Após o levante comunista de 1935, desencadeado pelo PCB, o presidente Getú- lio Vargas aliou-se aos fascistas e desferiu um golpe de Estado, em 1937, contra a legalidade constitucional instituída em 1934. Estava instalada, assim, a ditadura varguista: o Estado Novo (1937-1945).
O Ministério da Educação, chefiado por Gustavo Capanema, iniciou durante o Estado Novo a implementação de um conjunto de reformas educacionais que ficaram conhecidas como “Leis Orgânicas do Ensino”. Elas foram introduzidas de forma gradual a partir de 1942 e concluídas somente em 1946, ou seja, após o término do próprio regime político imposto por Vargas em 1937. O quadro que se segue apresenta a lista das reformas:
Quadro 19 As Leis Orgânicas do Ensino.
DATAS DECRETOS
22/01/1942 Decreto-lei n
o 4.048: Criou o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial
30/01/1942 Decreto-lei no 4.073: Lei Orgânica do Ensino Industrial
09/04/1942 Decreto-lei no 4.244: Lei Orgânica do Ensino Secundário
28/12/1943 Decreto-lei no 6.141: Lei Orgânica do Ensino Comercial
02/01/1946 Decreto-lei no 8.529: Lei Orgânica do Ensino Primário
02/01/1946 Decreto-lei no 8.530: Lei Orgânica do Ensino Normal
10/01/1946 Decreto-lei n
o 8.621: Criou o Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial
20/08/1946 Decreto-lei no 9.613: Lei Orgânica do Ensino Agrícola
Fonte: adaptado de Oliveira (1960).
A estrutura da educação básica derivada das “Leis Orgânicas do Ensino”, que davam acesso à universidade pode ser configurada com base no seguinte quadro:
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Quadro 20 Leis Orgânicas do ensino primário e secundário.
Fonte: adaptado de Oliveira (1960).
A Reforma Capanema, no tocante ao ensino secundário, diferia da Reforma Francisco Campos na medida em que subdividiu o ensino médio de segundo ciclo somente em científico e clássico, pois o ensino médio, que anteriormente era de três cursos (complementares para Medicina, Direito e Engenharia), passou a ser de dois com apenas três séries cada um. Além disso, segundo Otaíza Romanelli (1986), a Reforma Capanema não rompeu com “a velha tradição do ensino secun- dário acadêmico, propedêutico e aristocrático” (ROMANELLI, 1986, p. 157), isto é, a escola de ensino básico continuava sendo elitista e para poucos porque era a antessala dos cursos universitários. Ou como afirmou Anísio Teixeira (1976):
a escola primária e a Escola Normal prosperavam, mas como escolas de classe média; a escola acadêmica e o ensino superior ficavam ainda mais restritos, destinando-se dominantemente a grupos da classe superior alta. Abaixo dessas classes médias e superiores, dormitava, esquecido, o povo (TEIXEIRA, 1976, p. 273).
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Figura 20 Escola pública durante a década de 1930.
Mas a grande novidade das “Leis Orgânicas do Ensino” foi ter consagrado a dualidade entre educação propedêutica e instrução para o mundo do trabalho, isto é, a divisão da educação segundo a extração social dos alunos. O quadro a seguir explicita, por exemplo, a disposição da estrutura da educação profissio- nal do Curso Normal (formação de professores), do Curso Industrial e do Curso Comercial:
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Quadro 21 Leis Orgânicas do ensino profissional (Normal, Industrial e Comercial).
Fonte: adaptado de Oliveira (1960).
Exceto o Curso Normal, os outros dois estavam condenados ao fracasso. O processo acelerado de modernização autoritária do capitalismo brasileiro em cur- so necessitava da formação de mão de obra especializada em grande quantidade e de forma rápida. No entanto, era longa a duração dos cursos concebidos pelas Leis Orgânicas, o que contrastava com a exigência dos setores produtivos esta- tais e privados da economia em expansão. O exemplo típico foi o Curso Industrial, no qual o aluno poderia levar mais de seis anos para se formar. Foi por essa razão que, mais tarde, a burguesia industrial ascendente apresentaria uma proposta alternativa de formação profissional qualificada, tal como veremos mais adiante.
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Figura 21 Ensino técnico durante as primeiras décadas do século XX.
Além disso, a dualidade do sistema educacional imposta pelas “Leis Orgâ- nicas do Ensino”, coerente com a lógica condicionada pela origem social dos alu- nos, vetava o acesso ao ensino superior àqueles que eram egressos dos cursos profissionais. Portanto, os bacharelados em Medicina, Direito e Engenharia con- tinuavam facultados apenas aos concluintes dos cursos propedêuticos, ou seja, eles eram reservados para os jovens das camadas médias urbanas altas e para os das elites econômicas e políticas que haviam cursado o científico e o clássico
do ensino médio do 2o ciclo e, por conseguinte, acumulado um “capital cultural
escolar” maior. A interdição que impedia a passagem do ensino profissional para o propedêutico e permitia o acesso aos cursos universitários apenas pelos filhos das elites somente foi revogada no início da década de 1950, durante o segundo período de Getúlio Vargas no governo (1951-1954). Em 1953, com a aprovação
da Lei no 1.821, que dispunha sobre o regime de equivalência entre os diversos
cursos de grau médio para efeito de matrícula no ciclo colegial e nos cursos supe- riores, ficava revogada, por exemplo, a proibição de um aluno egresso do ensino profissional industrial prestar o vestibular para o curso de Engenharia.
Para além dos cursos profissionalizantes criados pelas “Leis Orgânicas do Ensino”, a recém-formada burguesia industrial também passou a reivindicar es- colas de formação dos trabalhadores que fossem mais céleres na qualificação profissional que aquelas concebidas pelas Reformas Capanema. Assim, para atender a demanda por mão de obra com qualificação profissional exigida pela sociedade urbano-industrial que se modernizava de forma acelerada, o governo possibilitou a criação de um sistema de ensino técnico paralelo, mantido pelos
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sindicatos patronais, que formasse os trabalhadores de acordo com as necessi- dades imediatas dos vários ramos econômicos da indústria e do comércio.
Figura 22 Escola de formação de trabalhadores durante o Estado Novo (1937-1945).
Desse modo, em 1942, foi publicado o Decreto-lei no 4.048 que criava o Ser-
viço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Quatro anos depois, criava-se,
por meio do Decreto-lei no 8.621, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(SENAC). Assim, o chamado “Sistema S” logo se transformaria na maior rede de escolas profissionais do Brasil, pois a lógica do processo de modernização ace- lerada e autoritária do capitalismo brasileiro assim determinava. Para Romanelli (1986, p. 169), “as escolas de aprendizagem (profissional) acabaram por transfor- mar-se, ao lado das escolas primárias, em escolas das camadas populares”.
Com a dualidade das escolas segundo as classes sociais, o binômio educa- cional baseado no elitismo e na exclusão mantinha-se com o traço distintivo que sempre caracterizou a história da educação brasileira. E mais: o Estado Novo, coerente com os regimes políticos ditatórios da época, transformou a escola em um aparelho de reprodução da ideologia dominante no âmbito do governo, pois exigia que o ensino secundário propagasse uma ideologia política definida em termos de patriotismo e nacionalismo de caráter fascista.
2.5 Considerações finais
A universalização da rede nacional de escolas públicas no Brasil não foi fruto da ação política de uma burguesia liberal clássica da estirpe, por exemplo,