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2. CONSERVAÇÃO E TERRITÓRIO

2.3. Unidades de conservação e território – uma breve correlação

Buscando associar o instrumental teórico abordado ao problema em estudo, alguns apontamentos se fazem válidos no intuito de analisarmos a (re)construção territorial sob a ótica dos diferentes processos de implementação das unidades de conservação.

É no processo de criação de uma UC que ocorre a definição de uma área (ou território, anteriormente inexistente!) que passa a ter objetivos específicos de conservação e regime especial de administração para garantia do cumprimento de tais objetivos. Essa definição se dá através da manifestação do poder estatal sobre um determinado espaço geográfico. Há, nesse sentido, uma apropriação dos territórios das escalas municipal e local pelo poder público estadual ou federal, conforme a esfera governamental envolvida, quando decreta a criação da UC, gerando tensão nas territorialidades existentes, com contradições de poder.

Esse processo, de um modo geral, pode ocasionar transformações sobre o espaço e sobre as relações existentes entre as pessoas e tal espaço. É evidente, nesse sentido, a manifestação de ações ligadas ao conceito de perda da identidade territorial das famílias indenizadas e/ou relocadas, no caso das UCs de proteção integral.

A falta de regularização fundiária, e a concepção de algumas categorias de manejo do grupo de uso sustentável (onde é permitido propriedade particular), por outro lado, geram contradições de apropriação do espaço por meio da superposição de diferentes instâncias de poder concebidas (e dominadas) por diferentes atores, de natureza pública e privada.

No entanto, há no processo de criação a possibilidade de relativização do poder estatal através da definição de localização, dimensão e limites da UC subsidiada pelas consultas públicas, possibilidade aparentemente ainda incipiente na prática.

Além disso, o conceito ecológico de território tem relação estreita com o processo de criação, visto que os objetivos de conservação de uma UC costumam estar ligados à área mínima de vida necessária a (e defendida por, sob o ponto de vista ecológico) uma determinada espécie animal rara e/ou ameaçada de extinção. É no processo de planejamento que se definem as formas de organização do espaço interno e externo a uma UC e ainda como se manifestarão as relações sociais de diferentes grupos sobre esses espaços. Especificamente em relação ao espaço externo, no caso das zonas de amortecimento e corredores ecológicos, há o estabelecimento de normas para as atividades desenvolvidas sobre terras particulares, no sentido de mitigar impactos que afetem a UC. Definem-se assim, ainda que no campo teórico, relações de poder entre duas formas distintas de apropriação do espaço, uma pública e outra privada, ainda que esta última esteja submetida à normatização pelo Poder Público.

O planejamento é o processo que, na prática, mais avançou no sentido de relativizar a expressão do poder estatal sobre a organização do espaço interno e externo a uma UC, oferecendo na elaboração do plano de manejo, diversas possibilidades de participação da sociedade civil.

A complexidade observada por essa evolução, no entanto, implicou uma diminuição significativa do potencial de factibilidade dos processos subseqüentes. Principalmente pelo distanciamento observado em relação ao contexto econômico e político dos territórios municipal, estadual ou federal, sobretudo em relação aos órgãos diretamente envolvidos com as UCs.

É no processo de implantação que se criam condições mínimas de infraestrutura e equipamentos para se pôr em prática as formas de organização do espaço interno e externo a uma UC, conforme usualmente definido no processo de planejamento. A própria implantação, por outro lado, representa uma manifestação de poder sobre o território concreto (e também do abstrato) do espaço abrangido e influenciado pela UC, este último no caso das estruturas alocadas fora de seus limites. Em alguns casos, espera-se que a esse processo

caiba a destinação de recursos para a resolução da principal gênese de conflitos ligados à implementação de UCs: a regularização fundiária.

Há ainda a possibilidade de estreitamente das relações entre as UCs e as comunidades vizinhas a partir do processo de implantação, em função do estímulo a serviços de apoio ao uso público, seja por conta do fluxo turístico gerado principalmente em função dos atrativos implantados na UC (centro de visitantes, trilhas estruturadas, etc.), seja através dos chamados centros temáticos nas próprias comunidades, servindo de estrutura direta de apoio geralmente articulada pela UC.

No processo de gestão são manifestadas as principais relações de poder institucional sobre a organização do espaço interno e externo a uma UC. Contraponto legalmente previsto, mas incipiente na prática, fica por conta das formas de participação da sociedade civil e demais instituições públicas na gestão das unidades, seja pela co-gestão com OSCIP’s, concessão de serviços de uso público ou pelos conselhos consultivos e deliberativos.

As transformações territoriais decorrentes do processo de implementação das unidades dependem, fundamentalmente, da eficiência do processo de gestão, que se configura atualmente na principal demanda e lacuna. Ao mesmo tempo, representa o processo chave para a consolidação dos obstáculos enfrentados pelos processos anteriores, seja reforçando-os, a exemplo das ações incompletas de regularização fundiária, seja mitigando-os, a exemplo da identificação e “valorização” da identidade territorial dos grupos sociais frente aos programas de manejo das UCs.

Segundo Karen Karam12 (comunicação pessoal, em 29/02/2008), o

processo de gestão propicia a reterritorialização do espaço, ou seja uma construção social que inclui o espaço da UC no tecido social de um dado território.