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A criação de valor no setor público

No documento Perícia criminal: uma abordagem de serviços (páginas 153-156)

Perícia Criminal

CAPÍTULO 5. O VALOR DO SERVIÇO DE PERÍCIA CRIMINAL PARA OS SEUS PRINCIPAIS STAKEHOLDERS

5.2 A criação de valor no setor público

No setor público, a problemática da criação de valor tem sido tratada sob perspectivas diferentes: há autores (KIRLIN, 1996) que enfatizam mais a criação de valor para sociedade em função dos desenhos institucionais e políticos de escolhas coletivas, concepção de governos e instituições, ou seja, enfatiza-se mais o papel institucional dos governos; por outro lado, outros autores (BEHN, 1995; CAULLIRAUX; YAMASHITA, 2004; HOOD, 1991; MOORE, 1995; OSBORNE; GAEBLER, 1992) sustentam que os governos criam mais valor para a sociedade quando as agências públicas são bem geridas.

Esta tese seguiu a linha de Moore (1995, p.3 – tradução nossa), para quem ―as estruturas institucionais moldam o que os gerentes pensam e influenciam o que eles podem fazer‖. O autor não toma partido no debate se a reforma institucional ou a melhoria da gestão é o caminho mais adequado para melhorar o desempenho do setor público, embora saliente que ambos sejam importantes. Assim, abordou-se a questão do valor em suas diferentes perspectivas naquilo em que tangenciavam com o serviço de perícia criminal.

Os governos são construções sociais, que podem ser reformulados de acordo com as necessidades da sociedade, ou seja, os governos e seus órgãos não são algo imutável, mas ao contrário, por serem fruto de um processo social, governos, instituições, legislações, políticas, programas, serviços, etc. apresentam um processo dinâmico de formulação, reformulação, de distribuição de poder e de responsabilidades (KIRLIN, 1996). Portanto, qualquer agência ou órgão público deve estar apto a incorporar mudanças e novas demandas da sociedade (MOORE, 1995, p. 55).

Para Kirlin (1996), os governos desempenham três papéis para a sociedade. O primeiro é constituir um governo efetivo, quando define as aspirações políticas, os mecanismos de escolhas e os instrumentos para as ações coletivas. Neste aspecto, a legislação é um dos meios mais importantes para a produção de bens públicos. É fundamental para os governos fazer cumprir e cumprir a lei. O segundo papel do governo é fazer as escolhas políticas que definam e protejam a comunidade. Para assegurar o cumprimento desta função pública, os governos devem prover a segurança, apoiar o desenvolvimento econômico, garantir os direitos de propriedade e o cumprimento de contratos e resolver conflitos. O terceiro papel do governo é prestar serviços à sociedade, tais como educação, saúde, segurança pública, etc.

Com relação a esta hierarquia de papéis governamentais, o autor comenta que:

A hierarquia dos papéis desempenhados pelos governos começa com a provisão de um instrumento de ação coletiva, move-se para a busca e proteção dos valores desejados pela comunidade e termina com a provisão de serviços. Esta hierarquia é vista tanto na estrutura dos documentos legais (da constituição ou organogramas, estatutos, leis, regulamentos, decretos, e, então, os orçamentos e os procedimentos administrativos) e na linguagem utilizada para descrever as atividades governamentais (KIRLIN, 1996, p. 168 – tradução nossa).

Ainda segundo Kirlin (1996, p. 161- tradução nossa) o que ―os governos devem fazer bem é criar valor para a sociedade‖, pois ―só o governo entre todas as instituições sociais traz para a ação coletiva tanto a autoridade para o uso dos instrumentos de ação estatal quanto de legitimidade‖ (KIRLIN, 1996, p. 171 - tradução nossa – grifo nosso). Autoridade porque nos Estados liberais o poder é exercido por agentes políticos que, em tese, representam a vontade política dos cidadãos, logo, detém a legitimidade para agir em nome desta mesma sociedade, principalmente, se a escolha for democrática. O setor público demanda dinheiro, que é levantado por meio da cobrança de tributos, e é preciso a autoridade do Estado para sustentar estas contribuições. Enfim, sempre que o dinheiro do contribuinte estiver sendo gasto, a autoridade pública estará engajada (MOORE, 1995, p. 43 e 48).

Para analisar como os governos podem criar valor, Kirlin (1996, p. 161 e 176 – tradução nossa) desenvolveu um modelo em forma de uma matriz constituída de ―Arenas de Atuação do setor público por Tipo de Valor Criado‖. Nesse modelo desenvolvido pelo autor, as oportunidades para criar valor estão nesta matriz definida por essas duas dimensões. As arenas de atuação se referem aos processos de criação de valor, enquanto o tipo de valor se refere às categorias de bens e serviços. Nesse sentido:

As arenas são locais definidos socialmente, onde a escolha coletiva e a ação governamental são possíveis. Em contraste, os tipos de valor envolvem distinções analíticas entre as consequências destas escolhas e ações. Então, a distinção entre as arenas se apóia na categoria de processos; enquanto a distinção entre os tipos de valor se apóia nas categorias de produtos (KIRLIN, 1996, p. 173 – tradução nossa).

Na matriz concebida pelo autor, ambas as dimensões são abstratas. Porém, as arenas para a ação governamental são mais abstratas e podem existir em qualquer nível de governo – nacional, estadual, ou local – e em qualquer um dos três poderes – executivo, legislativo e judiciário. Ainda, segundo o autor, o modelo não é influenciado por ideologias de direita, nem de esquerda e permite promover melhorias no desempenho governamental.

Segundo este modelo (tabela 8), nas cinco arenas de atuação do Estado - constitucional; infraestrutura jurisdicional e cívica; estratégia política e infraestrutura política;

implementação de programas; e organizacional/gerencial – podem ser criados três tipos de valor pela ação governamental - valor geográfico ou local ou territorial; valor através de sistemas funcionais complexos; e valor dos bens e serviços públicos.

Segundo Kirlin (1996, p. 174), as cinco arenas para ação governamental são: 1. Constitucional: a constituição expressa não só legislação maior do país, mas também as

aspirações de seu povo e os princípios que o norteiam. Enquadram-se, também, nesta arena de ação governamental as reformas e emendas à constituição. No Brasil, para inserir ou modificar temas tratados na constituição, é necessário um quórum qualificado de 3/5 (três quintos) dos deputados federais e senadores, em nível federal, ou dos deputados estaduais em plano estadual. Decisões com efeitos constitucionais também são tomadas com frequência pelo Supremo Tribunal Federal, abordando vários aspectos, tais como limites de ação dos agentes políticos, dos diversos órgãos públicos (inclusive dos próprios tribunais), entre outras;

2. Infraestrutura jurisdicional e cívica: ―são aquelas estruturas formais através das quais ocorre a ação coletiva‖ (KIRLIN, 1996, p. 174 - tradução nossa). As arenas jurisdicionais são a União, os Estados e os municípios. Associações e sindicatos de classe, associações de moradores são exemplos de infraestruturas cívicas;

3. Estratégia política e infraestrutura política: a estratégia política diz respeito às escolhas políticas para se atingir determinados objetivos. A infraestrutura política inclui os processos e as instituições. Por exemplo, no primeiro caso se enquadra o legislativo; enquanto no segundo estão os órgãos responsáveis pelo orçamento;

4. Implementação de programas: especificam-se com clareza as ações governamentais e quais serão órgãos públicos envolvidos;

5. Nível organizacional e gerencial: é demarcado pelas fronteiras organizacionais. Ainda segundo o autor, ―neste nível são decididas as habilidades do pessoal contratado, como eles se relacionam uns com os outros, os sistemas de incentivo e restrição sob os quais eles trabalham‖ (KIRLIN, 1996, p. 174 - tradução nossa).

Na segunda dimensão da matriz (KIRLIN, 1996, p. 174-175) estão os três tipos de valor, que podem ser criados pela ação governamental:

1. Valor territorial: é onde a efetividade das estruturas políticas e institucionais permite que as pessoas façam o máximo de suas próprias vidas. É no espaço geográfico que as pessoas realizam as várias dimensões humanas, tais como pessoais, profissionais, afetivas, sociais, entre outras. Portanto, envolvem as estruturas que garantam os direitos individuais e

coletivos, qualidade de vida, educação, saúde, segurança pública, a prosperidade dos negócios e dos empregos, por exemplo. Para o autor, o papel primário dos governos é enriquecer o valor territorial;

2. Valor dos sistemas funcionais complexos: estes sistemas envolvem a articulação entre o setor público, o mercado e a sociedade para criar valor. Tem impacto em praticamente em todas as arenas. O papel da ação governamental pode ser visto em sistemas funcionais complexos da saúde, transporte, comunicação, educação, laser, entretenimento, segurança pública e justiça criminal, entre outros;

3. Valores de bens e serviços: é a categoria de valor mais conhecida e discutida. Diz respeito à disponibilidade, qualidade, quantidade e preço dos bens e serviços públicos e privados. Incluem alimentos, assistência médica, serviços de segurança, etc. Enfim, trata da prestação de serviços e da disponibilização dos bens públicos.

Tabela 8. A criação de valor pelo governo Tipos de

Valor Criados

ARENAS DE ATUAÇÃO GOVERNAMENTAL

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