• Nenhum resultado encontrado

4. AS TRANSFORMAÇÕES DO TERRITÓRIO A PARTIR DOS PROCESSOS

4.4. Da Estação Ecológica Barra do Queimados ao Parque Estadual Fritz

4.4.2. A criação oficial da UC

Muito mais do que a elaboração e publicação do decreto de criação do Parque Estadual Fritz Plaumann (Decreto no 797, de 24 de setembro de 2003),

essa mudança foi marcada pela solenidade oficial que contou com a presença de autoridades, representantes institucionais e atores locais (Fig. 42). Dentre estes, estavam não só moradores das comunidades do entorno, sobretudo os representantes das associações comunitárias, como também alguns dos ex- proprietários da área da UC (conforme entrevistas realizadas).

Dos ex-proprietários entrevistados, estiveram presentes dois que pertenciam à comunidade de Sede Brum, e portanto foram indenizados em função da criação da UC, um dos quais residia na casa que foi transformada no Centro de Visitantes do Parque (Fig. 43), e um que pertencia à comunidade de Porto Brum e foi o único que continuou morando na região (mudando-se para Sede Brum).

FIGURA 42 – Cerimônia de criação do Parque em 24/09/2003

Fonte: SOCIOAMBIENTAL (2003)

A solenidade marcou a criação oficial da UC a partir da assinatura do decreto estadual, seguindo as exigências da legislação pertinente. Apesar de o território estar impregnado de uma “identidade” anterior, sobre a qual foram definidas formas de organização e uso, a assinatura do decreto representa de fato a legitimação do poder do estado sobre uma área do município de Concórdia.

Há, no sentido restrito de “território delimitado por e a partir de relações de poder”, o reconhecimento, pela sociedade, do poder estadual sobre um espaço anteriormente sob responsabilidade do poder municipal e de domínio privado (SOUZA, 2006, p. 78). O processo de transformações, sob este ponto de vista, incluiu a compra da área de proprietários particulares por uma sociedade anônima de capital fechado, vinculada ao governo federal, que depois de privatizada passou o “poder” sobre o território para uma empresa e esta repassou novamente ao estado (governo estadual), em cumprimento às exigências da legislação.

O Decreto no 797 estabeleceu os limites oficiais da área, com 741,66 ha, definidos através do seu memorial descritivo, mas inclui também em suas considerações diversos elementos do Plano de Manejo da Estação Ecológica, principalmente extraídos da “Declaração de Significância”. Há claramente aqui a importância do processo de planejamento, principalmente executado pelo setor

técnico de uma empresa de consultoria, sobre o processo de criação, geralmente anterior e sob responsabilidade do órgão público gestor da UC.

Sob o ponto de vista dos atores agora interessados e envolvidos com esse território (de domínio púbico), foi de grande importância nessa etapa a entrega oficial de um documento com diversas reivindicações comunitárias frente à criação do Parque e à definição de sua Zona de Amortecimento.

Elaborado dois dias antes da cerimônia, o Documento Reivindicatório (Anexo 7) foi encaminhado ao governador do estado de Santa Catarina em nome da coordenação da Comunidade de Sede Brum. A coordenação, no caso, foi legitimada pelos representantes legais da Associação de Moradores, da Sociedade Esportiva e Recreativa Juventude (SER Juventude), da Associação de Pais e Professores da Escola de Educação Básica Prof. Francisco Bagatini e da Coordenação da Igreja local.

A análise do documento revela que, após a Consulta Pública, a comunidade de Sede Brum buscou aprofundamento no próprio Plano de Manejo, oficialmente disponibilizado durante e após o evento. Há também a exposição de questões ligadas à criação e planejamento da UC e à instalação da UHEI, resultantes de uma discussão junto a essa comunidade e a outras do entorno.

Dos possíveis danos destacados no documento, chama a atenção a vinculação de dois deles ao processo de enchimento do reservatório, a saber a “[...] diminuição do movimento econômico [...] pela indenização e retirada de inúmeras famílias”, e a “[...] grande proliferação de insetos causados pelas macrófitas”. Já os danos resultantes de ataques de animais silvestres e das restrições econômicas impostas pela ZA estão vinculadas somente à UC. Os ataques por animais silvestres representam de fato um potencial conflito entre UCs e comunidades do entorno (TERBORGH et al., 2002), mas já eram acontecimentos corriqueiros na vida dos moradores antes da criação da UC, em função das áreas de mata nativa existentes na região (NICHELE, 2007).

Mas porque a reivindicação comunitária foi apresentada somente quando da criação do Parque, se a ZA da Estação Ecológica já representava restrições?

Em primeiro lugar, acredita-se que seja em função da legitimidade representada pelo decreto de criação; em segundo, por absorver o conteúdo do Plano de Manejo apresentado na Consulta Pública, bem como as ações de mobilização prévias capitaneadas pelo setor técnico responsável pela elaboração do Plano de Manejo e pela proposta de mudança de categoria (Da-Ré, comunicação pessoal em junho de 2006). Aqui há, portanto, um contraponto à consideração do pesquisador quanto à criação não oficial da UC ao denominar o território de Estação Ecológica Barra do Queimados e elaborar seu Plano de Manejo.

Dentre as reivindicações apresentadas no documento, também chama a atenção o fato de que duas fazem menção direta à ZA na forma de medidas de apoio às adequações supostamente necessárias na “transição do modelo de produção”. Tais medidas de apoio já eram, em parte, previstas nos programas de manejo definidos no Plano da Estação Ecológica (SOCIOAMBIENTAL, 2001). A integração das comunidades em “projetos de exploração econômica”, por sua vez, não estava diretamente ligada aos elementos do planejamento da Estação Ecológica. Isto porque a categoria não previa serviços de uso público, mas tal reivindicação estava ligada aos argumentos de mudança para Parque, também apresentados no Plano de Manejo e destacados na Consulta Pública (SOCIOMBIENTAL, 2003; TRACTEBEL, 2003).

Além dessas questões, é interessante destacar a reivindicação por um “especial empenho na melhoria da via de acesso, inclusive com pavimentação asfáltica”. Segundo o documento, a reivindicação é motivada pela importância do Parque como referência em conscientização e preservação ambiental, mas também como forma de a UC dar um retorno econômico para a região.

O documento foi entregue em mãos ao governador em exercício, presente à cerimônia, por um representante da comunidade de Sede Brum, mas, segundo moradores do entorno, não houve resposta oficial. Muitas das reivindicações foram incorporadas na readequação do Plano de Manejo, como será visto adiante, mas não foram pautadas no documento. Isso deveu-se ao fato de o mesmo só ter sido identificado e analisado pela equipe técnica da empresa de consultoria em

2007, quando da execução dos Planos de Implantação, Incubação da Gestão e Operação do Parque (da qual o pesquisador participou).