• Nenhum resultado encontrado

A Criação do Open-ended Working Group on the Question of Equitable

4. A BUSCA PELA REFORMA DO CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES

4.2. O desenvolvimento do tema no pós Guerra Fria

4.2.1. A Criação do Open-ended Working Group on the Question of Equitable

Other Matters Related to the Security Council: o never-ending working group e a Proposta Razali

De acordo com Vargas (2010), “A Organização está sendo reformada praticamente desde a sua criação. É um processo contínuo, que não tem começo, meio ou fim facilmente identificáveis” (VARGAS, 2010). Acrescento que este processo, como demonstrado, ocorre antes mesmo de sua criação.

Para o autor existiriam três tipos de reforma:

1) Constitucionais: criação de novos órgãos e redistribuição de competências. Reformas positivadas que alteram a estrutura da organização;

2) Procedimentais: evolução nas regras de procedimento e método de trabalho (Repertório da Prática do Conselho de Segurança);

3) Conceituais: transformação de ideias sobre funcionamento da ONU, o que transforma a própria organização (conceito de operações de manutenção de paz, por exemplo).

Para Vargas, o CSNU, até 1990, passou por três reformas constitucionais, que alteraram sua composição: o aumento do número de membros não-permanentes, a substituição da República da China pela República Popular da China, e da União Soviética pela Federação Russa (VARGAS, 2010).

A primeira reforma foi tratada na seção anterior. A segunda reforma do CSNU se deu, em 1971, com a substituição da China de Chiang Kai-shek (República da China) pela China comunista de Mao Tsé-Tung (República Popular da China). O assento permanente da China no CSNU, desde a fundação da ONU, assim como os assentos de outros órgãos, era da República da China mesmo após a tomada de poder pelos comunistas e a fuga de Kai-shek para Taiwan. Com o processo de descolonização e a entrada de novos membros na ONU favoráveis ao governo comunista alterou-se o equilíbrio da AGNU, com o tempo mais favorável à República Popular da China (VARGAS, 2010).

Para Vargas (2010) a substituição não deve ser considerada uma simples troca de governo, tendo em vista que durante décadas o governo comunista não foi reconhecido pela ONU enquanto legítimo detentor do assento, o que, para o autor, foi uma efetiva troca do Estado na composição do órgão, aprovada pela AGNU e não um fator político interno (VARGAS, 2010).

Por outro lado, o desmantelamento da União Soviética a partir de 1991 e a sua substituição pela Federação Rússia no CSNU em 1992 também pode ser considerado uma reforma na medida em que a transferência de representação praticamente imediata se deu para evitar que questionamentos a respeito da composição do órgão emergissem. Esta “não reforma” foi a forma encontrada pelos membros permanentes, principalmente França e Reino Unido, de evitar ameaças a seus assentos ou o surgimento de demandas por novos assentos permanentes (VARGAS, 2010).

Com o fim da Guerra Fria, os países em desenvolvimento passaram a reivindicar maior participação nas decisões do órgão, assim como Japão e Alemanha, grandes contribuintes das operações de paz e reconhecidos poderes econômicos. Em 1992, encabeçado pela Índia e 35 membros do NAM, um projeto de resolução foi apresentado à AGNU, pedindo a inclusão de novo tema na agenda do órgão, intitulado “Questão da representação equitativa e expansão da composição do Conselho de Segurança”. O projeto foi aprovado sob a resolução A/ RES/ 47/62 por consenso, e o relatório do Secretário Geral, divulgado em 1993, com a designação A/48/264 apontava que, embora a maioria dos países fosse a favor da reforma e expansão do CSNU, não havia acordo de como estes deveriam ser feitos (VARGAS, 2010; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 48/26, 1993).

Com seguidos adiamentos quanto à consideração do assunto, em 1993, na 48ª sessão da Assembleia Geral, foi estabelecido o Open-ended Working Group on the Question of Equitable Representation on and Increase in the Membership of the Security Council and Other Matters Related to the Security Council (Grupo de Trabalho Aberto sobre a Questão da Representação Equitativa e Expansão do Conselho de Segurança e Outros Assuntos Relativos ao Conselho de Segurança) (A/RES/47/62), devendo submeter à Assembleia os progressos de seus trabalhos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 48/26, 1993; A/55/100, 2001).

O objetivo, explícito em seu próprio nome, era discutir duas questões 1) a composição do órgão e 2) seus métodos de trabalho de processos de tomada de decisão (VARGAS, 2010). A divisão das questões se deu da seguinte forma:

Quadro 2: Os grupos de questões do Open-ended Working Group on the Question of Equitable Representation on and Increase in the Membership of the

Security Council and Other Matters Related to the Security Council Grupo 1: Aumento da quantidade

de membros e questões relacionadas

Grupo 2: Métodos de trabalho e transparência

Expansão do CSNU: determinação de quais categorias serão expandidas (não-permanentes, permanentes- inclusive questão sobre prerrogativas e poderes, tamanho do alargamento).

Melhoramento da transparência e métodos de trabalho do CSNU

Tomada de decisão do CSNU, inclusive manutenção, limitação ou abolição do veto

Participação de membros não- permanentes no trabalho do CSNU

Revisão periódica do alargamento Relação entre CSNU e AGNU e outros órgãos

Fonte: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, A/58/47, 200418

Ou seja, como demonstra o Quadro 2, o primeiro grupo de questões envolvia o tamanho e composição do CSNU, inclusive a respeito de membros permanentes,

18 Mais informações dos debates ao longo dos anos ver documentos: 2002- A/AC.247/2002/CRP.1.;

não-permanentes e uma possível criação de novas categorias intermediárias. O segundo grupo de questões trata sobre métodos e procedimentos do órgão, sua eficiência e eficácia e relação com outros órgãos da ONU.

O primeiro grupo de questões foi o mais problemático, com questionamentos sobre a legitimidade do poder de veto, a possibilidade de exclusão dos mesmos ou de criação de novos poderes de veto, o que afronta os atuais membros permanentes (VARGAS, 2010).

O grupo ficaria conhecido como “never-ending Working Group”, devido à dificuldade em se chegar um acordo (LUCK, 2006). De toda forma, a composição do Conselho, a quantidade de novos membros permanentes e/ou não-permanentes, a possível criação de novas categorias, a distribuição destes possíveis novos assentos geograficamente ou por contribuição financeira, a periodicidade com que a atualização destas questões deveriam ser tratadas, a nova maioridade requerida em casos de expansão, a questão do veto tanto dos atuais membros permanentes quanto de possíveis novos membros permanentes, ou seja, temas relacionados à reforma formal do órgão foram tratados ao longo dos anos, debatidos e negociados entre o grupo de trabalho, em uma tentativa de criar um consenso, ou algo próximo, para elaboração de uma proposta que pudesse ser aceita em votação na AGNU, criando maior pressão no CSNU.

Além destes temas relacionados à reforma formal do órgão, o grupo de trabalho também sugeriria alterações de regras de procedimento e métodos de trabalho, visando maior transparência, accountability, e participação nos trabalhos do CSNU, tanto de outros membros da organização, em especial contribuintes das tropas das operações de paz, quanto da sociedade civil.

Em 1996, Boutros Boutros-Ghali, então Secretário-Geral da ONU, lançou o “Agenda para Democratização”, que, como o próprio nome diz, trata da democratização e democracia enquanto temas cada vez mais relevantes com o fim da Guerra Fria, tendo a ONU o papel de auxiliar os Estados membros a procurarem seus próprios caminhos em direção à democratização, de forma paralela e complementar ao desenvolvimento econômico e social (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1996).

O artigo é composto de quatro componentes: 1) a emergência do consenso quanto a democracia e sua importância prática; 2) a fundação da preocupação da ONU com a democratização e o papel previsto para a mesma; 3) o momento e a

expansão da organização rumo à democratização; 4) e a questão da democratização em nível internacional (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1996).

Este último ponto, que diretamente nos interessa, diz respeito tanto ao design da instituição e suas estruturas ainda insuficientemente democráticas, quanto à maior participação de novos atores, não só outros Estados, mas também da sociedade civil, mídia, etc. e o desafio de se alcançar uma cultura democrática internacionalmente (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1996).

Para Boutros-Ghali, o objetivo da democratização pode ser um guia para a reforma do maquinário intergovernamental da ONU, tornando-a menos fragmentada, mais capaz de lidar com forças globais e aberta à sociedade civil. Em relação aos órgãos, a Assembleia Geral deve ter o papel de síntese e coordenação, e a melhora de seu funcionamento já vinha sendo debatido pelo Open- ended High- Level Working group on the Strengthening of the United Nations System (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1996).

Em relação direta ao CSNU, o então Secretário-Geral defende a necessidade da reforma de seus membros, procedimentos e métodos de trabalho. Citando o grupo de trabalho criado na AGNU, afirma que os Estados se encontram mais satisfeitos com a maior informação recebida dos trabalhos do CSNU e com a maior participação de outros membros, principalmente contribuintes das operações de paz, nos debates do órgão (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1996).

De acordo com Boutros Ghali, o grupo de trabalho e a AGNU vinham demonstrando que o tamanho e composição do CSNU não são mais considerados representativos da ONU ou das realidades geopolíticas de poder. Entretanto, a capacidade balanceada de contribuir com representação geopolítica é um difícil obstáculo à reforma efetiva (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1996).

A Assembleia Geral, na 51ª Sessão, em 1996, adotou uma resolução reportada ao CSNU salientando a importância do trabalho conjunto dos dois órgãos e solicitando ao CSNU que incluísse em seus relatórios encaminhados à AGNU informações sobre: a) as negociações ocorridas entre os membros do órgão antes da efetiva votação (consultations of the whole); 2) as decisões, recomendações e progresso dos trabalhos dos órgãos subsidiários, em especial os comitês de sanções; 3) a extensão em que resoluções da AGNU foram levadas em consideração pelo CSNU em sua tomada de decisão. 4) A AGNU requisitava

também que o CSNU fornecesse em seu relatório informações detalhadas a respeito do aprimoramento de seus métodos de trabalho e que 5) acrescentasse informações sobre pedidos recebidos a respeito do Artigo 50 da Carta e as ações realizadas. Por fim, 6) a resolução solicitava que o envio do relatório do CSNU à AGNU se desse antes do início dos debates da AGNU e que 7) o CSNU atualizasse a AGNU regularmente seus passos e ações que melhorassem a transmissão de informações para o órgão (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, A/RES/51/193, 1997).

Além do grupo de trabalho sobre a reforma do CSNU, foram criados outros grupos de trabalho na AGNU para lidar com a reforma da organização como um todo, são eles: Ad Hoc Open-ended Working Group on na Agenda for Development; Open-ended High-Level Working Group on the Strenghthening on the United Nations System; Open-ended Working Group on the Financial Situation of the United Nations. Na AGNU de 1997, o Departamento de Informação Pública da ONU informou que os dois primeiros concluíram seus trabalhos na 51ª Sessão da Assembleia Geral e que o grupo de trabalho sobre situação financeira e o da reforma do CSNU continuariam seus trabalhos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1997b)

Em 1997, Ismail Razali, presidente da AGNU e do grupo de trabalho propôs uma reforma que previa a seguinte alteração na composição do órgão (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS , A/51/47, 1997, Anexo I):

Tabela 5: A Proposta Razali Membros permanentes com poder de veto Membros permanentes sem poder de veto Membros não- permanentes Composição após 1963 5 0 10

Proposta Razali 5 5 (dois países

desenvolvidos e três em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina 14 (os quatro novos seriam provenientes da África, Ásia, América Latina e Europa do Leste). Fonte: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, A/51/47, Anexo I, 1997

A proposta Razali, como foi conhecida tinha como elementos principais:

“1) adição de cinco novos membros permanentes e quatro novos membros não- permanentes, para um total de vinte e quatro; 2) uma data em que os membros da Assembleia Geral teria que selecionar os cinco membros permanentes de acordo com distribuição específica geográfica e econômica; 3) a provisão de que os novos membros permanentes não teriam poder de veto e aos atuais seria solicitado que restringissem o uso deste instrumento essencialmente negativo; 4) uma regra de que novos e originais membros permanentes estariam sujeitos aos mesmo cálculos em termos de pagamento de um prêmio adicional para as tributação das operações de paz; 5) a eliminação das cláusulas inimigas da Carta (que diz respeito aos inimigos da Carta); a convocação de uma conferência de revisão depois de dez anos para possibilitar a implementação destas reformas; e 7) dezoito alterações nos métodos de trabalho do Conselho para aumentar a transparência, accountability e inclusão” (LUCK, 2006, p.116. Tradução livre).

Apesar de individual e informalmente Razali ter recebido a aprovação de 2/3 dos membros da Assembleia, ao apresentá-la ao working group poucos delegados assumiram os custos de aprová-la publicamente (LUCK, 2006). Como resultado positivo, a proposta de Razali serviria posteriormente de inspiração para o que seria conhecido como “estrutura intermediária”. Como resultado negativo, a proposta impulsionou a resolução A/RES/53/30, de 1998, vitória do MNA e da Itália, em que a AGNU determinou que as resoluções e decisões sobre a questão seriam tomadas a partir de uma maioria de 2/3 das votações do órgão, tornando a expansão do Conselho ainda mais complicada (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 48/26, 1993; CENTER FOR UN REFORM EDUCATION, 2013).