• Nenhum resultado encontrado

A relevância do princípio da solidariedade e do compromisso geracional para o senso de comunidade (nacional)

No documento Juliana Machado Fraga (páginas 78-83)

3 PREVIDÊNCIA E SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL: A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE ESTADO FUNDAMENTADA NO COMPROMISSO GERACIONAL

3.5 A relevância do princípio da solidariedade e do compromisso geracional para o senso de comunidade (nacional)

A proteção social é um elemento indispensável para a manutenção do senso de comunidade em sociedades complexas, evitando que o desamparo e a exclusão dos pobres e mais fracos provoque a fratura dos laços sociais. Para que se possa dizer que a nação constitui uma comunidade nacional, os elementos de coesão, de

apoio mútuo e de responsabilidade de uns para com os outros – como os que

envolvem a noção de proteção social – devem estar bem assentados na ordem

jurídica e reconhecidos pelos agentes públicos.

A previdência e a assistência mantidas pelo Estado brasileiro constituem, neste sentido, importantes balizas da comunidade nacional brasileira, materializando o compromisso constitucional com a justiça social e a redução das desigualdades. A Constituição Federal garante, através do art. 201, o regime público de previdência social, o qual mantém caráter obrigatório para os segurados da iniciativa privada, ou seja, que não estejam submetidos à disciplina legal dos servidores públicos, civis e militares. O regime geral de previdência social no Brasil tem cobertura para as contingências de doença, invalidez, morte, idade avançada, proteção à maternidade, gestante, proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário, salário- família, auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados baixa renda e pensão por morte para o segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes.

Possui caráter contributivo, visto que a cobertura previdenciária pressupõe pagamento de contribuições do segurado para o custeio do sistema. Apenas os contribuintes possuem a condição de segurado da previdência social e se cumpridas as carências respectivas farão jus à cobertura previdenciária correspondente à contingência-necessidade (SANTOS, 2018). O legislador determinou um sistema de filiação obrigatória com o objetivo de que todos tivessem cobertura previdenciária e contribuíssem para o sistema para garantir o pacto geracional, alicerçado no princípio

mote da solidariedade. A cobertura previdenciária garante proteção ao segurado e desonera o Estado de arcar com os custos dos trabalhadores que não podem garantir sua própria mantença em decorrência de alguma contingência elencada na Constituição Federal. Logo, as contribuições previdenciárias formam um fundo destinado ao financiamento das prestações previdenciárias, e que não pode ser deficitário, sob pena de comprometer a sobrevivência do sistema.

A seguridade social está totalmente embasada nos princípios da solidariedade, ao passo que todos contribuem para auxiliar aqueles que necessitarem, e, também, alicerçada na necessidade de manutenção de um regime previdenciário saudável que

possa manter o compromisso intergeracional29 em andamento, garantindo aos que

hoje estão na ativa e contribuindo que quando chegar a vez deles em usufruir os benefícios, estes ainda existirão.

A solidariedade e o compromisso intergeracional inerentes ao sistema previdenciário brasileiro condizem com a preocupação do pensamento comunitarista de Etzioni (2000) de que não há como pensar em uma vida coletiva sem propiciar condições básicas de vida a todos. Uma comunidade em que há extrema desigualdade e não existem incentivos para as crianças e adolescentes permanecerem na escola se tornará um terreno fértil para um aumento de criminalidade e evasão escolar, o que consequentemente fará com que as pessoas menos qualificadas permaneçam no ciclo vicioso com poucas perspectivas de melhora de vida. A boa sociedade prima pelo desenvolvimento do coletivo, visando uma redistribuição de renda e condições que fortaleçam os valores comunitários e fomentem a manutenção de crianças e adolescentes na escola.

A visão comunitarista enfatiza que o alcance do bem comum é melhor atendido pela ação integrada entre Estado, comunidade e mercado do que pelas formas tradicionais da dualidade mercado x Estado. Tal concepção enaltece também a importância dos valores compartilhados pelas comunidades. O princípio da solidariedade na seguridade social reúne a condição de ser reconhecida como um valor que beneficia o conjunto da comunidade nacional, pelo fato de que a parte laboral ativa da comunidade contribui para manter o pacto geracional em

29 Alguns autores chamam de pacto ou compromisso geracional e outros denominam intergeracional.

A perspectiva é a mesma, no sentido de declarar o compromisso entre as gerações, sendo muito utilizado no direito ambiental e previdenciário, estabelecendo a obrigação de manutenção de um sistema de proteção saudável e equilibrado para as próximas gerações.

funcionamento, arcando com as despesas sociais daqueles que não mais podem laborar, enquanto, de outra banda, quando estes estiverem inativos os mais jovens (a geração seguinte) deve assumir esse papel.

Os valores morais compartilhados são cimentos que mantêm a coesão das sociedades, e é preciso que as autoridades e lideranças contribuam para fortalecer a percepção coletiva da necessidade de manter as contribuições sociais pensando nos demais e não somente no uso individual. Santos (2009, p. 85) relembra que, mesmo com as dificuldades enfrentadas pelo atual sistema público (baixa arrecadação em razão da informalidade e alterações demográficas), onde a relação de beneficiário x contribuinte era de 1,7 em 2007, o sistema de capitalização se inserido no Brasil estaria fadado ao insucesso, pois o governo não teria recursos para destinar toda a arrecadação corrente para o regime capitalizado e nesse caso o déficit estimado em 1,25% passaria para 6,88% do PIB. O déficit aumentaria porque parte da receita não seria utilizada no custeio dos benefícios atuais e o resultado só seria colhido em mais de 30 anos à frente.

Nesse tocante, a migração de sistemas é inviável economicamente e socialmente. A segregação social seria maior e o abismo entre as classes também, fraturando completamente o senso de comunidade nacional que é prejudicado pelas profundas desigualdades sociais que perpassam a sociedade brasileira. Etzioni (2000) alerta de que não se constrói o senso de comunidade sem o mínimo básico (satisfatório) a todos os membros. A seguridade social pública e todo o conjunto de mecanismos do sistema de proteção social brasileiro são esteios de uma sociedade que ainda está longe de proporcionar o mínimo necessário a todos, um desafio que só é possível de ser atingido quando se valoriza as conquistas já alcançadas.

Na visão comunitarista, a previdência complementar pode ser entendida como um elemento do espaço de liberdade que é próprio das economias de mercado. Garantido o mínimo a todos através de políticas públicas e ações da comunidade, não há prejuízo que se possibilite espaço a iniciativas de grupos e de empreendimentos privados. A previdência complementar legitima-se enquanto mecanismo aditivo, voltado àqueles que visam manter um padrão de vida superior quando não mais estiverem na ativa. O alcance social dessas instituições é distinto e são complementares em si.

O sistema previdenciário brasileiro pode ser lido à luz do que Etzioni (1996) denomina de “nova regra de ouro”. A antiga regra de ouro estabelecia a prevalência do bem comum e da ordem social sobre o bem individual. A nova regra de ouro valoriza tanto o bem comum como a autonomia individual, devendo-se fazer a defesa da ordem moral da sociedade da mesma maneira que o indivíduo quer que a sociedade respeite e defenda sua autonomia. Trata-se de evitar o individualismo sem cair no coletivismo. A defesa do público e do comunitário não precisa sacrificar o indivíduo; são polos de igual importância, um existindo em função do outro.

Considerando a relevância da solidariedade30 e do compromisso geracional

como base valorativa dos sistemas públicos de proteção social, o pensamento comunitarista ajuda a realçar o prejuízo social que decorre do pensamento individualista que está na base dos sistemas de capitalização. Seria de extremo prejuízo à parcela mais pobre da população, a qual não teria a quem recorrer quando da sua inatividade laboral, e sequer teria condições de se precaver em um regime de previdência individualizado. Seguindo o raciocínio de Etzioni quanto à nova regra de ouro, a autonomia individual jamais pode ser argumento para destroçar a ordem social.

Walzer (2003) reforça a compreensão não coletivista da comunidade. A sua teoria pluralista dos bens sustenta que o risco das desigualdades extremas deve ser enfrentado não pela imposição de uma igualdade total imposta autoritariamente, mas mediante a definição de limites e a autonomia das esferas distributivas. Na perspectiva comunitarista, a garantia dos direitos dos cidadãos a uma sociedade igualitária é viável pela combinação do público, do comunitário e do privado, sendo imprescindível a inserção participativa da comunidade nos mecanismos de políticas públicas.

A manutenção de uma previdência pública com alcance social a todas as camadas da sociedade faz com que pessoas de diferentes contextos e posições sociais tenham seus direitos garantidos, e essa é a finalidade de uma vida comunitária, onde nem tudo esteja ou pertença ao mercado e nem tudo seja incumbência do Estado (SANDEL, 2013). O fortalecimento do debate sobre a construção de uma previdência pública saudável economicamente é um tema que toca a todo e qualquer

30 Vale a menção às obras sobre a teoria da empatia de Frans de Waal e Roman Krznaric que referem

grande estudo sobre os benefícios ao cérebro humano quando do desenvolvimento da solidariedade e empatia, e, também, o estudo de Piotr Kropotkin sobre os benefícios da ajuda mútua.

cidadão. O dever de decisão deve ser devolvido àqueles que dela usufruem também, ou seja, os cidadãos segurados do regime de previdência.

Além do caráter pedagógico de instrução e visibilidade dos mecanismos internos da previdência e da conscientização sobre a seguridade social e seu funcionamento, estaria se ampliando os mecanismos de controle social, ao passo que abrir-se-ia formas de publicidade dos atos e das contas, a fim de que o cidadão pudesse compreender os balancetes e entradas e saídas de contribuições sociais e verbas destinadas à seguridade. Logo, além de uma consciência social sobre o papel da seguridade e da proteção social e uma possibilidade de controle social quanto aos possíveis desvios, ter-se-ia também uma legitimação daquelas decisões tomadas pelo colegiado de cidadãos.

4 NEOLIBERALISMO: A PROTEÇÃO SOCIAL SUBMETIDA AOS IMPERATIVOS

No documento Juliana Machado Fraga (páginas 78-83)

Outline

Documentos relacionados