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Proteção social e previdência social: aspectos conceituais e modelos nacionais de previdência

No documento Juliana Machado Fraga (páginas 43-51)

2 PROTEÇÃO SOCIAL E PREVIDÊNCIA SOCIAL: ORIGENS E FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS

2.4 Proteção social e previdência social: aspectos conceituais e modelos nacionais de previdência

As numerosas medidas e alterações nas políticas sociais muito pouco estão conectadas com pressões econômicas em si, mas sim, estão intimamente ligadas às pressões estruturais internas como o envelhecimento da população e a instabilidade de estruturas familiares, entre outros aspectos. Ainda, em segundo plano, tem-se o novo regime econômico internacional que limita a economia dos Estados em relação

às políticas macroeconômicas. Essa limitação da autonomia não quer dizer que os Estados devam abolir seus mecanismos de proteção social que foram duramente construídos após o período pós-Segunda Guerra Mundial. Em verdade, Merrien (2018) afirma que é preciso existir a promoção de políticas públicas de proteção social visando manter o equilíbrio orçamentário com políticas “recalibradas” com o apoio de sindicatos. A Comunidade Europeia é prova dessa tentativa de mesclar questões econômicas com os direitos sociais, embora não exista um mecanismo de segurança social universal para os países integrantes da União Europeia, tem-se que a promoção de políticas públicas voltadas à proteção social tem sido pauta dos governos e até mesmo resguardada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia.

Os Países Baixos são o exemplo dessa tendência, assim como o modelo da Suécia e Dinamarca, os quais serão abordados em seguida. De outro lado, a busca constante por liberalização da sociedade se perpetua pelo abandono das proteções sociais que em nada resulta no milagre econômico esperado, e a Nova Zelândia pode servir de exemplo dessa assertiva. Por um período de quase 30 anos, os países

integrantes da OCDE14 passaram por um grande crescimento econômico, assim como

aumento do emprego e redução regular de desigualdades sociais. Merrien (2018) destaca que essa alteração social se deu devido, essencialmente, a três fatores: o

regime econômico internacional alicerçado nas políticas keynesianas15, nas condições

estruturais, demográficas sociais e culturais, e, em último lugar, o desenvolvimento massivo dos Estados Sociais.

Essa forma organizacional dos Estados transforma-se em uma expansão considerável a partir de 1950. Depois da crise e da guerra tornou-se evidente a

14 A OCDE é composta, em maioria, por economias com um elevado PIB per capita e Índice de

Desenvolvimento Humano e são considerados países desenvolvidos, sendo uma organização internacional de 37 países que aceitam os princípios da democracia representativa e da economia de mercado, que procura fornecer uma plataforma para comparar políticas econômicas, solucionar problemas comuns e coordenar políticas domésticas e internacionais. Surgiu em 1948, liderada por Robert Marjolin, da França, para ajudar a gerir o Plano Marshall para a reconstrução da Europa após a Segunda Guerra Mundial. Posteriormente, a sua filiação foi estendida a estados não-europeus. Apenas em 1961, a Convenção sobre a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico foi reformulada e a OECE deu lugar à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (MERRIEN, 2018).

15 Consolidadas por John Maynard Keynes em seu livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da

Moeda (General Theory Of Employment, Interest and Money), as ideias-base da formação desta teoria são acerca do crescimento econômico, na qual consistiam em uma organização político-econômica, oposta às concepções liberais, fundamentada na afirmação do Estado como agente indispensável de controle da economia, com objetivo de conduzir a um sistema de pleno emprego. Tais teorias tiveram uma enorme influência na renovação das teorias clássicas e na reformulação da política de livre mercado (LEKECHMAN, 2010).

necessidade de proteção, e, sob a égide das conferências de Bretton-Woods16, que

visavam o estabelecimento de regras para regular as negociações de relações monetárias entre Estados-Nações independentes, e da Declaração da Filadélfia, os Estados foram legitimados a constituir sistemas econômicos com o objetivo de escapar das evoluções erráticas do mercado, conforme demonstra Merrien (2018).

Sob uma perspectiva diferente do laissez-faire, a intervenção do Estado é anunciada como indispensável pela visão keynesiana, tornando-se uma ideologia econômica que justifica a intervenção e a noção de uma “economia mista”. A ação keynesiana assume papel de extrema relevância seja pelos investimentos públicos diretos ou indiretos, pela utilização de políticas de estabilização social ou pela burocracia instaurada na economia (YERGIN; STANISLAW, 1998).

Na hipótese keynesiana o Estado intervém a fim de estabilizar a economia, garantindo proteção social aos cidadãos, favorecendo o crescimento, estimulando o investimento direto, evitando desemprego e favorecendo a manutenção de um consumo elevado por meio de uma política de rendas. O crescimento é estimulado pelo consumo. Por meio de políticas de proteção se realiza a segunda parte do projeto, visto que, antes da guerra a proteção era orientada tão somente a alguns grupos determinados, e, posteriormente, estendeu-se gradativamente a todas as camadas da população. Esse foi o grande marco de concretização da seguridade social, pois durante este período os diferentes Estados de bem-estar social têm em comum a busca pela implementação de uma rede de proteção social mais extensa (MERRIEN, 2018).

As políticas de cunho keynesiano tornam-se essenciais aos mecanismos macroeconômicos integrando filosofias de solidariedade apoiadas ao sistema de Estado de bem-estar social. Os países encandinavos se apoiam nos princípios da igualdade e justiça social; em contraponto, os países continentais se apoiam na base dos direitos adquiridos pelo trabalho. Esping-Andersen (1999) evidencia que as condições promovidas pela proteção social são particularmente favoráveis, pois as famílias estão estáveis, os homens trabalham a maior parte de suas vidas, a natalidade é forte, o salário é suficiente para o sustendo das famílias e as mulheres podem cuidar da criação dos filhos e da casa. A demanda é alta e oferece emprego

16 As conferências de Bretton Woods, em julho de 1944, estabeleceram regras para as relações

em tempo integral a todos, até mesmo os menos qualificados podem encontrar emprego. A demanda sustenta a oferta e as gerações do pós-guerra ávidas pelos bens de consumo garantem o crescimento econômico, ou seja, o consumidor tem meios financeiros para consumir o que acaba por impulsionar o mercado.

Da mesma forma, os custos sociais são baixos, na medida em que o número de inativos é inferior ao de ativos, e os anos de aposentadoria são curtos. Os jovens são sempre mais numerosos que os idosos e a ideia de cobertura de riscos da

seguridade social é pensada como uma caracterização de mútuo17, ou seja, a ideia

de solidariedade legitima o sistema de fluxos e prestações. O Estado Social não se demonstra meramente como um sistema protetor da velhice, doença, etc. Este Estado é um distribuidor de renda redistribuindo o superávit nacional e estabilizador das relações sociais diminuindo a pobreza e garantindo condições de inserção social dos cidadãos, conforme elucida Merrien (2018).

Percebe-se que a oposição dos neoliberais às políticas keynesianas estão alicerçadas nas três facetas do capitalismo no pós-guerra. A noção do compromisso social implicou na alteração da situação da classe popular, por isso denominou-se um capitalismo temperado, voltando-se às políticas da proteção do welfare, de educação, saúde e aposentadoria. A autonomia gerencial, fazendo com que grandes setores da economia estivessem sob controle dos governos graças às nacionalizações ou ao gerenciamento de controle das instituições centrais da macroeconomia por meio de políticas fiscais e monetárias. Por fim, a contenção dos interesses capitalistas com pouca preocupação com o desempenho do mercado de ações na administração das corporações. Significa dizer que durante este período o capitalismo foi menos capitalismo do que o período liberal anterior ou do que o neoliberalismo tem se evidenciado (DUMÉNIL; LÉVY, 2014).

Essas políticas protecionistas foram implementadas nos Estados Unidos com o New Deal de Roosevelt, por este motivo muitos autores referem que o Presidente Roosevelt salvou a economia norte-americana e afastou a sociedade do comunismo e do fascismo, pois demonstrou compromisso com a classe popular, o que, por sua vez, alavancou a economia (DUMÉNIL; LÉVY, 2014). Entretanto, décadas depois,

17 Mútuos são agentes econômicos-sociais que têm a função de integrar a capacidade econômica como

produtora de bens e serviços e a social enquanto associação de pessoas, promotora de atividades formativas assentada na participação democrática de seus membros (PITACAS, 2009).

novamente questiona-se a eficácia econômica das políticas de proteção social. Fato é que as primeiras formas instituídas de seguro social se demonstraram insuficientes para solucionar o problema da segurança econômica, pois se mantinham filiadas apenas nas relações de trabalho formal, excluindo boa parte da população, minimizavam a participação e responsabilidade do Estado e não proviam o gerenciamento de riscos para maximizar o bem-estar social (COSTA, 2017).

É digno de menção a tipologia do welfare state e das políticas sociais de Richard Titmuss (1974), as quais sugeriram a existência de três funções ou modelos contrastantes de políticas sociais, pela lógica da intervenção estatal. Titmuss (1974) faz a ressalva de que para análise dos tipos de provisão de bem-estar é necessário não observar apenas os parâmetros econômicos. Os modelos apresentados pelo autor são: modelo residual de bem-estar, modelo de produtividade e desempenho industrial e modelo redistributivo institucional.

O primeiro modelo seria de uma provisão pública restrita minimamente, a qual o indivíduo somente recorresse aos mecanismos públicos quando não houvessem alternativas do mercado e família, sendo o auxílio temporário. Logo, o Estado teria um papel marginal, desempenhando proteção social somente aos mais pobres, dependendo de comprovação da situação de carência e restaria ao mercado o papel preponderante. O objetivo principal do Estado seria ensinar as pessoas a viverem sem ele. O segundo modelo implicaria passar o papel predominante às instituições privadas deixando mecanismos de proteção social com papel significativo como complemento à economia. O impacto esperado seria causado por incentivos e recompensas pautados pelo empenho individual. Na prática essa modalidade teria dado início ao sistema de vinculação dos benefícios à renda/contribuição do segurado (FARIA, 2018).

Por fim, o terceiro modelo, restributivo institucional passaria o papel proeminente para as instituições públicas de forma universalista, autônomo ao mercado e com base na necessidade do cidadão, percebendo o bem-estar individual como responsabilidade coletiva. Acompanhado da concepção de que todos têm direito à cidadania plena e vida digna, pautada pelo mínimo social (FARIA, 2018).

Relevante mencionar que os desdobramentos dos direitos de cidadania podem ser concebidos como uma evolução das propostas de Beveridge na Inglaterra. O que a tipologia de Titmuss mostra é que há experiências históricas distintas: a experiência

norte-americana fundamentou o modelo residual, as políticas bismarckianas embasaram o modelo de produtividade e desempenho industrial, e o legado de Beveridge contribuiu para o modelo redistributivo institucional. Desse modo, as pesquisas sobre o welfare state passaram a focar tão somente nos modelos polarizados e desprezaram o modelo “intermediário”, deixando por muito tempo pairar no ar a existência de uma dicotomia de proteção social residual versus institucional.

Sainsbury (1991) testou a teoria mencionada em quatro países: Estados Unidos, Reino Unido, Holanda e Suécia, observando algumas diferenças cruciais nos sistemas protetivos, que se demonstraram insatisfatórios de acordo com o método de classificação, conforme percebe-se no Quadro 1.

Quadro 1: Diferenças entre os modelos residual e institucional de welfare state, segundo Sainsbury

Dimensão Modelo residual Modelo institucional

Proporção da renda nacional alocada para as áreas sociais

Baixa Alta

Níveis dos benefícios Insuficiente Suficiente Alcance dos benefícios e

serviços definidos por lei

Restritos Amplos

População coberta Minoria Maioria

Importância dos programas destinados a prevenir as situações de carência

Inexistentes Grande

Tipo predominante de programa

Contribuições/ taxas Impostos

Papel das organizações privadas

Grande Pequeno

Ideologia da intervenção do Estado

Mínima Ótima

Valor atribuído à distribuição de acordo com as

necessidades (ideologia da distribuição)

Fonte: Sainsbury, (1994, p. 4).

Essa tabela permite visualizar que os modelos polarizados não permitem a formulação de explicações, pois restringem o alcance de análise em face de se tratarem de categorias opostas. Faria (2018) refere que a dicotomia tem a variável da extensão da responsabilidade do Estado com a proteção social, por isso a questão ideológica e econômica pode influenciar para uma obscuridade de avaliação. Nesse sentido, pouca atenção é dada ao impacto efetivo do bem-estar proporcionado, provavelmente por isso a tricotomia levantada por Esping-Andersen apresenta um avanço na construção das tipologias do welfare state, aduzindo que a proteção social agrega questões como empregos, salários e controle macroeconômico, sendo inviável a inexistência de um sistema público de regulação e garantia ao cidadão.

Esping-Andersen (2011) distinguiu três tipos de welfare state, os quais, em

suma, correspondem à tipologia dos sistemas de bem-estar de Titmuss. Ressaltou que as coalizões políticas de classe são as causas mais decisivas na variação dos modelos de welfare state, visto que o uso exclusivo das variáveis de gastos públicos com o social obstaculiza a compreensão do que efetivamente se presta o Estado social.

Faria (2018) menciona que países como Noruega, Dinamarca e Suécia são conhecidos pelos regimes sociais-democratas de Estado de bem-estar social, pois apostam alto na fusão entre bem-estar e trabalho, garantindo pleno emprego para minimizar problemas sociais e maximizar a renda do cidadão. Países estes, com sistemas universais de proteção social, os quais, por sua vez, evitam que o individualismo cresça de forma exagerada, o que demonstra que a contribuição de todos se reverterá em benefício de todos, ou seja, têm buscado promover a igualdade. O que se pode perceber é que o Estado de bem-estar social tem como alicerce a proteção social em todas as suas formas, especialmente sob o manto da seguridade social e previdência. Ainda, o caráter público apresenta-se como essencial em face de seu elemento compulsório e universalista para o desenvolvimento dos cidadãos, tornando-os previdentes para com os riscos sociais que podem os acometer. Em

específico, é uma ferramenta importante para a garantia da dignidade humana da camada da sociedade que permanece à margem da sociedade e do mercado, a qual será abarcada pelas prestações da assistência social.

Com base no exposto no presente capítulo, pode-se perceber que existem diversas questões que permeiam a formação e organização dos sistemas nacionais de previdência social. Enquanto o modelo bismarckiano caracterizou-se como um mecanismo de segregação, voltado ao atendimento de certas classes profissionais com o objetivo de controlar os trabalhadores e se desenrolado sob um contexto extremamente autoritário, o método de proteção social beveridgiano se desenvolveu sob uma lógica democrática de participações ativas de organizações sindicais e com implementação de políticas progressistas sob o caráter de universalidade da previdência.

Nota-se que cada país, de acordo com suas especificidades e historicidade, optou pela adoção de um modelo de rede de proteção social que melhor se enquadrasse em suas necessidades sociais. No entanto, os procedimentos de debate e deliberação que legitimassem os modelos adotados nem sempre estiveram presentes na implementação destes modelos. Neste tocante, analisar-se-á no próximo capítulo as vicissitudes trazidas pela onda do neoliberalismo na proteção social.

3 PREVIDÊNCIA E SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: A CONSTRUÇÃO DA

No documento Juliana Machado Fraga (páginas 43-51)

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