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A criança e a aprendizagem da língua escrita: algumas reflexões A língua escrita, sua história, suas características e sua especificidade têm sido 

A criança, a narrativa e a escola 

2.4. A criança e a aprendizagem da língua escrita: algumas reflexões A língua escrita, sua história, suas características e sua especificidade têm sido 

Para Gnerre (1985), a história da escrita pode dividir a história da humanidade  em dois grupos: de um lado, a história dos povos que possuíam um sistema de escrita  alfabético, e, de outro, a pré­história, a história dos outros sistemas de escrita. 

Bottero  e  Morrison  (1995)  também  investigaram  essa  temática  e,  em  estudo  sobre  a  escrita  ideográfica,  afirmaram  que  esta  possibilita  a  realização  de  sumários,  resumos,  mas torna­se  inadequada para  ensinar o  novo.  Segundo  eles,  a  passagem  do  oral para o escrito, entre os mesopotâmios, significou um salto qualitativo, na medida  em que estes descobriram que desenhando um signo não evocavam apenas a realidade  que este representa, mas também a palavra pela qual a realidade é denominada. Desta  forma é que a principal contribuição da escrita à civilização mesopotâmica resultou em  permitir­lhes a categorização e uma visão mais ampla das coisas desse mundo. 

Olson  (1995)  relaciona  as  formas  de  comunicação  e  seu  papel  nas  atividades  humanas e culturais. De um lado, diz o autor, situam­se aqueles que defendem que as  mudanças  nas  formas  de  comunicação,  associadas  às  mudanças  culturais,  produzem  alterações nas práticas sociais e institucionais; e de outro, aqueles que consideram que  as  formas  de  consciência  e  a  capacidade  cognitiva  também  são  afetadas  por  estas  mudanças. 

Segundo o autor (op. cit.), o texto escrito proporciona o surgimento de conceitos  e categorias nas ciências modernas, permitindo, além da aquisição do conhecimento, um  novo modo de ver, classificar e organizar este mesmo conhecimento. Tratando a escrita  como uma atividade metalingüística, este autor alinha­se àqueles que consideram que o  ato de escrever tem seus efeitos sobre a cognição.

Olson (op. cit.) discute também a necessidade de se especificar as propriedades  da  escrita,  o  que  implica  em  considerá­la  como  além  de  uma  mera  decodificação  da  língua  em  sua  modalidade  oral.  A  escrita,  segundo  o  autor,  não  é  um  complemento  inocente da comunicação oral, nem se opõe a ela. 

Vygotsky (1988) considera a escrita como uma das formas mais elaboradas do  processo  de  abstração,  tecendo  críticas  ao  conceito  mecanicista  de  escrita,  o qual,  ao  obscurecer  sua  natureza  específica,  tem  contribuído  para  que  o  processo  de  ensino/aprendizagem desta modalidade de língua limite­se ao seu funcionamento como  código.  Ou,  como  diria  Benveniste  (1989),  nesta  concepção  se  vê  apenas  o  funcionamento  semiótico  da  língua,  descartando  o  seu  modo  semântico.  A  natureza  específica da  língua escrita para  Vygotsky (op. cit.) implica em dois pressupostos, de  um  lado,  sua  autonomia  enquanto  sistema  de  signos  e,  de  outro,  seu  caráter  de  explicitude,  necessário  à  sua  organização  estrutural.  Este  conceito  de  autonomia  está  relacionado  ao  fato  de  que  é  apenas  em  seu  início  que  a  escrita  funciona  como  um  sistema de signos de segunda ordem, ou seja, necessita da mediação de outros sistemas  semióticos para realizar as funções de representação e/de comunicação. Gradualmente, a  escrita  vai  se  tornando  autônoma,  constituindo­se  um  sistema  de  signos  de  primeira  ordem, adquirindo a capacidade de funcionar como instrumento de mediação na relação  homem  e  realidade.  Na  conquista  desta  autonomia,  a  escrita  passa  por diversas  fases,  apoiando­se  em  gestos,  nos  jogos,  no  grafismo,  na  escritura  de  histórias  contadas  oralmente, até aportar na escrita pela escrita. 

Vygotsky  (op.  cit.)  diz  que  a  explicitude  da  língua  escrita  decorre  da  ausência  física do interlocutor, fato que, de certo modo, determina a organização estrutural desta  modalidade de língua. Para exemplificar, ele opõe a estrutura da língua escrita àquela de

natureza  predicativa,  do  discurso  interior,  embora  reconheça  que,  em  determinadas  situações,  a  escrita  pode  se  manifestar  como  uma  estrutura  predicativa,  como  nos  diálogos de Tolstoi, no romance Ana Karenina. Ou seja, há casos em que a identidade  de  espíritos  é  tão  grande  que  dispensa  a  explicitude  das  estruturas  formais  que  caracterizam esta modalidade de língua. 

Luria  (1988)  relata  o  desenvolvimento  da  escrita  em  crianças,  apresentando  as  diversas fases que estas atravessaram, mostrando que sua aprendizagem não obedece a  um percurso linear. 

Segundo  Luria  (1988),  a  escrita  é  uma  das  técnicas  auxiliares  utilizadas  pelo  homem  para  fins  psicológicos,  já  que  esta  constitui  o  uso  funcional  de  signos  como  linhas e pontos para recordar, transmitir idéias e  conceitos. A singularidade da escrita  em  relação  a  outras  funções  psicológicas  humanas  seria  a  de  que  a  escrita  pode  ser  definida como uma função que se realiza, culturalmente, por mediação. 

Entretanto, segundo o autor (1988), o desenvolvimento dessa capacidade humana  ocorre num momento posterior ao da evolução, ou seja, usar a escrita como um meio e  não como um fim é algo que a criança só vai descobrir ou adquirir no decorrer do seu  desenvolvimento.  Por  outro  lado,  a  escrita  não  obedece  a  uma  ordem  linear  a  qual  poderíamos observar passo a passo: 

Como  qualquer  outra  função  psicológica  cultural,  o  desenvolvimento  da  escrita depende,  em  considerável  extensão,  das técnicas de  escrita  usadas e  equivale  essencialmente  à  substituição  de  uma  técnica  por  outra.  O  desenvolvimento, neste caso, pode ser descrito como uma  melhoria gradual  do  processo  de  escrita,  dentro  dos  meios  de  cada  técnica,  e  o  ponto  de  aprimoramento abrupto marcando a transição de uma técnica para outra. Mas  a unicidade profundamente dialética deste processo significa que a transição  para uma nova técnica inicialmente atrasa, de forma considerável, o processo  de escrita, após o que então ele se desenvolve mais até um nível novo e mais  elaborado.(Luria,1988:180)

Interessante observarmos as etapas deste processo que Luria (op. cit.) revelou e  analisou  através  de  diversos  experimentos  executados  em  crianças  que  não  sabiam  escrever,  remetendo­nos  ao  estudo  das  diversas  variáveis  envolvidas  no  processo  de  aquisição da língua escrita. A aprendizagem da escrita, tal como é exigida na sociedade  através  da  instituição  escolar,  é  precedida  de  diferentes  estágios  de  desenvolvimento  contidos numapré­históriado desenvolvimento da escrita infantil. Desta forma, o início  da aprendizagem escolar da criança não coincide com o início de sua aprendizagem da  escrita.  A  criança  já  adquiriu  toda uma  gama de experiências  e  vivências da escrita ­  técnicas  primitivas  ­  antes  mesmo  de  sua  inserção  na  vida  escolar.  Poderíamos dizer  que, exatamente por causa dessa história anterior à escola, é que lhe é possível aprender  o que esta pretende ensinar, no caso específico, a escrita. 

Outros  autores,  como  Ferreiro  e  Teberosky  (1990),  de  postura  piagetiana,  referiram­se  às  atividades  de  produção  da  criança  como  reveladoras  dos  níveis  de  conceitualização  da  escrita  da  criança.  Para  realizar  este  estudo,  as  pesquisadoras  partiram de duas hipóteses: 

a) A evolução da escrita na criança é influenciada, mas não totalmente determinada pela  escola: pode­se descrever uma psicogênese da língua escrita; 

b) Na compreensão da escrita, a criança encontra e deve resolver problemas de natureza  lógica, como em qualquer outro domínio do conhecimento. 

Desse  modo,  a  escrita  infantil  pode  ser  interpretada  sob  dois  pontos  de  vista  distintos:  por  meio  de  aspectos  figurativos  (qualidade  do  traçado,  orientação  da

seqüência  de  grafias  e  presença  de  formas  convencionais)  e  através  de  aspectos  construtivos (como a criança cria suas representações). 

As autoras concluiram seu  trabalho, denunciando que,  enquanto  os psicólogos e  psicopedagogos  só  levam  em  consideração  os  aspectos  figurativos  da  escrita,  são  os  aspectos construtivos os que mais interessam à psicogênese da escrita infantil. 

Depois  de  termos  feitos  algumas  reflexões  sobre  a  criança  e  o  aprendizado  da  língua escrita, cabe­nos agora tecermos algumas considerações sobre a produção escrita  no contexto escolar.