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Dentre os aspectos formais que a pesquisa objetivou analisar no âmbito do TRF 3 se incluem os crimes que são praticados em conexão com a submissão do trabalhador a condição análoga à de escravo. Para tanto foram observados, a partir da descrição constante no relatório do acórdão e no voto do relator do recurso, quais os crimes que tinham sido objeto de denúncia pelo Ministério Público Federal (MPF), respondendo-se ao seguinte questionamento: “Quais crimes estão sendo denunciados pelo MPF como conexos ao do tipo penal descrito no art. 149 do CPB/40?”

Neste aspecto constatou-se que, no âmbito do TRF 3, a denúncia pelo crime de submissão do trabalhador à condição análoga à de escravo também envolve, os seguintes crimes: a) Frustração de direito assegurado por lei trabalhista (art. 203, CPB/40); b) Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (art. 207, CPB/40); c) Manutenção de casa de prostituição (art. 229, CPB/40); d) Rufianismo (art. 230, CPB/40); e) Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (art. 231, CPB/40); f) Corrupção (art. 333, CPB/40); g) Art. 129 (lesão corporal); h) Introdução clandestina de estrangeiro em território nacional (art. 125, incisos VII e XII da Lei n. 6.815/80).

No gráfico a seguir é possível constatar a incidência de cada um dos tipos penais no quantitativo das 36 apelações analisadas, sendo que os tipos que mais comumente acompanham o descrito no art. 149, CPB/40 são o aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional (art. 207, CPB/40) e a introdução clandestina de estrangeiro (art. 125, incisos VII e XII da Lei n. 6.815/80) evidenciando o elevado contingente de migração (interna e externa) associada ao trabalho em condições análogas ao de escravo no âmbito dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, sobre os quais o TRF 3 exerce jurisdição.

Fonte: Gráfico elaborado pela autora, a partir dos dados coletados na pesquisa.

Neste aspecto é relevante que se façam algumas considerações em relação aos principais tipos penais em conexão com à submissão do trabalhador a condição análoga à de escravo.

Com relação ao crime descrito no art. 125 da Lei 6815/80, é imperioso destacar que a referida norma foi integralmente revogada pela Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Não obstante, como os processos em análise já foram julgados, considerou-se para a análise, a redação vigente ao tempo do processamento das ações analisadas. Veja-se in verbis:

Art. 125, Lei 6815/80: Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas:

VII - empregar ou manter a seu serviço estrangeiro em situação irregular ou impedido de exercer atividade remunerada:

Pena: multa de 30 (trinta) vezes o Maior Valor de Referência, por estrangeiro. XII - introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular: Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.

Dessa forma, o crime era praticado tanto quando se introduzia o estrangeiro de forma clandestina, bem como nas situações em que o estrangeiro irregular era ocultado. Igualmente, o crime se configurava quando se empregava ou se mantinha a seu serviço o estrangeiro em situação irregular no país.

Já o aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional, encontra-se previsto no art. 207do CPB/40, da seguinte forma:

Art. 207, CPB/40: Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional.

Pena – detenção de um a três anos e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de 0 2 4 6 8 10 12

Gráfico 1 - Crimes conexos à redução do trabalhador à condição análoga à de escravo no TRF 3

Art. 125, Lei n. 6.815/80 Art. 207, CPB/40 Art. 203, CPB/40 Art. 129, CPB/40 Art. 333, CPB/40 Art. 229, CPB/40 Art. 230, CPB/40 Art. 231 CPB/40

qualquer quantia do trabalhador, ou ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.

Sobre o tema, Nucci (2017-B, p. 675 a 677) salienta que para a caracterização do tipo penal em comento é necessário que existam pelo menos dois trabalhadores para se configurar o crime, em razão da utilização do termo “trabalhadores”. O referido autor destaca ainda a necessidade da presença do dolo específico de levar o trabalhador para outra região do território nacional.

Complementando o entendimento acima delineado, Noronha (1966 p. 36) evidencia que o crime descrito no art. 207, não veda a mera e simples transferência de alguém de um lugar para outro do solo nacional, e tampouco que as pessoas voluntariamente se desloquem dentro do país em busca de emprego. O que o legislador proibiu com este tipo penal foi a figura do aliciamento, e, portanto, a ação de aliciadores que promovem o êxodo dos trabalhadores de determinada localidade para outra.

Voltando-se ao cenário evidenciado pelos dados colhidos na jurisprudência de segundo grau do TRF 3, Bignami (2017) destaca que, dentre os anos de 2010 e 2016, as vítimas do trabalho escravo no estado de São Paulo foram encontradas, principalmente, nas seguintes atividades: confecção, construção civil e agricultura, sendo que 35% dessas vítimas são imigrantes.

Nos processos analisados, evidenciou-se que, em relação à confecção, 100% dos casos ocorriam no estado de São Paulo, e todas as vítimas submetidas a trabalho em condição análoga à de escravo eram estrangeiros, sendo a maioria deles bolivianos, em condição irregular no país, razão pela qual nestes casos a denúncia, em regra, deu-se pelo crime tipificado no art. 149, bem como pelo disposto no art. 125 da Lei 6.815/80.

Por sua vez, nas atividades relacionadas à agricultura, os julgados evidenciaram que, na maior parte dos casos, as vítimas do trabalho escravo foram aliciadas de outros pontos do território nacional, em especial da região Nordeste, mediante falsas promessas de bons salários. Não obstante, quando os trabalhadores chegavam ao local de trabalho, recebiam valores menores do que o anteriormente combinado, além de terem seus documentos retidos pelos responsáveis das fazendas, não eram registrados como trabalhadores e tinham que realizar suas despesas pessoais em estabelecimentos pré-determinado pelo empregador. Neste sentido, veja-se o trecho retirado do Processo n. 0001380-82.2008.4.03.6006 (ACR – 62317), que retrata o cenário rural no qual os trabalhadores são reduzidos à condição de escravo nas regiões submetidas à jurisdição do TRF 3:

Verificou-se que não havia água potável em quantidade suficiente para os trabalhadores e que os cortadores traziam a própria garrafa térmica de casa ou quando o empregador disponibilizava cobrava a quantia de R$ 20,00 (vinte reais) pelo vasilhame. A água, imprópria para consumo, era armazenada em caminhão pipa, exposto ao sol, de maneira que tal líquido ficava quente e inadequado para o consumo humano, expondo os trabalhadores à doenças.

Foi observado que não havia abrigos para os trabalhadores em caso de intempéries. O intervalo de almoço era de 10 (dez) a 15 (quinze) minutos, sentados no chão. Não havia mesas e cadeiras para refeições.

Não eram entregues Equipamentos de Proteção Individual - EPI, que somente eram fornecidos mediante o pagamento (BRASIL. TRF 3ª Região. ACR – 62317. Processo n. 0001380-82.2008.4.03.6006, p. 3 e 4).

Com relação à construção civil, os processos analisados não evidenciaram nenhum caso de trabalho análogo ao de escravo que tenha sido julgado pelo TRF 3 em segundo grau de recurso.

A partir dos dados evidenciados é possível concluir que, no âmbito da jurisdição do TRF 3 (estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul), os processos penais evidenciam que o trabalho em condições análogas ao de escravo se encontra diretamente associado ao processo de migração interna e externa, sendo que no âmbito urbano ele está associado à introdução clandestina de estrangeiros no país (principalmente de bolivianos), enquanto que no âmbito rural o modus operandi revela que os trabalhadores são aliciados de outras localidades do país (principalmente da região nordeste); contudo, quando a liberdade não é diretamente cerceada pelo empregador, nega-se ao trabalhador qualquer possibilidade de reunir recursos materiais para voltar ao local de origem.