• Nenhum resultado encontrado

As teorias sociais sobre a delinqüência criadas a partir do estrutural funcionalismo (as produzidas pela Escola de Chicago, a teoria das subculturas criminais e aquela ligada às técnicas de neutralização), dão ênfase às características que diferenciam a socialização dos indivíduos e os efeitos da socialização, as quais estiveram expostos muitos daqueles que se tornaram delinqüentes. Essas teorias também demonstram que a delinqüência depende muito mais das diferenciações e contatos sociais11 aos quais têm acesso os indivíduos que praticam atos criminosos e sua participação em uma subcultura onde a prática de delitos é aceita como normal, não sendo tão determinante a disponibilidade ou as situações que favoreceriam a prática de um delito.

A partir dos anos 60, surgem, no âmbito da Sociologia Criminal, as novas teorias do conflito, como um novo modo pelo qual o pensamento sociológico passa a pensar o conceito de controle social. Tendo como fundamento o Interacionismo Simbólico, o paradigma etiológico é criticado e surge o paradigma do controle social, concentrando suas atenções sobre os aspectos que definem a conduta humana e como os diferentes gestos significantes a influenciam.

A Teoria do Etiquetamento, da Rotulação ou Reação Social (Labeling Approach) tem seu paradigma epistemológico baseado no Interacionismo Simbólico, o qual fundamenta seu enfoque na psicologia social e na sociolingüística. Segundo esta corrente sociológica, a coordenação dos comportamentos sociais não ocorre de forma automática, mas é dependente de algumas condições, devendo ser considerada uma operação problemática.

O comportamento encontra na estrutura material da ação o próprio referente necessário: a ação é um comportamento no qual se atribui um sentido ou um significado social, dentro da interação. Esta atribuição de significado que ―transforma‖ o comportamento em ação se produz segundo algumas normas. [...] Existem normas sociais gerais, como por exemplo, as normas éticas ou as normas jurídicas. Mas existem, também, normas ou práticas interpretativas que determinam a interpretação e a aplicação das normas gerais a aplicações particulares. Estas formas ou práticas interpretativas e aplicativas estão na base de qualquer interação social e determinam o ―sentido da estrutura social‖. (BARATTA, 1999, p. 88).

11 In: AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Informalização da Justiça e Controle Social. São Paulo:

No sentido de compreender como são formadas as identidades e as carreiras desviantes, os principais autores preocupados em entender os processos foram Becker (1963) e Lemert (1967). O primeiro deteve seus estudos sobre os efeitos que a estigmatização provoca na formação do status social de desviante. Suas pesquisas demonstraram que a conseqüência mais importante da aplicação de uma sanção penal é o fato de gerar uma expressiva modificação na identidade social do individuo, mudança essa que ocorre logo no momento em que ele internaliza o status de desviante.

Já os estudos de Lemert seguiram na direção da distinção entre delinqüência primária e delinqüência secundária, de modo a tentar demonstrar de que modo a reação social ou a punição por um primeiro ato delitivo praticado tem a função de uma espécie de comprometimento com o desvio, o qual leva, através de uma mudança da identidade social do indivíduo que passa a ser por este fato estigmatizado, a uma forte tendência de que o mesmo permaneça no papel social ao qual a estigmatização o vinculou.

Segundo o autor, os problemas de como surge o comportamento desviante, de como os atos desviantes são ligados simbolicamente e as conseqüências reais desta ligação para a ocorrência de desvios sucessivos realizados pelo indivíduo, são os principais problemas de uma teoria sobre a criminalidade.

Enquanto o desvio primário se reporta, pois, a um contexto de fatores sociais, culturais e psicológicos, que não se centram sobre a estrutura psíquica do individuo, e não conduzem, por si mesmos, a uma reorganização da atitude que o individuo tem para consigo mesmo, e do seu papel social, os desvios sucessivos à reação social (compreendida a incriminação social e a pena) são fundamentalmente determinados pelos efeitos psicológicos que tal reação produz no individuo objeto da mesma; o comportamento desviante (e o papel social correspondente) sucessivo à reação torna-se um meio de defesa, de ataque ou de adaptação em relação aos problemas manifestos e ocultos criados pela reação social ao primeiro desvio. (BARATTA, 1999, p. 90).

Os resultados obtidos a partir das primeiras pesquisas sobre o etiquetamento, no que tange ao desvio secundário e às carreiras criminosas, seguem na direção de por em dúvida o princípio da prevenção ao delito e da concepção de que a pena possui um sentido reeducativo. Nesse sentido, a intervenção do sistema penal realizada de forma a encarcerar indivíduos, buscando reabilitá-los de modo a

retornarem à sociedade sem novamente cometerem atos delitivos, acaba por determinar, na expressiva maioria das vezes, a consolidação da identidade de desviante que passa a ser internalizada pelo individuo, o que, de fato, acaba por conduzir ao ingresso em uma verdadeira carreira criminal.

Na análise do processo de etiquetamento também é observada a importância da reação social frente ao agente de um ato delitivo.

[...] para que um comportamento desviante seja imputado a um autor, e este seja considerado como violador da norma, para que lhe seja atribuída uma responsabilidade moral pelo ato que infringiu a routine (é neste sentido que, no senso comum, a definição de desvio assume o caráter – poder-se-ia dizer – de uma definição de criminalidade), é necessário que desencadeie uma reação social correspondente: o simples desvio objetivo em relação a um modelo, ou a uma norma não é suficiente. De fato, aqui existem condições – que se referem ao elemento interior do comportamento (à intenção e à consciência do autor) – cuja inexistência justifica uma exceção; ou seja, impede a definição de desvio e a correspondente reação social. (BARATTA, 1999, p. 95-96).

Assim, deixa de ser analisada a criminalidade em si e passam a ser considerados os processos de criminalização, reorientação essa reforçada pela análise materialista-dialética desenvolvida pela chamada Criminologia Crítica, que se utiliza das idéias marxistas para entender até que ponto a criminologia positivista transmite uma visão ideologizada da criminalidade. A partir de uma perspectiva conflitual sobre a ordem social, o controle social passa a ser pensado como o conjunto de mecanismos que tendem a naturalizar e a normalizar uma determinada ordem social, construída através de forças dominantes (AZEVEDO, R., 2000, p.91).

Diversas correntes da criminologia crítica assumiram a concepção interacionista-simbólica, orientadas tanto no sentido do fim do direito penal como hoje conhecido, o que sugere a utilização de alternativas privadas para a resolução de conflitos, quanto para a restrição do sistema, descriminalizando condutas e tornando-o menos formal. O problema aqui encontrado, segundo Muñoz Conde, está no fato de que a eliminação do direito penal na sociedade contemporânea provocaria um processo de substituição, onde passaria a ser utilizado um novo mecanismo de controle social muito mais rígido e desigual, espelhado nas tendências punitivistas da contemporaneidade. (MUÑOZ CONDE, 2005, p.26).

A Nova Criminologia mostra, através da realização de diversas pesquisas empíricas, que o direito penal não protege da mesma maneira todos os bens

relativos aos interesses de todos os indivíduos inscritos no grupo social. No que tange à igualdade e ao alcance da lei penal, a Nova Criminologia demonstra que ela não é aplicada da mesma forma para todos, assim como o status de criminoso não se aplica da mesma forma para todos os indivíduos que infringem a lei penal, independentemente da gravidade ou do dano provocado à sociedade. (MUÑOZ CONDE, 2005, p.34).

O controle penal seria carente de legitimidade pelo fato de estar a serviço de certos grupos de poder, através da criação e aplicação de novas normas de controle que assegurariam seus interesses. Esses grupos seriam os detentores do poder de definir quais seriam os comportamentos desviantes, bem como controlar a aplicação das normas jurídicas. Logo, o direito penal protegeria os interesses dos grupos sociais dominantes, que seriam representados, de maneira ideológica, como interesses sociais gerais.

De fato, não existe a definição de um conceito unânime do que é considerado socialmente ―bom‖ ou ―mau‖ e o comportamento de um indivíduo pode ser considerado justo e correto em um dado grupo social e injusto e nocivo para outro. Assim, verifica-se que em uma mesma sociedade coexistem culturas e sistemas de valores distintos e, os valores e moral considerados corretos são aqueles pertencentes aos grupos sociais dominantes (SABADELL, 2005, p.156-160).

Assim, a grande contribuição da Criminologia Crítica encontra-se na demonstração de que a lei penal, aparentemente igualitária, é tão desigual na sua aplicação quanto à sociedade na qual está inserida. Logo, o direito que é produzido nestas sociedades só pode ser concebido de forma a obedecer aos interesses dos grupos sociais dominantes.