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4. SISTEMA DE JUSTIÇA: COMPREENSÕES E PERSPECTIVAS

4.1 Sistema de Justiça: apelo à cidadania

4.1.2 Crimes de trânsito e os Juizados Especiais Criminais

Uma forma proposta para aumentar o acesso à Justiça foi a criação dos Juizados Especiais Criminais, que têm a finalidade de atender conflitos sociais que sobrecarregavam o sistema de Justiça e que, muitas vezes, não tinham solução por parte do Judiciário ficando anos para serem arbitrados e contribuindo para que a morosidade e impunidade fossem apontadas como um grande problema no sistema de Justiça.

Assim, no ano de 1995, foi promulgada a Lei 9.009, que teve como proposta, entre outras coisas, a informalização da Justiça, que regulamentou a implantação dos Juizados Especiais Criminais. A proposta é que as varas criminais pudessem ter mais efetividade no julgamento de crimes de maior potencial ofensivo, desafogando o sistema judicial de delitos que podiam ser julgados com maior celeridade, por serem considerados de menor potencial ofensivo. Azevedo aponta que

a lei 9.099/95 deu aos Juizados Especiais Criminais a competência para a conciliação e o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, que compreendem as contravenções penais (Decreto-Lei n. 3.688, de 03.10.1941) e os crimes cuja lei penal comine pena máxima não superior a um ano de detenção ou reclusão, excetuados os delitos para os quais está previsto um procedimento especial. (AZEVEDO, 1999: p.100)

Azevedo (2001) demonstra que a criação dos Juizados Especiais Criminais foi para garantir os mecanismos de controle social e resolver a crise de legitimidade do Estado frente às novas demandas sociais que surgiram em função dos apelos da mídia, da crescente criminalidade e das mudanças sociais ocorridas no final do século XX. Dessa maneira, criou- se uma instância de poder que pudesse dar respostas aos problemas e desordens sociais enfrentados. O autor aponta que, em sociedades nas quais a complexidade social é alta, como é caso do Brasil, “o mecanismo eleito é a pena ou sanção, principalmente pelo seu papel simbólico, e não por sua real incidência sobre os autores de delitos” (AZEVEDO, 2001: p. 99).

A saída proposta pelo estado brasileiro para a solução de conflitos de menor potencial ofensivo veio na direção contrária à pena de prisão porque a proposta de resolução de conflitos surgiu com novos mecanismos que fossem mais ágeis, menos onerosos e que pudessem “maximizar o acesso, diminuir a morosidade judicial e equacionar os conflitos por meio da mediação” (AZEVEDO, 1999: p. 99).

Para tanto, foram criados os Juizados Especiais – suas primeiras experiências datam da década de 1980 no Rio Grande do Sul, justamente num momento histórico e político especial para o Brasil, pois as mudanças em relação à democratização já estavam em curso. No entanto, não interessa aqui verificar a atuação desses juizados, apenas indicar como vem sendo realizado o acesso à Justiça, em diversos âmbitos.

De outra maneira, as sentenças promulgadas nessas instâncias podem indicar que não apenas o acesso à Justiça, mas também as penas alternativas são favoráveis à consolidação de um processo democrático, uma vez que, segundo Vianna,

temos no Brasil uma série de litígios que não chegam a juízo, dada a impossibilidade de essas pessoas, apesar de sofrerem lesões no seu direito, recorrem à Justiça, dada a dificuldade de colocar em ação a máquina do Judiciário(...) aproximar o Judiciário do povo, porque essa litigiosidade contida, que não aparece no juízo, aparece, depois na violência, na contravenção, na criminalidade, na dificuldade da vida urbana. (VIANNA, 1999: p.181)

Essa linha de discussão retoma um problema apontado aqui para a questão do trânsito, que diz da percepção das vítimas em relação aos acidentes de trânsito, uma vez que muitos relatos sobre a causa dos acidentes são creditados a “uma vontade de Deus”, uma fatalidade que não poderia ser evitada, afinal estaria “na hora de determinada pessoa”. Contudo, a Justiça não se pronunciaria se isso fosse uma verdade e ainda não colocaria à disposição dos cidadãos, um sistema que seria mais ágil – como os Juizados Especiais – para evitar que situações desastrosas, que envolvem a perda de vidas por má condução veicular, sejam evitadas.

Muitos dos crimes de trânsito, quando da promulgação do CTB, foram classificados como de menor potencial ofensivo e julgados nos Juizados Especiais Criminais, pois poderiam ser analisados mais rapidamente pela Justiça. A proposta é que os delitos julgados nesses Juizados sejam orientados pelo principio da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade. Agindo dessa maneira a solução dos conflitos não passa pela pena de reclusão e ainda dependem, para sua resolução, da presença da vítima e do autor diante de um juiz32, para que possam expor os fatos ocorridos e de lá compor os danos33.

Apesar da celeridade dessa instância de Justiça e da facilidade para o acesso à Justiça, algumas críticas foram feitas, principalmente, em relação à estrutura de atendimento, pois faltam juízes, salas e atendimento adequado (CAVALCANTI, 1999). Em outros estudos sobre os Juizados Especiais Criminais, fica evidente que ainda falta um maior entendimento sobre como funciona e que tipo de justiça está sendo feito nessa instância (cf. SANTOS, BATITUCCI, 2008), principalmente, quando se evidencia o alto número de desistência por parte das vítimas de prosseguirem com a denúncia nessa instância, pois muitos dos conflitos são resolvidos quando a polícia militar é acionada para atender a ocorrência e a “cabeça esfria”34.

Outro apontamento do estudo diz respeito a uma porcentagem de conflitos ligados ao trânsito que são julgados nessa instância, pois 26% das ocorrências são dessa modalidade e o artigo mais comum do CTB a ser julgado lá é o 303 – lesão corporal culposa.

Por outro lado, a importância dos Juizados na solução de conflitos de menor potencial ofensivo é evidente, principalmente, quando pensamos na celeridade e no rito sumário em que

32 Pode ou não haver a presença de um advogado para acompanhar a audiência preliminar para que possa ser

resolvida a contenda.

33 No caso de não se aceitar a composição dos danos numa primeira audiência, há a oportunidade de se seguir

com os trâmites processuais, ou seja, apresentação da queixa crime, investigação, denúncia realizada pelo Ministério Público que pode ou não ser aceita, sendo aceita é marcada audiência de instrução e julgamento.

34 Um estudo, realizado pelo Núcleo de Estudos em Segurança Pública da Fundação João Pinheiro, sobre o

JECRIM/BH com os processos transitado em julgado no ano de 2006, aponta que apesar de 71,5% das vítimas lavrarem um Termo Circunstanciado de Ocorrência – TCO, na Polícia Civil, 83% das vítimas manifestaram, em algum momento do processo, desinteresse em continuar com ação.

as audiências são processadas. Capilongo, (apud CAVALCANTI, 1991: p.14) aponta que a finalidade dos Juizados Especiais é permitir que pessoas que antes não participavam da vida política e social possam, agora exercer seus direitos, pois

(...) o novo não significa tanto a utilização de canais inéditos de solução de conflitos jurídicos ou o recurso a um vago direito alternativo, informal e extrajudicial. O ineditismo está assentado no dado fundamental de que setores populares, antes praticamente alijados e ignorados na arena judicial, vão crescentemente marcando sua presença e ocupando espaços políticos e jurídicos antes vazios.

Muito do debate sobre o acesso à Justiça se mistura à inserção desse novo mecanismo que são os Juizados Especiais. Nesse sentido, a crescente politização do Judiciário, como aponta Izumino (2004), prevê que esse é chamado para intervir em conflitos tanto para garantir direitos individuais, quanto coletivos. Ao mesmo tempo, a sociedade vive conflitos de maneira crescente e diversificada, os crimes de trânsito, considerados de menor potencial ofensivo, são um exemplo. Assim, as discussões tanto sobre o acesso à Justiça para esses crimes, quanto dos juizados especiais criminais, que garantiriam os direitos individuais aos sujeitos envolvidos nesse tipo de conflito, devem ser investigadas para que as diferenças/dificuldades no acesso à equidade possam ser explicitadas, inclusive para melhorar o conhecimento da população sobre esse tipo de instância de resolução de conflito.