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Os processos de linha de frente e de retaguarda e o arranjo físico do serviço

No documento Perícia criminal: uma abordagem de serviços (páginas 108-113)

FONTE DE COLETA DE DADOS

CAPÍTULO 2 O ARRANJO INSTITUCIONAL, A ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E A ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO

3.2 A caracterização do serviço de perícia criminal

3.2.1 Os processos de linha de frente e de retaguarda e o arranjo físico do serviço

Outro ponto que se observa no mapa dos macroprocessos da perícia criminal é que esta operação de serviço pode envolver processos tanto na linha de frente, quanto na retaguarda. Segundo Corrêa e Caon (2006, p. 66), esta dicotomia é em função do contato que os (ou alguns) usuários e/ou clientes do serviço têm com o processo produtivo.

Os processos de linha de frente ou front office de um serviço são aqueles que envolvem alto contato com os clientes e/ou usuários (CORRÊA; CAON, 2006, p. 66). Podem ser desempenhados em vários lugares, desde a própria instalação do serviço até na residência do usuário (JOHNSTON; CLARK, 2005, p. 175). O contato pode ser pessoal, por telefone, ou por meio da tecnologia, como nos caixas eletrônicos dos bancos ou nos websites. Os clientes/usuários podem, eles próprios, participar de alguma forma do processo de produção ou fornecer materiais ou informações e, assim, se tornarem um ―recurso operacional‖ (JOHNSTON; CLARK, 2005, p. 175). Os processos de linha de frente podem ser rigidamente prescritos, como em um Call Center, ou apresentarem uma prescrição fraca e dependerem muito da competência do prestador do serviço (HUBAULT, 2001; JOHNSTON; CLARK, 2005, p. 176). Os processos de linha de frente estão expostos à imprevisibilidade e à variabilidade, logo, apresentam complexidade.

Por outro lado, os processos de retaguarda ou back office são aqueles que ocorrem sem o contato com o cliente ou usuários do serviço (CORRÊA; CAON, 2006, p. 66) e podem ser invisíveis para estes (JOHNSTON; CLARK, 2005, p. 177). Os processos de retaguarda podem ser realizados inclusive longe do usuário ou cliente. Estes processos (linha de frente e retaguarda) podem ser realizados pelas mesmas pessoas ou não, dependendo da organização do trabalho e da produção.

Ainda relacionado com esta questão da linha de frente e da retaguarda da operação de serviço, chama a atenção, também, o arranjo físico das instalações. Em gestão de operações, os arranjos físicos podem ser classificados em: arranjo físico por produto, arranjo físico por processo ou funcional e arranjo físico posicional (CORRÊA; CAON, 2006, p. 300). Slack et al (2002, p. 202-211) e Wild (2002, p. 151) acrescentam o arranjo físico celular.

O arranjo físico por produto é aquele em que ―os recursos são arranjados levando em conta a sequência de operações necessárias para executar o produto ou serviço‖ (CORRÊA; CAON, 2006, p.301). É mais indicado para serviços padronizados e que são

produzidos em grandes quantidades como uma lanchonete, por exemplo, pois o objetivo é favorecer o fluxo rápido.

O arranjo físico por processo ou funcional é aquele em que ―os recursos são arranjados levando em conta sua função. Recursos com função similar ficam agrupados juntos. A sequência de operação não é fixa‖ (CORRÊA; CAON, 2006, p. 302). Este tipo de arranjo é mais indicado para operações prestadoras de serviços mais diversificados, em que não há uma sequência necessária, como, por exemplo, as operações de supermercados.

O arranjo físico posicional é aquele em que os recursos se deslocam até o local onde o serviço tem que ser prestado (CORRÊA; CAON, 2006, p. 303). Um exemplo são as obras de construção civil em estradas (SLACK et al, 2002, p. 203). Vale salientar que uma mesma operação de serviço pode ter mais de um arranjo físico em suas instalações.

O arranjo físico celular é aquele em que:

os recursos transformados, entrando na operação, são pré-selecionados (ou pré- selecionam-se a si próprios) para movimentar-se para uma parte específica da operação (ou célula) na qual todos os recursos transformadores necessários a atender a suas necessidades imediatas de processamento se encontram (SLACK et al, 2002, p. 205).

Os processos na linha de frente da perícia criminal envolvem, na maioria das vezes, o deslocamento até o local da ocorrência. Portanto, os locais externos seguem a um arranjo físico posicional, em que os peritos criminais transportam para a cena do crime todo o material de que necessitam.

De início, observa-se dos macroprocessos que o isolamento e a preservação da cena do crime são fatores críticos para o sucesso da operação pericial, pois muito do serviço que a perícia produz, depende do que foi levantado no local de crime.

Neste momento, os peritos criminais têm o primeiro contato com o evento. É quando interagem com os policiais ostensivos (militares e/ou rodoviários), com os policiais civis (se presentes), com os bombeiros militares, com as vítimas e/ou familiares, com os suspeitos e/ou familiares, com testemunhas, com a imprensa, que às vezes se faz presente no local, além de outras pessoas, eventualmente, interessadas no caso.

Ao mesmo tempo, o perito criminal tem que realizar um levantamento de local de crime que dê sustentação ao respectivo laudo pericial em uma fase posterior, principalmente, porque este laudo será escrutinado pela acusação e defesa, que podem inclusive contar com assistentes técnicos.

Assim, o perito criminal tem que ser meticuloso nas buscas, nas medições e no manuseio dos vestígios, para não contaminá-los ou mesmo destruí-los, pois os mesmos podem se constituir em evidências nos processos seguintes. De forma que há uma grande pressão sobre o perito criminal nos processos de linha de frente.

Às vezes, o perito criminal pode precisar retornar no local do crime, mas o ideal é que ele saia do primeiro levantamento de local com todas as informações e vestígios; o retorno é sempre complicado porque o local já foi remexido, não há o esquema de isolamento e preservação de quando o fato aconteceu.

Estes processos de linha de frente com arranjo posicional são complexos, porque ali, naquele momento, é só o perito criminal, ou seja, depende muito das habilidades, conhecimentos e da expertise do profissional (JOHNSTON; CLARK, 2005, p. 176). Como ensina Hubault (2001), neste momento não há back office, e a própria prescrição do serviço de perícia criminal é fraca, porque tem que lidar em muitos casos com o imponderável. Muitas vezes, os locais são de difícil acesso e/ou o levantamento se dá em horário noturno e, ainda, sob condições físicas ou metereológicas adversas, não há testemunhas para dar alguma informação relevante, sem contar que cada crime tem sua dinâmica própria.

Some-se ainda o fato de que, principalmente, no interior do Estado pesquisado, muitas vezes os peritos criminais comparecem sozinhos ao local de crime, dirigindo a própria viatura policial, e são os únicos representantes da Polícia Civil naquele momento crítico, que é o da ocorrência do evento.

Considerando que na linha de frente, o arranjo físico é posicional, observa-se que os veículos periciais, mesmo na capital, não são adequados à prestação do serviço, principalmente, para o transporte dos artefatos tecnológicos necessários para a coleta de resíduos fisiológicos, por exemplo, e de seu respectivo acondicionamento. O veículo deveria ser adaptado especificamente para o serviço pericial. Deveria ter capacidade para proceder a testes laboratoriais simples, computadores, um farto material para a localização, coleta e armazenamento de vestígios e um sistema de iluminação adequado para atendimentos noturnos, entre outros. Estes fatos são importantes, porque o levantamento pericial de local de crime é um fator crítico para o sucesso não só da operação de serviço pericial, mas para a investigação e elucidação do fato e, também, para o processo e julgamento do caso. O próprio vestuário do perito criminal deveria ser objeto de estudo, para ser o mais apropriado para um local de crime.

Outra etapa em que há atividades de linha de frente é quando o perito criminal é convocado pelo juiz de direito, atendendo ao pedido da acusação ou da defesa, para comparecer em juízo e esclarecer pontos do laudo pericial, enfim, para que a prova pericial seja submetida ao crivo do contraditório. As partes podem contar com auxílio de assistentes técnicos, que, geralmente, são especialistas na matéria, inclusive professores universitários, ou peritos criminais aposentados. Nestas audiências, o perito criminal é sabatinado pela acusação e pela defesa e tem que sustentar oralmente o laudo. A parte que considera que o laudo pericial lhe foi desfavorável questiona o perito na expectativa de encontrar algum ponto, onde possa enfraquecer a prova pericial. Portanto, é outro momento de pressão na linha de frente.

Os processos de back office seguem um arranjo funcional, determinado pela especialidade do exame. Fazem parte do back office os exames laboratoriais (química, física, biologia, toxicologia e balística) e os especializados, como documentoscopia e informática, por exemplo. Outras atividades de back office desses processos são a realização dos registros, a elaboração do laudo pericial e as respostas a quesitos escritos formulados pelo delegado de polícia ou pelas partes através do juiz de direito, que deferindo, os requisita à perícia criminal. Nestes processos de retaguarda também pode haver contatos com os usuários ou clientes, tais como a coleta de padrões caligráficos, para exames de grafotecnia, a coleta de material para exame de DNA, troca de informações, entre outros.

Assim, no levantamento realizado pelo perito criminal em um local de crime de homicídio, podem ser necessários outros exames em função dos vestígios coletados. Por exemplo, pode ser necessário examinar um celular encontrado no local (Informática), aprimorar e identificar uma impressão digital (Papiloscopia), examinar um projétil de arma de fogo (Balística), realizar um exame de DNA em uma amostra de sangue coletada (Biologia), entre outros. Neste exemplo hipotético, o próprio perito criminal que atendeu o local, requisitaria os exames laboratoriais e especializados a cada uma das seções da retaguarda responsável pelos respectivos exames. Cada uma destas seções, posteriormente, emitiria um laudo pericial e o encaminharia ao perito criminal que realizou o levantamento do local de crime, para que ele pudesse, então, fechar o seu laudo.

Nesses casos, podem ocorrer atrasos na emissão dos laudos, em razão desta movimentação de materiais – vestígios - entre a linha de frente e a retaguarda e o retorno do laudo ao perito criminal que realizou o levantamento de local. Este problema é menor na capital, em decorrência da proximidade física das seções; porém, no interior o problema é maior e só é atenuado quando há núcleos regionais, que realizam estes exames.

Os processos de retaguarda ou back office são essenciais para o sucesso da operação de serviço, tanto em termos de eficiência no uso dos recursos, quanto de suporte para o pessoal de linha de frente (CORRÊA; CAON, 2006, p. 149) e efetividade no resultado dos laudos, fato amplamente constatado no serviço de pericial criminal. De nada adianta o perito realizar um excelente levantamento de local de crime, coletar um fio de cabelo com bulbo de possível suspeito, se o laboratório de DNA não existir ou não dispuser dos recursos necessários para proceder aos exames. Os peritos criminais que operam na retaguarda podem fornecer suporte para àqueles que atuam na linha de frente, por exemplo, orientando-os a como realizar uma coleta de vestígio em condições adversas.

3.2.2 A perecibilidade

Segundo Bowen e Ford (2002, p. 449 – tradução nossa), os ―serviços não podem ser estocados, porque não há nada para ser estocado‖, portanto, são perecíveis. Para Fitzsimmons e Fitzsimmons (2005, p. 47) um serviço seria como um assento vazio em um avião, ou seja, quando o avião levantou voo a ocupação daquele assento vazio está perdida para sempre.

Corrêa e Caon (2006, p. 79-80), entretanto, afirmam que as operações de serviços têm elementos estocáveis e não estocáveis. Os elementos estocáveis da operação de serviço seriam as instalações e os produtos que auxiliam na prestação do serviço. Os autores citam, como exemplos, o veículo entregue numa locadora de automóveis e um software, contendo o programa de computador que poderá ser utilizado.

Para os autores, os elementos não estocáveis da operação de serviço são os ―aspectos essenciais do serviço‖ (CORRÊA; CAON, 2006, p. 80), isto é, aqueles que estão ligados a sua missão primeira. Os autores citam como exemplo a qualidade do relacionamento médico-paciente num atendimento médico. E, além destes aspectos essenciais do serviço, há os elementos acessórios, mas que fazem parte do pacote, como a pontualidade, por exemplo.

Sob estes aspectos, pode-se afirmar que se a perícia criminal não é realizada em um local de crime, enquanto o estado das coisas não foi alterado, ela fica comprometida se realizada a posteriori, embora em alguns casos seja o único meio possível de se obter alguma evidência. Imagine-se, por exemplo, um local de homicídio com vários vestígios, tais como sangue, projétil de arma de fogo, fios de cabelo, com o cadáver na posição em que foi

encontrado, entre outros. Uma vez que este local tenha sido desfeito, os vestígios tenham sido recolhidos por outros profissionais que não sejam peritos criminais (ou nem tenham sido recolhidos), que o cadáver tenha sido removido, fica comprometida a perenização (a perpetuação) daquele local de crime por meio de croquis esquemáticos e fotografias. Em outras palavras, fica muito difícil para a perícia criminal produzir um laudo pericial que contenha uma prova robusta para auxiliar a investigação e o processo criminal judicial. Esta perenização pode inclusive ser utilizada por outros peritos criminais e assistentes técnicos para um reexame da cena do crime, que é muito útil na maioria dos casos. Portanto, este levantamento de local, uma vez não realizado, foi perdido para sempre.

Outra situação é aquela em que há peritos criminais de plantão com os equipamentos e artefatos tecnológicos ali disponíveis, mas não há acionamentos. Esta mobilização de recursos também não pode ser estocável; exceto pelas instalações, pelos equipamentos e pelos artefatos tecnológicos, que são os elementos estocáveis do serviço. Estes fatos ocorrem e foram observados, pois há plantões periciais criminais em que não há ocorrências, porém há outros com múltiplas ocorrências simultâneas, em que é preciso priorizar o atendimento, segundo a regra do caso mais crítico primeiro, ou até acionar outro profissional que não esteja plantão, ou esteja de sobreaviso, para atender algum local.

Mas esta é outra diferença dos serviços de emergência de uma maneira geral, entre eles a perícia criminal, e outros tipos de serviços. O ideal, a utopia, é que não ocorram eventos para atender, mas é preciso estar ali pronto e preparado para ser utilizado a qualquer momento, se necessário for; enquanto em outros tipos de operações de serviços, o desafio dos gerentes, segundo Fitzsimmons e Fitzsimmons (2005, p. 47), é fazer com que haja a utilização máxima da capacidade.

No documento Perícia criminal: uma abordagem de serviços (páginas 108-113)