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O tipo penal descrito no art. 149, CPB é tido como um crime penal múltiplo, que, portanto, é considerado como realizado pelo agente quando ele pratica qualquer uma das figuras previstas no tipo, não sendo necessário que se esgotem todas as modalidades nele previstas.

Acerca do tema, Greco (2017-A, p. 272) salienta que os crimes de ação múltipla, também chamados de crimes de conteúdo variado, são aqueles que preveem uma

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De 0 a 2 anos Acima de 2 e até 4 anos Acima de 4 e até 6 anos Acima de 6 e até 8 anos Acima de 8 anos

Gráfico 2 - Tempo médio de tramitação processual dos processos envolvendo o crime tipificado no art. 149 do CPB no âmbito do TRF 3

multiplicidade de comportamentos nucleares, sendo que a prática de vários deles pelo agente importa na realização de um único crime.

Tubenchlak destaca que, a rigor, o crime de ação múltipla pode ser classificado em duas espécies: o de tipo penal alternativo e o de tipo penal cumulativo. Assim, se o tipo penal misto for alternativo, o agente irá responder pelo crime tanto se praticar uma das condutas dentre as arroladas, quanto se incorrer em mais de um núcleo do tipo. Por sua vez, se o tipo penal for misto cumulativo, o agente somente será responsabilizado pelo crime se incorrer na multiplicidade das condutas descritas (TUBENCHLAK, 1980, p. 34-35).

Até o ano de 2003, o tipo penal descrito no art. 149, CBP possuía como redação típica a seguinte: “Reduzir alguém a condição análoga a de escravo”, de modo que competia ao magistrado realizar a subsunção do fato à norma, com base no antecedente histórico apontado pelo próprio Código Penal Brasileiro (o crime de plágio romano).

Com a alteração realizada no dispositivo pela Lei n. 10.803/2003, o tipo penal passou a representar um crime penal de ação múltipla, com tipos alternativos, visto que o sujeito poderá reduzir outrem à condição análoga a de escravo quando incorrer em qualquer uma das condutas descritas do art. 149, CPB.

A alternatividade das condutas previstas pelo art. 149, CPB foi objeto de debate no STF no âmbito do julgamento do IQ n. 2.131-DF, no qual o Ministério Público Federal denunciou o então senador João Batista de Jesus Ribeiro de ter reduzido trinta e oito trabalhadores a condição análoga à de escravo, em coautoria com Osvaldo Brito Filho.

Na ocasião, o voto da Ministra Ellen Gracie foi acompanhado pela maioria dos ministros, sendo que dos dez votantes, sete manifestaram-se pela alternatividade do tipo penal, reconhecendo que a existência de condições degradantes de trabalho e a submissão dos trabalhadores à jornada exaustiva, não necessitavam estar vinculadas à demonstração de cerceamento da liberdade de locomoção para que houvesse a tipicidade delitiva (FREITAS; MESQUITA, 2017).

Apesar do entendimento declarado pelo STF, o tema ainda é objeto de controvérsias interpretativas entre os regionais, pois alguns deles, apesar de reconhecerem que o crime do art. 149 do CPB é considerado como de ação múltipla, condicionam a sua realização à prova do cerceamento da liberdade de locomoção do agente ou a sua completa submissão ao empregador, elementos estes que não são exigidos para a caracterização do trabalho em condições análogas ao de escravo, conforme se evidenciou ao longo do capítulo 1.

Neste sentido, analisando a jurisprudência do TRF da 1ª Região, Mesquita identificou que neste regional a conduta do agente é considerada como atípica quando não for demonstrada a completa sujeição do trabalhador ao tomador do serviço, bem como a impossibilidade de aplicação do tipo penal previsto no art. 149 do CPB, quando não houver efetiva restrição da liberdade de locomoção das vítimas (MESQUITA, 2016).

No âmbito do TRF 3, pôde-se perceber que, com exceção da ACR 32034 e dos processos que envolviam fatos anteriores à alteração penal20, em todos eles a alternatividade do tipo foi reconhecida, sendo que na maioria ela foi destacada de forma explícita e, nos demais, de forma indireta.

No âmbito da ACR 32034, em razão da parca descrição do cenário em que foram encontrados os trabalhadores, bem como da insuficiente fundamentação constante no voto da relatora, não se tem como afirmar, com certeza, que a alternatividade penal foi reconhecida.

O processo decorreu de situação na qual os policiais flagraram estrangeiros trabalhando numa propriedade na qual funcionava oficina de costura, sendo submetidos a condições degradantes e a jornadas exaustivas. No julgamento, os desembargadores da segunda turma do TRF 3 entenderam que restou caracterizada a mera frustação de alguns direitos trabalhistas, não suficientes à caracterização do trabalho análogo ao de escravo, já que não havia nos autos prova da submissão dos trabalhadores ao empregador, sendo que, com base neste fundamento, o réu foi absolvido.

Dessa forma, a análise realizada no âmbito do julgamento das apelações revelou a predominância da interpretação fixada no âmbito do STF, sendo que o tipo penal descrito no art. 149, CPB é considerado como um crime penal de ação múltipla, do tipo alternativo, sendo que a caracterização de uma única modalidade executiva típica é suficiente para o reconhecimento da tipicidade delitiva.

Neste sentido, cumpre destacar, a título exemplificativo, a condenação pelo crime descrito no art. 149 realizada no âmbito da ACR 66848. No caso em comento, os fiscais do trabalho encontraram uma única trabalhadora em condição análoga à de escrava no âmbito de uma loja de produtos importados chineses, sendo evidenciado que a funcionária, apesar de ter seu passaporte retido pela empregadora, tinha pleno acesso à internet através de aparelho

20 Dentre as apelações analisadas verificou-se que 9 (nove) delas envolvem fatos realizados antes da alteração realizada pela Lei n. 10803/2003 no art. 149 do CPB, sendo eles: ACR 33573, ACR 42290, ACR 34699, ACR 35786, ACR 18754, ACR 16940, ACR 10703, ACR 10410 e ACR 5033.

celular. Mesmo diante deste cenário, considerando-se as condições degradantes de trabalho à que a mesma era submetida, foi reconhecido que os empregadores à reduziram a condição análoga à de escravo, razão pela qual eles foram condenados.

Semelhante entendimento foi aplicado na ACR 56937, na qual se reconheceu que, apesar de os trabalhadores possuírem a possibilidade de deixar as dependências da fazenda em que prestavam serviços, mediante acesso ao ponto de ônibus situado apenas 800 metros do local de trabalho, eles eram submetidos a condições degradantes de trabalho e a jornadas exaustivas, razão pela qual o empregador foi condenado pelo tipo penal descrito no art. 149, CPB.

Pelo exposto, foi possível concluir que o TRF 3 admite a alternatividade do tipo penal descrito no art. 149 do CPB, reconhecendo a ocorrência do crime independentemente da demonstração do cerceamento da liberdade de locomoção das vítimas, sendo que o único caso que envolvia fatos posteriores a 2003 e que não houve a aplicação de tal interpretação se deu no âmbito da ACR 32034.

3.6 RESULTADO DO PROCESSO: CONDENAÇÕES E ABSOLVIÇÕES EM SEGUNDO