pode deixar que

eu cuido, Sr. General.”.(VAZ, 1978: 48). Contudo, essa frase é reveladora das afinidades dessa gestão da UNICAMP com o regime militar. Em função dessa afinidade é que se deve compreender o seu esforço de integrar a universidade à sociedade. Zeferino Vaz procurou mostrar que a universidade brasileira utilizava uma política isolacionista perante a “sociedade”. Contudo, sua proposta era criar uma universidade integrada com a empresa, voltada para a produção de pesquisa de ponta. Tratava-se de uma universidade que, segundo ele, “contribuiria para a elevação do mercado brasileiro, considerado subdesenvolvido” (VAZ, 1978: 03).

O relatório da Comissão Organizadora da Universidade de Campinas, de 1966, reporta os vários contatos e reuniões realizadas com engenheiros e empresários pertencentes à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), no sentido de consultá-los em relação ao conteúdo do ensino e da pesquisa que deveria ser adotado pela UNICAMP.

Pretendia-se absorver profissionais com experiência empresarial para desenvolver uma capacitação interna à Universidade em áreas interligadas com as necessidades da empresa nacional e assim propiciar uma imediata vinculação com o setor produtivo. Procurou-se também admitir pesquisadores capazes de desenvolver atividades acadêmicas de alto nível, no sentido de desenvolver áreas de fronteira no âmbito internacional e em setores em que ainda nem existiam demandas no país. (BRISOLLA, 1989)

A UNICAMP nasce voltada para a produção de pesquisa tecnológica. Os cientistas que iniciaram o processo de implantação da UNICAMP desenvolviam as ciências duras. As atividades acadêmicas, no âmbito dos laboratórios, foram elementos chave para “inaugurar” uma nova atividade de pesquisa no país. A UNICAMP assume o papel de vanguarda, colocando-se entre as cinco melhores universidades do Brasil, na medida em que, durante a década de 70, foi absorvendo pesquisadores altamente capacitados, que estavam retornando com doutoramento no exterior.

A UNICAMP seguiu métodos semelhantes àqueles adotados pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Além da concentração de cérebros em áreas tecnológicas, estabeleceu também uma intensa relação com o exterior e uma produtiva

proximidade com as empresas. Com as facilidades de financiamentos2, foi possível a montagem de laboratórios altamente sofisticados. De acordo com Brisolla (1989), foram incorporadas equipes de cientistas brasileiros que até então estavam trabalhando no exterior. Ao lado dos pesquisadores no exílio, vieram também acadêmicos estrangeiros, trazendo consigo o conhecimento que estava sendo produzido na Europa e EUA. No início destacaram-se as pesquisas no Instituto de Física na área das fibras óticas, bem como aquelas na Engenharia Elétrica, aplicadas em telecomunicações.

Contudo, a orientação conferida à pesquisa não se resumia na busca de uma ligação imediata com o setor produtivo, mas fundamentava-se numa visão mais ampla, identificando as áreas acadêmicas consideradas prioritárias. Conforme Dagnino (1990: 26), não houve na universidade um desenvolvimento de tecnologias possíveis de serem utilizadas pelo setor produtivo porque não havia demanda nesse sentido. Assim, o descompasso entre a academia e a empresa estava longe de ser superado. Entretanto, admite também Dagnino (1990), desde a criação da universidade, visava-se estabelecer laços estreitos com o setor produtivo. Nesse sentido a Unicamp teve um papel de vanguarda3, ainda que não houvesse uma contrapartida empresarial, capaz de intensificar uma correlação mais profícua.

2 - “Recursos financeiros expressivos foram destinados aos projetos de pesquisa da universidade por parte

das instituições financeiras nacionais , no início dos anos 70 ... Recursos externos também foram obtidos para permitir a importação de aparelhos modernos necessários ...” BRISOLLA, S. N. A relação da universidade com o setor produtivo – o caso UNICAMP. Campinas, UNICAMP, 1989. p. 35.

3-“Contrariando a tradição das universidades brasileiras, as quais usualmente resultaram da reunião

cumulativa de Faculdades ou Institutos isolados, a UNICAMP nasceu como um projeto pensado, voltado para as necessidades históricas emergentes na época”. DAGNINO, R. A capacidade brasileira da formação de recursos humanos para o desenvolvimento tecnológico: um estudo de caso. Campinas. UNICAMP. IG.

1.2- A RELAÇÃO DA UNICAMP COM A EMPRESA NA