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O período Moderno: a imaginação como lâmpada 

1.  Origens dos estudos sobre a imaginação 

1.2.  A imaginação: um passeio por suas origens 

1.2.2.  O período Moderno: a imaginação como lâmpada 

Kant  (1984)  ampliou  as  contribuições  de  Hume,  preconizando  que  existiam  três  tipos  de  imaginação:  a  reprodutiva,  a  produtiva  e  a  estética.  A  primeira  reproduz  as  imagens do mundo real por meio dos órgãos dos sentidos, sem filtração. É uma mera cópia  do real. A segunda, a produtiva, filtra as imagens do mundo real e as transforma. A última,  a estética, permite que haja uma harmonia entre o homem e as imagens captadas do real.  Kant (op. cit.) acreditava também que, como o conhecimento encontra­se estruturado em  nossos  sentidos,  compete  à  imaginação  sintetizar  as  experiências  por  meio  de  imagens  mentais.  Este  modo  de  Kant  conceber  a  imaginação  como  anterior  à  percepção  sugere,  segundo Girardello (1998), que as imagens mentais funcionam como matéria­prima para a  imaginação, envolvendo­a em uma atividade produtiva que recorta, contextualiza e amplia  as imagens pré­fabricadas.

As  contribuições  de  Kant  para  os  estudos  da  imaginação  foram  de  suma  importância,  contudo,  ainda  persistiam  algumas lacunas,  como, por  exemplo,  a distinção  entre  imaginação  e  fantasia,  que  foi  realizada  pelo  filósofo  alemão  Georg  Wilhelm  Friedrich  Hegel.  Segundo  ele,  a  inteligência  como  imaginação  é  reprodutiva  e  como  fantasia é criativa (Hegel, 1999), o que redundou em duas visões diferentes sobre o mesmo  objeto.  A  partir  de  seus estudos,  a  imaginação  começou a  ser  abordada também em seu  sentido fantasioso. 

Depois,  o  poeta  romântico,  crítico  e  filósofo  inglês  Samuel  Taylor  Coleridge  reformulou  a  concepção  de  imaginação  de  Kant,  considerando­a  como  um  caminho  privilegiado  para  o  conhecimento  e  subdividindo  a  imaginação  produtiva  em  duas:  primária  e  secundária.  Aquela  age  de  forma  inconsciente  na  percepção  e  esta  de  forma  consciente  no  nosso  modo  de  criar,  é  a  imaginação  responsável  pela  criação  artística.  Coleridge  (2004)  também  distinguiu  imaginação  de  fantasia:  a  primeira  foi  considerada  como a capacidade que o ser humano possui de apreender a realidade de uma forma nova.  A outra, a fantasia, foi definida como a combinação e a associação de idéias já existentes,  muitas vezes, estéreis de sentido. Ao atribuir à imaginação a possibilidade de criar algo, o  autor (op. cit.) acreditava que a boa ficção não deve trair a realidade, mas redescrevê­la, o  que nos permite ver o importante papel que a imaginação pode exercer na educação das  emoções:  o  de  levar­nos  a  perceber  outras  formas  de  estar  no  mundo.  Segundo  Ceia  (2005), Coleridge acreditava que os artistas românticos tinham no poder da imaginação um  meio para alcançar outras formas de conhecimento não necessariamente pragmático. 

Ainda no século XIX, o filósofo alemão Schlegel (2004) propõe idéias semelhantes  às  de  Coleridge,  arrogando  à  imaginação  a  capacidade  de  associar  imagens  ao  nível  da  consciência,  e  à  fantasia  a  capacidade  de  operar  com  as imagens  surgidas  no  campo do  inconsciente, portanto, não controláveis pela razão.

O século XIX também contribuiu para os estudos sobre a imaginação por meio de  movimentos lítero­artísticos,  como o  Romantismo,  o Simbolismo  e  o  Surrealismo.  Estes  movimentos,  opostos  ao  positivismo  científico,  permitiram  que  a  imaginação  criativa  rompesse a rigidez estética vigente na época, por meio da valorização da livre expressão da  sensibilidade e do predomínio  da  imaginação  sobre  a  razão.  Segundo  Durand  (1998:35),  estes movimentos representaramos bastiões de resistência dos valores do imaginário. 

Ao final do século XIX, os estudos do filósofo francês  Henri  Bergson, apesar de  não  trazerem  um  conceito  para  imaginação,  ajudaram  a  defini­la  por  vincularam­na  à  memória. Para Bérgson (1999), existem dois tipos de memória: a memória que se repete e  a memória que imagina. Aquela guarda o passado por meio de imagens­lembrança, que são  formadas  pela  percepção  e  que,  aos poucos,  serão  modificadas  pelo  presente,  passando,  assim, à memória que imagina, a qual nos ajuda a reorganizar as imagens do passado no  presente.  Esta  memória,  segundo  Bergson  (op.  cit.:  89­90),  permite­nos  entender que  as  imagens do passado não são meras repetições, mas recriações, fruto da imaginação: 

Dessas duas memórias, das quais uma imagina e a outra repete, a segunda pode  substituir  a  primeira  e  freqüentemente  até  dar  a  ilusão  dela.  Para  evocar  o  passado  em  forma  de  imagem,  é  preciso  poder  abstrair­se  da  ação  presente,  é  preciso  saber  dar  valor  ao  inútil,  é  preciso  querer  sonhar.  Talvez  apenas  o  homem  seja  capaz  de  um  esforço  desse  tipo.  Também  o  passado  que  remontamos deste modo é escorregadio, sempre a ponto de nos escapar, como se  essa memória regressiva fosse contrariada pela outra memória, mais natural, cujo  movimento para diante nos leva a agir e a viver. 

Apesar de considerar o poder recriador da imaginação, Bergson (op. cit) acreditava  que  as  imagens,  matéria­prima  da  imaginação,  são  coisas,  ou  seja,  são  como  um  objeto  fixo, pensamento que lhe rendeu duras críticas do filósofo Sartre (1989:120), para quem a  imaginação não é um objeto da consciência, mas uma atividade da consciência: 

Na  verdade,  é  preciso  responder  claramente:  a  imagem  não  poderá  de  forma  nenhuma,  se  permanece  conteúdo  psíquico  inerte,  se  conciliar  com  as  necessidades da síntese. Ela não pode entrar na corrente da consciência a não ser

que ela própria seja síntese e não elemento. Não há, não poderia haver imagens  na consciência. Mas a imagem é um certo tipo de consciência. A imagem é um  ato e não uma coisa. 

Assim,  a  imaginação  deixa  de  ter  um  caráter  desordenado,  no  século  XVII,  passando, a partir do século XIX, a ser vista como um elemento significativo, característico  da  liberdade criadora, que valorizava a criação em detrimento da cópia e da passividade. 

No  século  XX,  dois  filósofos  também  se  detiveram  em  reflexões  sobre  a  imaginação: Husserl e Sartre. O primeiro, filósofo alemão, tratou a imaginação, de forma  dispersa, sob a égide da fenomenologia,  concebendo que a  imaginação do ser humano é  consciente. 

Sartre,  filósofo  francês,  amplia  o  raciocínio  de  Husserl,  acreditando  que  a  imaginação  deve  ser  concebida  como  uma  forma  de  consciência  organizada  dentro  do  sujeito,  pois  ela  é  um  ato  e  não  uma  coisa  (Sartre,  op.  cit.:  120).  Este  ato  abre  novos  horizontes de percepção de um objeto, permitindo que imaginar seja a expressão de uma  liberdade essencialmente humana: a liberdade de projetar­se em mundos imaginários. Para  Sartre (op. cit.: 29), a imaginação é um ato mágico, como um encantamento destinado a  fazer aparecer o objeto sobre o qual pensamos. Nesta acepção, os animais podem até fazer  uso da imaginação, mas somente o homem é capaz de usá­la em função criativa de projetar  mundos  imaginários,  de  representar  o  inexistente  e  o  não­ser.  Sartre  (op.  cit.:  42)  denunciou, assim, a chamada metafísica ingênua da imagem,  a qual via a  imagem como  uma cópia da coisa, existindo ela mesma como uma coisa. 

Outra teoria da imaginação que, embora tenha sido propagada contemporaneamente  a de Sartre, difere bastante dela, é a do filósofo e poeta francês Gaston Bachelard. A obra  bachelardiana  pode  ser  dividida,  de  forma  didática,  em  duas:  a  obra  diurna  e  a  obra  noturna. A primeira relativa à epistemologia e à história das ciências e a outra que remete  aos  estudos  no  âmbito  da  imaginação  poética,  dos  devaneios,  dos  sonhos.  Contrário  à

tradição  filosófica  racionalista,  que  priorizava  a  imaginação  reprodutora,  Bachelard  desenvolveu seus estudos sobre a imaginação criadora. Para ele, o homem é um demiurgo 9 

fundador de novas realidades, cuja fonte é a  imaginação criadora que, como essência do  espírito humano, o torna capaz de produzir tanto a ciência quanto a arte. 

Os  estudos  de  Bachelard  (1989:  17­18)  consideravam  a  imaginação  como  a  faculdade de deformar as imagens percebidas. Tal definição levou­nos a perceber que mais  do que uma faculdade humanizante que forma as imagens, ela permite que as mudemos: 

A imaginação não é, como sugere a etimologia, a faculdade de criar imagens da  realidade,  é  a  faculdade  de  formar  imagens  que  ultrapassam  a  realidade,  que  cantam a realidade (...) A imaginação inventa mais que coisas e dramas; inventa  vida nova, mente nova, abre os olhos que têm novos tipos de visão. 

Findou­se com Sartre e Bachelard a idéia de que a imaginação é consciente, é uma  lâmpada.    Com  o  surgimento  dos  estudos  sobre  o  inconsciente,  iniciou­se  a  idéia  da  imaginação como um labirinto de espelhos. 

1.2.3.  O  período  Pós­Moderno:  a  imaginação  como  um  labirinto  de