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4. DOSIMETRIA DA PENA: ASPECTOS CONSIDERADOS PELOS JULGADORES

4.4 REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA

A fixação do regime inicial do cumprimento da pena também é considerada como critério para a individualização da pena, já que o regime de cumprimento escolhido pelo magistrado integrará a reprimenda aplicada ao acusado, devendo ser adequado e suficiente.

Dispondo sobre o tema, a Lei n.7.209/08 estabeleceu que os regimes de cumprimento da pena são determinados em razão da espécie e da quantidade de pena aplicada ao condenado, bem como se ele é ou não reincidente. Acerca do regime hipoteticamente adequado a partir do quantum da pena aplicado ao caso, o Código Penal dispõe da seguinte maneira:

Art. 33, CPB/40: A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto; c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Dessa forma, a partir das regras fixadas no Código Penal, tem-se, em síntese, as seguintes regras da fixação do regime inicial de cumprimento de pena para réu condenado não reincidente:

a) Pena aplicada igual ou inferior a 4 anos: regime será o aberto.

b) Pena aplicada superior a 4 anos e não excedente a 8 anos: regime semiaberto. c) Pena aplicada superior a 8 anos: regime fechado.

Bitencourt (2017-A, p. 1341) salienta que o regime fechado será executado em estabelecimento de segurança máxima ou média, enquanto que o regime semiaberto será executado em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e, por fim, o regime aberto deverá ser cumprido em casa de albergado ou em estabelecimento adequado. Dessa forma, quanto mais gravoso o regime de cumprimento da pena, menos liberdade de autodeterminação terá o condenado.

A análise da jurisprudência do TRF 3 revelou que as 28 (vinte e oito) decisões condenatórias importaram na condenação de 56 (cinquenta e seis) réus. Dentre os condenados, conforme se pode verificar no Anexo 6 da presente pesquisa, constatou-se que o regime aberto foi fixado para 32 (trinta e dois) réus, e, em todos os casos, a pena privativa de liberdade era inferior a 4 (quatro) anos. Já o regime fechado foi estabelecido apenas para 4 (quatro) réus, sendo que em todos os casos a pena aplicada era superior a 8 (oito) anos.

Com relação ao regime semiaberto, constatou-se que ele foi estabelecido para 20 (vinte) réus, sendo que em 11 (onze) casos a pena fixada era superior a 4 (quatro) anos e inferior a 8 (oito) anos e, nos 9 (nove) casos remanescentes, a pena fixada era inferior a 4 (quatro) anos - destes nove condenados, oito decorrem da ACR 5033 e um decorre da ACR 63082).

Neste particular, com relação aos nove processos em que o regime semiaberto foi fixado em condições mais gravosas do que a estabelecida pelo art. 33 do CPB/40, não foi possível constatar no bojo das apelações os motivos determinantes, sendo que os julgadores se resumiram a fundamentar a aplicação nos termos da sentença recorrida e no fato de que as circunstâncias judiciais foram valoradas de forma negativa.

Neste sentido, veja-se o gráfico a seguir com a ilustração percentual dos regimes de cumprimento inicial da pena aplicados pelo TRF 3 para os processos que envolvem a redução do trabalhador à condição análoga à de escravo.

Fonte: Gráfico elaborado pela autora, com base nos dados objeto da pesquisa.

Como se pode perceber, a partir dos dados obtidos na análise da jurisprudência do TRF 3, apesar de o referido tribunal reconhecer a alternatividade do tipo penal descrito no art. 149, CPB, condenando os réus pela redução de trabalhadores a condição análoga à de escravo, independente do cerceamento da liberdade de locomoção, as penas aplicadas são consideravelmente baixas, razão pela qual na maior parte dos casos o regime inicial de cumprimento da pena é o aberto, no qual os condenados são mantidos em contato com sua família e com a sociedade, sendo recolhidos nas casas de albergado somente durante o repouso noturno e nos dias de folga.

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Gráfico 8 - Regimes iniciais de cumprimento da pena nos processos que envolvem a redução do trabalhador à condição análoga à de escravo no âmbito do TRF 3

Regime Aberto Regime Semiaberto Regime Fechado

4.5 SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE RESTRIÇÃO DE LIBERDADE PELA PENA PRIVATIVA DE DIREITO

O Código Penal traz a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, elencando os requisitos necessários no art. 44 do Código Penal, que devem estar cumulativamente presentes para que a substituição da pena possa ser realizada pelo magistrado. Veja-se a íntegra do dispositivo:

Art. 44, CPB/40: As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I – Aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – O réu não for reincidente em crime doloso;

III – A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Acerca do tema, Greco salienta que o primeiro requisito é de ordem objetiva, sendo impossível ao magistrado fixar tal substituição quando a pena privativa de liberdade for superior a quatro anos, nos casos de delitos dolosamente praticados ou ainda, quando o crime for praticado com violência ou grave ameaça à pessoa (GRECO-A, 2017, p. 686).

Com relação ao segundo requisito, Greco salienta que o magistrado deve observar se o réu não é reincidente em crime doloso, razão pela qual a condenação em definitivo por qualquer crime doloso impossibilita a aplicação da substituição da pena (GRECO-A, 2017, p. 687).

O terceiro requisito, de ordem subjetiva, traz para o magistrado o dever de verificar se, no caso concreto, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, a pena restritiva de direito é suficiente para remitir a conduta praticada pelo condenado, garantindo-se que a pena aplicada seja, nos termos do art. 59, caput do Código Penal, necessária, adequada e suficiente.

A análise da jurisprudência do TRF 3 revelou que as 28 (vinte e oito) decisões condenatórias importaram na condenação de 56 (cinquenta e seis) réus. Dentre estes cinquenta e seis réus condenados, em relação a oito deles não se teve como apurar se houve ou não substituição da pena em razão da ausência de informações neste sentido (ACR 5033). Nas 48 (quarenta e oito) condenações remanescentes, verificou-se que para 28 (vinte e oito)

condenados foi deferida pelo juízo a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito, sem que tenha se dado grande ênfase na fundamentação dessa permissão, e, para 20 (vinte) condenados foi negada a substituição da pena. Veja-se os dados em termos percentuais no gráfico a seguir:

Fonte: Gráfico elaborado pela autora, com base nos dados objeto da pesquisa

Apesar da parca fundamentação acerca das razões ensejadoras da possibilidade ou não de substituição da pena no âmbito das apelações julgadas pelo TRF 3, a partir das regras sobre a aplicação deste instituto dispostas acima, bem como dos dados colhidos na análise da jurisprudência em relação ao quantum de pena total26 fixada é possível concluir que, na maioria das vezes, somente se negou a substituição da pena restritiva da liberdade quando a pena fixada na maior do que 4 (quatro) anos.

Neste sentido, conforme se pode verificar na tabela constante no Anexo 6 deste trabalho, dentre todos os réus que não foram beneficiados com a substituição da pena privativa de liberdade para a pena restritivas de direito, com exceção da ACR 10410, todas as condenações decorreram de penas fixadas acima do limite admitido para a conversão (quatro anos), razão pela qual a substituição da pena restou impossível de ser aplicada, por não estar presente o requisito objetivo descrito no art. 44, I, do CPB/40.

26 No quantum de pena total deve-se considerar a somatória das penas por todos os crimes pelos quais o réu foi condenado no processo (e não somente a pena decorrente da condenação pelo crime de trabalho em condições análogas ao de escravo).

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Gráfico 9 - Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito no âmbito do TRF 3 nos processos envolvendo o crime descrito no

art. 149, CPB/40

Condenações de até 4 anos, sem substituição da pena

Condenações de até 4 anos, com substituição da pena

Condenações superiores a 5 anos

Condenações sem informações suficientes

Cumpre salientar ainda que, no caso da ACR 10410, os julgadores expressamente declaram que deixaram de aplicar a substituição da pena por considerar que era incompatível condenar uma pessoa que concorreu para a supressão da liberdade de outra, com pena restritiva de direitos. Neste sentido, veja-se o trecho do referido acórdão:

Inviável a substituição da apenação alternativa, na forma do art. 44 do Código Penal, por considerar incompatível condenar alguém por haver concorrido na supressão da liberdade de múltiplas pessoas e trocar a pena restritiva de liberdade por medidas mais doces (BRASIL, TRF 3, ACR 10410, p. 15).

Por todo o exposto é possível concluir que, como regra, o TRF 3 concede a substituição das penas privativas de direito por penas restritivas de direito nos crimes que envolvem a sujeição do trabalhador a condição análoga à de escravo, fundamentalmente com base nos requisitos objetivos, e, em especial, com base no requisito objetivo do quantum de pena fixado, sendo que a única apelação na qual não se decidiu dessa forma foi na ACR 10410, em que o requisito subjetivo descrito no inciso III do art. 44, CPB/40 foi valorado negativamente.

5. A CONCEITUAÇÃO DO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS AO DE