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A criação da previdência complementar/privada e seu alcance social A previdência complementar teve início no Brasil com o Montepio Geral de

No documento Juliana Machado Fraga (páginas 72-78)

3 PREVIDÊNCIA E SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE ESTADO FUNDAMENTADA NO COMPROMISSO GERACIONAL

3.4 A criação da previdência complementar/privada e seu alcance social A previdência complementar teve início no Brasil com o Montepio Geral de

Economia dos Servidores do Estado (Mongeral), o qual foi instituído em 1835 como o primeiro órgão de complementação dos recursos das pessoas, visando proporcionar uma renda aos trabalhadores quando parassem de trabalhar. O art. 68 da Lei 3.807/60 dispunha que a previdência social poderia organizar seguros facultativos e o Decreto- Lei n. 73/66 criou o seguro privado. Posteriormente, conforme destaca Martins (2018), adveio a Lei 6.435/77 que foi inspirada no Employee Retirement Income Security Act (Erisa), de 1974, nos Estados Unidos, legislação esta que disciplinou a previdência

27 A Estratégia 2020 foi realizada pela Comissão Europeia sob o título “EUROPA 2020 – Estratégia

para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo” em 3 de Março de 2010, visando revitalizar a economia da União Europeia, por meio de uma articulação entre as políticas nacionais dos Estados- membros e as políticas europeias com viés sustentável e de desenvolvimento social (EUROPEAN ANTI-POVERTY NETWORK, 2011).

privada de caráter aberto e fechado. O objetivo da previdência privada era o de complementação ao seguro social que na época era pago pelo INPS.

A Constituição Federal vigente prevê, em seu art. 21, VIII, a competência da União para fiscalizar as operações de previdência privada. Com a EC n. 20/98 restou determinado que a matéria deveria ser tratada em lei complementar, dando origem à lei n. 109/2001, a qual revogou a lei 6.435/77. O decreto-lei n. 4206/2002 regulamentou a lei n. 109/2001. O formato de previdência complementar existente se alicerça na premissa de que o benefício previdenciário é insuficiente para atender todas as necessidades do segurado sem baixar o padrão de vida deste, visto que existe um teto de pagamento de benefícios. Dessa forma, a criação de uma previdência privada se justifica para complementar o benefício oficial e não para substituir o regime público (MARTINS, 2018).

O sistema de previdência complementar pode ser público ou privado. De acordo com a Constituição Federal a previdência complementar é facultativa e custeada por contribuição adicional, nos termos do art. 40, parágrafo 14 da Carta Magna, o qual prevê que a União, os Estados, Distrito Federal e Municípios podem fixar o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime próprio desde que instituam previdências complementares (GARCIA, 2017). A previdência complementar tem fundamento no art. 202 da Constituição Federal (com a redação dada pela Emenda Constitucional 20/98), o qual refere que possui caráter complementar, autonomia em relação ao sistema geral de previdência, facultatividade e cuja constituição de reservas deve se disciplinar por meio de lei complementar.

O regime privado atua em paralelo com o sistema previdenciário oferecido pelo Estado, sem, contudo, substituí-lo. Se destina a cobrir a diferença necessária para que o segurado possa manter o mesmo padrão de vida que possuía antes de sua aposentadoria, atendendo àqueles que não se contentam com os mínimos vitais oferecidos pelo regime público, mediante adesão aos planos de natureza contratual (SANTOS, 2018).

Entende-se que o regime previdenciário de natureza pública objetiva garantir ao segurado a subsistência mínima com dignidade, calculado com base em suas contribuições para o custeio do sistema. Santos (2018) demonstra que se o segurado deseja manter seu padrão de vida antes da percepção do benefício, deverá se socorrer da previdência complementar. Logo, a previdência privada se dá de forma

facultativa, complementar à pública, mantendo autonomia do regime geral de previdência social, visando a constituição de reservas que garantam o benefício contratado, sendo regulada por lei complementar, conforme dispõe o art. 202 da Constituição Federal.

Este modelo de previdência tem característica privada, ou seja, não é prestado pelo Estado, porém o Estado possui algumas obrigações no âmbito da previdência complementar (art. 3º LC 109) com o objetivo de formular políticas de previdência complementar, disciplinar, coordenar e supervisionar as atividades, determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira, assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações e fiscalizar as entidades de previdência privada (MARTINS, 2018). Logo, embora a contratação da previdência privada se dê no plano contratual da autonomia de vontade, alicerçado no princípio da pacta sunt servanda, gerando vínculo entre a empresa e o segurado, ainda assim, existem ações do Estado que devem ser desempenhadas para garantir os direitos dos contratantes. Para tanto existe a PREVIC (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), que é uma autarquia de natureza especial atuante na fiscalização e supervisão das atividades das entidades fechadas de previdência complementar, conforme elucida Garcia (2017).

O objetivo da contratação de previdência complementar não é visando a aplicação financeira, muito pelo contrário, visa a segurança e estabilidade do segurado em um sistema de poupança individualizado, o qual compreende a capitalização (funding) que será devolvida ao segurado dentro das condições contratadas, não se tratando do sistema de repartição simples (pay as you go). Notadamente a previdência pública tem caráter compulsório, isto é, filiação obrigatória, enquanto a previdência complementar ou privada atua de forma paralela e não poderá substituir a previdência pública. A funcionalidade da previdência privada é justamente cobrir a diferença necessária para que seja mantido o padrão de vida do segurado, que não se contenta com o mínimo existencial garantido pelo Estado no regime público (MARTINS, 2018). Logo, evidencia-se que o alcance social da previdência pública e da privada/complementar é completamente diferente. Enquanto a previdência pública atende a população baixa renda e garante um mínimo existencial a todos, de outra banda, a previdência complementar/privada atende a parcela mais abastada da população, que já tem alcance a uma boa condição

financeira e não quer ter seus ganhos reduzidos. Assim, a função da previdência pública não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela previdência privada/ complementar.

Ponto importante de destaque é a facultatividade da previdência privada complementar, haja vista que não possui filiação obrigatória como a previdência pública, conforme Santos (2018). Logo, se não há compulsoriedade não se poderia esperar que a previdência privada assumisse o lugar da previdência pública quanto à proteção social, pois somente os previdentes teriam condições de manter a sua rede própria de proteção social, enquanto os menos afortunados não teriam como realizar a contribuição sem que carecessem ao próprio sustento, tampouco poderiam receber auxílios dos demais segurados, pois lhes faltaria a aplicabilidade do princípio da solidariedade, ao passo que o sistema privado não conta com o sistema de repartição ou misto.

O Brasil possui três tipos-alicerces na previdência: o público (regime geral), o regime próprio (para os servidores públicos) e o privado (previdência complementar). Estes três pilares têm funções diferentes, ao passo que o público visa atender a população em geral, os trabalhadores do meio privado e os facultativos, concedendo benefícios em caráter essencial de substituição salarial. O regime próprio dos servidores públicos gerido pelas entidades federativas para proteger seus servidores e dependentes, e, o sistema de previdência privada, que pode ser contratada por qualquer cidadão de maneira complementar ao seu regime principal (próprio ou

geral)28 (AMADO, 2020).

Enquanto os sistemas do regime próprio e do regime geral possuem condão de garantia de subsistência do cidadão, a previdência complementar possui a função de garantir que a renda do cidadão não seja reduzida drasticamente e visa manter o padrão de vida do segurado. Importa salientar que dentre os regimes de previdência complementar existe a modalidade típica de mercado, a privada lucrativa e a não lucrativa, ou seja, os fundos de pensão (modalidade própria da comunidade). De acordo com o Senado Federal (2020) o Brasil possui 396 fundos de pensões, o que corresponde a 18% do PIB (produto interno bruto) do país. Esses fundos pertencem à chamada previdência fechada, ou seja, só os que trabalham na empresa com esse

28 Neste sistema não se insere o regime de previdência dos militares da União em razão de não existir

serviço podem participar. Para os trabalhadores da iniciativa privada que não fazem parte desta modalidade de pensão podem contratar a previdência complementar aberta, a qual é oferecida por instituições financeiras.

Contudo, vale destacar que existem modalidades de previdência privada, as quais não possuem fins lucrativos, isto é, todo valor obtido sobre o lucro dos investimentos no mercado é repassado aos acionistas à exemplo da Fundação Família Previdência que administra doze planos de previdência e conta com mais de dezoito mil participantes. Logo, em um panorama de necessidade de complementação da renda do sistema público, o incentivo à modalidade não-lucrativa de previdência complementar, vai ao encontro do princípio da cooperação e da mutualidade, corroborando com a manutenção do sistema público saudável e mantendo o pacto geracional, sem, no entanto, afetar a parcela do mercado quanto à prestação do serviço e garantindo a continuidade do padrão de vida do trabalhador. A “boa sociedade” futura pode ter como esteio central uma previdência pública para todos e variadas organizações da sociedade civil mantendo previdência não-lucrativa, num autêntico espírito de cooperação coletiva.

Porém, a reforma apresentada pela EC 103/2019 só beneficiaria seguradoras ou bancos que estivessem interessados em atuar na área das privatizações, por ser muito rentável, extirpando a previdência pública. A manutenção do sistema público é de extrema importância para o giro econômico e para a redistribuição de renda, visto que o sistema privado não tem se demonstrado adequado a este objetivo, motivo pelo qual ainda enquanto PEC 6/2019 o texto inicial da reforma da previdência, o qual objetivava abolir uma cláusula pétrea (princípio da solidariedade) para inserir um sistema individualizado de capitalização, foi extinta na Câmara dos Deputados, alterando o texto inicial.

Note-se como exemplo do quão prejudicial seria a alteração de um sistema solidário para um de capitalização, o caso ocorrido com as empresas que anteriormente prestaram serviços neste setor (previdência privada) e acabaram por falir, como a Capemi, a APLUB e outras. Os trabalhadores contribuíram durante anos e quando fizeram jus ao recebimento do benefício não puderam recebê-lo pois as empresas haviam decretado falência. Assim, o sistema público, mesmo que imperfeito, se demonstra como o mais viável com a situação do Brasil, ao passo que é uma garantia de o trabalhador receber seu benefício no futuro. Conforme destacado

anteriormente, a importação de modelos privatizados como o chileno, que inclusive já entrou em verdadeiro colapso, é a comprovação de que um sistema unicamente privatizado não atende às necessidades dos trabalhadores e os deixam desprevenidos aos riscos sociais iminentes (KERTZMAN, 2020).

Cumpre destacar que com a reforma previdenciária, a previdência complementar dos servidores públicos também sofreu alterações, sendo necessário, à título exemplificativo, após a reforma de 2019, que sejam instituídos regimes de previdência complementar pelas entidades federativas que possuem regime próprio, assim como passou a ser obrigatório o teto do regime geral para o regime próprio também (respeitando o regime dos antigos servidores) nos termos do art. 9º parágrafo 14 da EC 103/2019. Outro ponto alterado foi o parágrafo 15, que retirou a necessidade de que entidades fechadas de previdência complementar possuam natureza pública, abrindo em favor de entidades abertas de previdência complementar a possibilidade de gerir planos de previdência complementar dos servidores públicos, atendendo a um antigo desejo do mercado financeiro, deixando claro que a reforma da previdência busca aliar os anseios neoliberais com as propostas do governo.

O movimento de modernização da previdência complementar teve início com a EC n. 20/98, a qual sofreu atualizações posteriores, que tornaram a previdência complementar um tema constitucional dentro do âmbito social. O sistema complementar é operado por entidades abertas de previdência e sociedades seguradoras ou por entidades fechadas de Previdência Complementar - EFPC. Estas entidades fechadas, chamadas também de fundos de pensão, se caracterizam como pessoas jurídicas sem fins lucrativos sob legislação especial. Os grupos de entidades fechadas são referentes a determinadas empresas, servidores públicos, classistas, etc. Exemplos bem conhecidos são os fundos de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (PREVI), da Petrobrás (PETROS), da Caixa Econômica Federal (FUNCEF), dentre outros.

Desta maneira, nota-se que a proteção social concedida em âmbito da previdência complementar é muito distinta daquela objetivada na previdência pública. Uma não retira a funcionalidade da outra, muito pelo contrário, a previdência social pública precisa existir para que a previdência complementar atinja seu objetivo de manter o padrão de vida do segurado. Afinal, a previdência social irá resguardar as condições mínimas deste segurado com base em suas contribuições, ao passo que a

previdência complementar irá manter a qualidade de vida e o padrão desta família. Logo, complementando a renda familiar.

3.5 A relevância do princípio da solidariedade e do compromisso geracional

No documento Juliana Machado Fraga (páginas 72-78)

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